Page 28 - Revista da Armada
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Entre muitas ações ao nÃvel da criação de Apesar do agravo, a sua devoção pela Com 51 anos de serviço efetivo prestado,
infraestruturas, desde estradas ao caminho- Marinha mantinha-se intacta. Por conse- passou à situação de reforma a 20 de junho
-de-ferro, como Governador de Moçambique guinte, depois de passar à reserva, em 1964 de 1969. Na sequência dos acontecimentos
privilegiou, sobretudo, o ensino, a educação e encontramo-lo como presidente consultivo da Revolução de Abril de 1974, esteve preso
a cultura, que passou pela construção da Bi- do Museu de Marinha, funções que deixou, entre 13 de dezembro de 1974 e 14 de feve-
blioteca Nacional de Moçambique e de inú- cinco anos depois, para abraçar o seu último reiro de 1975, sem ter sido alvo de «acusação
meras escolas de todos os nÃveis, incluindo o grande desafio, quando foi escolhido pelos formal. Libertado sem qualquer julgamento, con-
universitário. Por a considerar um instrumen- seus pares para presidir ao Grupo de Estu- tinuou serenamente a servir o nosso PaÃs, sem
to fundamental na consolidação e desenvol- dos de História MarÃtima, fundando, no ano uma queixa ou palavra de revolta»20.
vimento daquela provÃncia ultramarina, en- seguinte, o Centro de Estudos da Marinha, De acordo com o testemunho do Almi-
tendia que a lÃngua portuguesa deveria ser onde se manteve como presidente. Em 1965 rante Sousa Leitão (1926-2000), à época
falada de norte a sul daquele extenso terri- foi membro fundador do Institut d’Etudes Chefe do Estado-Maior da Armada, que em
tório, quase 10 vezes maior do que Portugal. Politiques, com sede em Vaduz, Liechtens- 1978 lhe formulou o convite para ocupar o
Em sua opinião, «Moçambique era uma das tein, tendo com a sua influência contribu- cargo de presidente da recém-criada Aca-
maiores esperanças na grandeza futura da Pá- Ãdo para a existência da Sala de Portugal. demia de Marinha, para o qual havia sido
tria Portuguesa e Lourenço Marques, cidade Por essa altura, relativamente à não exis- eleito por unanimidade, o Vice-almirante
da maior beleza e tência no nosso Sarmento Rodrigues «aceitou, como mais um
distinção entre to- paÃs de uma aca- serviço que prestava à Marinha, com uma satis-
das as cidades por- demia de marinha, fação que não escondia»21.
tuguesas»12. Aliás, pela qual pugnava, Figura de enorme prestÃgio internacio-
chegou mesmo ao sintetizava assim a nal, depois de uma vida plena de relevan-
ponto de afirmar sua perplexidade: tes serviços prestados à Marinha e a Por-
que «Moçambique tugal, tendo recebido
só será Moçambi- Fotos CAB FZ Oliveira o tÃtulo de cidadão ho-
que enquanto for norário de 37 cidades e
Po rtugal»13. vilas da Europa, ilhas
Não obstante o atlânticas, Ãfrica, Ãndia,
afeto que nutria Macau, Timor e Estados
por Moçambique, em outubro de Unidos, o Vice-almirante
1962 veio a Lisboa, em tempo, so- Manoel Maria Sarmento
licitar o termo das suas funções, Rodrigues faleceu a 1 de
com a fundamentação de não te- agosto de 1979, deixan-
rem sido atendidas algumas das do mais de seis dezenas
suas propostas, justificando, ain- de livros e trabalhos pu-
da, que atendendo aos limites de blicados. A ele se ficou a
idade em vigor, a 20 de junho de dever também o estudo
1964 passaria à situação de reserva. e divulgação da gesta
Na realidade, e de acordo com o do navegador João Ro-
testemunho do Professor Adriano drigues Cabrilho, anu-
Moreira, depois de toda uma vida almente celebrada pela
dedicada ao serviço da Marinha e Descerramento da placa na Escola Naval por D. Isabel Gomes Mota, filha mais velha comunidade portuguesa
de Portugal, o Contra-almirante do Almirante Sarmento Rodrigues, e pelo Almirante CEMA. em S. Diego, Califórnia.
Sarmento Rodrigues tinha, por essa altura, a «Dificilmente se compreende que numa Na- Relativamente à personalidade do Vice-
clara perceção de que iria ser excluÃdo da es- ção cuja principal grandeza teve origem no mar, -almirante Sarmento Rodrigues, parece ter
colha para o cargo de Chefe do Estado-Maior que Além do Mar foi consolidar a sua indepen- sido o Professor Adriano Moreira quem me-
da Armada, que em breve ia vagar14. dência, que do Mar recolheu as suas maiores lhor sintetizou as suas virtudes: «com aquela
ConcluÃda a comissão como Governