Page 26 - Revista da Armada
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fizemos rumo a Ponta Delgada. O mar foi cres- oficial da Marinha de Guerra, corporação com tação de castanha de caju, cujas árvores fo-
cendo do SW produzindo grandes balanços. Às tradições tão ligadas às colónias, e parecera-me ram mandadas plantar pelo então Capitão-
1730 registou-se a extraordinária inclinação de ser ele o homem indicado»5.            -tenente Sarmento Rodrigues.
67 graus, tendo havido nessa altura importantes Conforme uma passagem do seu discur- Além do desenvolvimento fomentado
avarias no material e ferimentos no pessoal. […] so de tomada de posse como Governador pelas novas infraestruturas, na sua passa-
Perto do amanhecer avistou-se o farol da                                                                              gem pela Guiné deixou uma obra in-
Ferraria e às 0730 estávamos dentro de                                                                   Ver nota 24  delével na área cultural, que foi alvo
Ponta Delgada. Desembarcámos os 118                                                                                   dos maiores elogios além-fronteiras,
naufragos e um marinheiro ferido. Inicia-                                                                             materializada através da criação do
ram-se logo as reparações fundamentais                                                                                Museu e do Centro de Estudos da
com a colaboração das oficinas locais e                                                                               Guiné Portuguesa, além do reputa-
quatro dias depois o navio estava de novo                                                                             do Boletim Cultural da Guiné Portu-
pronto para comissão. Foi esta comissão                                                                               guesa. No âmbito das condições pro-
duma rara dureza e não menos rara feli-                                                                               porcionadas pela sua ação, cumpre
cidade. Pudemos ser úteis, mas sofremos                                                                               destacar a obra fundamental Mono-
das mais violentas e proveitosas experi-                                                                              grafia da Guiné Portuguesa, da autoria
ências que a gente do mar pode esperar»3.                                                                             de Teixeira da Mota. Foi promovido
No total, sob seu comando o Lima                                                                                      a capitão-de-fragata a 15 de abril de
salvou 228 náufragos, facto que lhe                                                                                   1946, tendo celebrado o 5.º Centená-
valeu uma condecoração britânica                                                                                      rio da Descoberta da Guiné com um
(Victoria Cross) e outra do Instituto de                                                                              programa de comemorações a que
Socorros a Náufragos. De referir ainda                                                                                associou a Revista Militar, que para o
que, durante a Segunda Guerra Mun-                                                                                    efeito instituiu o Prémio Guiné.
dial, publicou no Diário de Lisboa inú-                                                                               Por se encontrar doente, foi exonera-
meras crónicas navais. No final desta                                                                                 do a seu pedido do cargo de Governa-
sua comissão, «a cerimónia de entrega do                                                                              dor da Guiné a 20 de janeiro de 1949,
comando realizou-se em Setúbal, estando o                                                                             altura em que regressou à metrópole
navio fundeado ao largo. Após a cerimónia                                                                             para exercer funções no Estado Maior
habitual foi o Comandante conduzido a                                                                                 Naval.Atendendo à sua reputação, no
terra, não no gasolina de bordo, como seria                                                                           ano transato havia sido eleito deputa-
normal, mas a remos numa das baleeiras                                                                                do da Assembleia Nacional por Mo-
do navio guarnecida pelos “seus oficiais”    O Capitão-tenente Sarmento Rodrigues no comando do contra-               çambique para a legislatura 1948-1951.
que desta forma quiseram demonstrar-lhe,     torpedeiro Lima.                                                         Em 1950 foi Comandante das Forças

uma vez mais, a sua grande amizade e estima»4. da Guiné sugere, a sua maior satisfação era Aéreas da Armada e Director da Aeronáu-
O espírito que no seu período de coman- servir Portugal: «Irei pois, para o Governo da tica Naval, cargos que lhe conferiram maior
do se vivia a bordo do Lima está bem paten- Guiné como para o comando de um navio, com credibilidade para se bater, ainda que sem
te num texto intemporal que Sarmento Ro- um ideal apenas, o de servir o meu País».     sucesso, contra a extinção da Aviação Naval.
drigues nos legou – O nosso Navio – e que, Entre 1945 e 1948, período durante o qual A 24 de julho de 1950 assumia a pasta das
sem dificuldade, podemos denominar de A exerceu aquelas exigentes funções, a Guiné Colónias e em 1951 a Assembleia Nacional
nossa Marinha, pois permanecem válidos os viria a conhecer grande desenvolvimento, aprovava a terceira revisão da Constituição de
valores e os princípios nele preconizados designadamente, na organização do territó- 1933, passando o seu ministério a designar-
(ver p.2).                                                                                                                         -se por Ministério do Ultramar.
Terá sido graças à sua ação                                                                                           Ver nota 24  No exercício daquelas funções,
como comandante do contra-                                                                                                         «desenvolveu uma notável acção,
torpedeiro Lima, que encheu                                                                                                        publicando toda a legislação re-
as páginas dos jornais, tanto                                                                                                      novadora da política ultramarina,
em Portugal como no estran-                                                                                                        e promoveu um mais forte inter-
geiro, que levou o então Mi-                                                                                                       câmbio entre a Metrópole e o Ul-
nistro das Colónias, Professor                                                                                                     tramar, de forma a desenvolver o
Marcelo Caetano (1906-1980),                                                                                                       conhecimento mútuo e a estreitar
a nomear o Capitão-tenente                                                                                                         os laços que uniam as várias par-
Sarmento Rodrigues Gover-                                                                                                          celas nacionais, ao mesmo tempo
nador da Guiné, que era, à                                                                                                         que incentivou o estudo dos assun-
época, o território português                                                                                                      tos coloniais»6. Foi promovido a
mais negligenciado em África.                                                                                                      capitão-de-mar-e-guerra a 31
Mais tarde, nas suas memó-                                                                                                         de julho de 1953.
rias, Marcelo Caetano justifi-                                                                                                     Na opinião de Meireles
cava assim a sua opção:                                                                                                            Guerra «de 2 de Agosto de 1950
«Só conhecia então Sarmento                                                                                                        a 7 de Julho de 1955 foi, também,
Rodrigues por ler os artigos que                                                                                                   uma época de intenso trabalho de
ele escrevia para a imprensa, espe-                                                                                                legislação […] foram publicados 62
cialmente para o Diário de Lisboa.   Resgate de náufragos pelo contratorpedeiro Lima.                                              decretos-lei, 154 decretos simples,

Impressionou-me a elegância do estilo, notei o rio, na estrutura da rede de comunicações, 210 portarias e 61 diplomas ministeriais, abran-
amor às coisas ultramarinas, verifiquei a cultu- nos projetos agrícolas e, sobretudo, no com- gendo a quase totalidade dos sectores económicos,
ra geral revelada e os conhecimentos dos proble- bate às doenças endémicas, esta última só técnicos e sociais, da vida do ultramar português»7.
mas sociais e de administração. […] Consultei o possível graças à construção da rede básica Através do decreto n.º 38, de 15 de junho de
Ministro da Marinha que confirmou o meu juí- de distribuição de água potável. Resta acres- 1951, as colónias ultramarinas receberam a
zo e acrescentou outras excelentes informações. centar que, ainda hoje, uma das fontes de designação de províncias, «estabelecendo um
[…] Era esta a missão que queria confiar a um riqueza da Guiné-Bissau assenta na expor- novo conceito de Comunidade Portuguesa».

26 SETEMBRO/OUTUBRO 2012 • Revista da Armada
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