Page 22 - Revista da Armada
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a que só com o perfeito reajustamento to diferido. Se se cumprir o prazo e o nas aos conceitos de enquadramento
das duas partes se pudesse pôr fim ao navio estiver são e salvo, o contrato é jurÃdico seguido nesse PaÃs, especial-
contrato, ou quando a posse precária anulado. Se se não cumprir, o pretenso mente em Barcelona, uma regulamen-
recaÃsse sobre um bem destinado a ser comprador paga ao pretenso vendedor tação, as “Ordenanzas de Seguros Ma-
devolvido em local distante, a alguém a importância devida, isto é, a indem- rÃtimos de Barcelonaâ€, publicadas em
da confiança ou a mando do dono do nização. É um contrato muito próximo, 12 de Abril de 1435, e alteradas em 21
bem, como se poderia verificar, por para não dizer que é a matriz inicial do de Novembro de 1435, 21 de Novem-
exemplo, com o contrato de fretamen- contrato de fretamento do navio. bro de 1452, 14 de Novembro, e 18 de
to de um navio, situações estas em que Junho de 1484, e, com caráter exten-
igualmente se procedia da mesma for- 5º - É um contrato de usura, sujeito sivo, abrangente de toda a realidade, a
ma. O documento em causa passava a às regras desta. obra de Pedro de Santarém, publicada
ter a designação de “Carta-Partida†em em 1552, sob a designação de â€Tracta-
vez de “Apóliceâ€, e, presentemente, 6º - É um contrato de penhor, cons- tus de Assecurationibus et Sponsioni-
essa designação passou a ser especÃfica tituÃdo pela importância do prémio, a bus Mercatorumâ€, seguida, depois de
dos contratos de fretamento marÃtimo. qual será devolvida ao segurado se o 1556, pela obra de Benevenuto Straccha
navio não chegar são e salvo, ou pas- “Tractatus duo de Assecurationibus …â€.
No Direito Romano, o Direito era cria- sará a pertencer ao segurador no caso Só poucos anos mais tarde, veio a apa-
do unicamente pelo “ Poder Governan- contrário. recer o conhecido “Guidon de la merâ€,
teâ€, com exclusão de qualquer possibili- de Rouen (1556/1584).
dade de as normas legais poderem surgir 7º - É um contrato de compra do ris-
pela via do costume, mas tal sistema ti- co, e de eventual venda da esperança É o trabalho de Pedro de Santarém
nha como consequência o imobilismo do risco, caso o dano se verifique ou que é considerado como aquele que,
dos conceitos e dos textos constantes não, posição esta defendida por Pedro por ser o primeiro a focar pormenori-
das referidas normas, o que implicava de Santarém que mais adiante será de- zadamente os conjuntos de situações
que as novas situações que apareces- senvolvida ( cf. a â€emptio speiâ€, in Di- em que, no comércio marÃtimo, a pro-
sem a necessitar de enquadramento le- gesto 18.1.8.1). dução de danos nas mercadorias trans-
gal, ou não tivessem possibilidade de portadas, em função da concretização
entrar na esfera do Direito legislado, ou 8º - É um contrato de “compra a re- de um “perigoâ€, ou “riscoâ€, gera a res-
tivessem de ser enquadradas na norma troâ€, ou seja, um contrato de compra, ponsabilidade civil do segurador, com
já existente que maiores semelhanças feito com a cláusula de revenda ao pri- base na ocorrência de um caso fortuito
apresentassem com um qualquer direi- mitivo vendedor (deduzidas as despe- (cuja caracterização é igualmente esta-
to já estruturado pela lei pré-existente. sas e o frete), se houver bom termo, e belecida exaustivamente por Santarém),
de proceder ao pagamento do preço, ou a desresponsabilização daquele, em
É assim que, ao pretendermos ter se houver naufrágio ou perda dos bens. resultado da existência de culpa, de ter-
uma noção do que poderia ser enca- ceiro ou do próprio segurado, e é, efeti-
rado como a visão da Idade Média, ou 9º - É um contrato promessa de trans- vamente, a análise profunda e comple-
dos primórdios do Renascimento, em missão da posse ao segurador, de cará- ta feita por Santarém que lhe confere o
relação à queles novos problemas, nos ter inicialmente religioso e de honra, e tÃtulo de “Pai do Seguro MarÃtimoâ€, pois
deparamos com os seguintes enqua- de assunção do compromisso de resti- não vieram a ter aceitação da comuni-
dramentos legais, adotados por uma ou tuição dessa posse ao segurado, dedu- dade internacional, tanto a solução pro-
mais comunidades e sempre dentro da zidas as despesas, se tudo correr bem, pugnada por Straccha (o contrato de se-
ideia do contrato de seguro: ou de pagar os danos, isto é, o valor das guro teria a natureza de um contrato de
mercadorias, no caso contrário. mandato, na medida em que seria esta
1º - Traduz-se num seguro de prémio, a forma mais utilizada pelos comer-
isto é, é um contrato de jogo, destina- 10º - É um contrato de mandato ou ciantes, seguradores, e marinheiros do
do a obter um prémio através da sor- comodato (Procuração), conferido pelo porto de Ancona, terra da sua naturali-
te, e engloba uma promessa, feita pelo segurado ao segurador (Comandante) dade), como a defendida por Santarém
segurador, do seguinte teor – “Se eu te para transportar e vender os seus bens, (o contrato de seguro seria um contrato
transportar a mercadoria a são e salvo, a troco de uma remuneração. (Nalguns complexo, de prestação de um serviço,
até à data «xis», pagas-me «y». Se não, casos, verificar-se-ia um mandato força- pago, do segurador, relacionado com a
então pago-te euâ€. do pelo transportador das barcaças e avaliação da probabilidade de ocorrên-
barcas de transferência dos bens para cia do risco, de compra da potencial e
2º - É um contrato de “risco†ou de desembarque em terra, com o pedido/ futura ocorrência do Risco, cujo preço
“empréstimo de riscoâ€, “por meio de extorsão, como pagamento pelos seus seria a importância recebida em função
um empréstimo feito com o coman- serviços, do “beveragioâ€, ou “gorgetaâ€. do contrato anterior, e um contrato de
dante, para quando o navio está imo- compra da perda da esperança da não
bilizado e/ou não pode navegar, para 11º - É um contrato de mútuo (em- produção do “riscoâ€, pelo segurado,
que este me pague o valor da minha préstimo gratuito), acompanhado de se, no final, o acontecimento “risco†se
mercadoria, no caso de perda delaâ€. um contrato de transporte. viesse a produzir, uma vez que a mesma
comunidade, veio a aceitar a posição de
3º - É um contrato de “empréstimo 12º - É um contrato de mútuo one- que o contrato de seguro tinha a natu-
sob condiçãoâ€, de natureza simulada roso, com recebimento de juros e, reza de um empréstimo, por ser aquele
(mas com recebimento do valor do res- eventualmentÂe, com usura. que mais se aproximava da parecença
petivo prémio e dos juros), feito pelo com uma “vendaâ€, que o seguro parecia
segurador, do recebimento da soma se- Além destes, outros enquadramentos ser, mas em que se não podia integrar,
gurada, e com promessa de restituição, foram feitos, a partir do entrelaçamen- quanto mais não fosse por serem proi-
num certo prazo, caso a mercadoria to de dois ou mais dos atrás indicados, bidos os contratos simulados.
chegue sã e salva ao porto de destino, o que bem demonstra a capacidade
situação em que o segurador nada mais imaginativa dos juristas da época, com î¨
tem a pagar. Mas, se a condição se não o fito de conseguirem encontrar o en- Bernardo Fisher de Sá Nogueira
cumprir, o segurador entrega ao segura- quadramento das novas realidades no
do a quantia que simulou ter recebido. espartilho legal então vigente: Surgem, Juiz Conselheiro jubilado
por isso, pelo menos, as tentativas, in-
4º - É um contrato de compra do completas, de estruturação do seguro
navio pelo segurado, com pagamen- marÃtimo, como, na Itália, “Ordenan-
22 NOVEMBRO 2012 • Revista da Armada za“ de Pisa, de 1318 ou 1385, confor-
me os autores, e aplicável na respetiva
região, ou na Espanha, e aplicáveis ape-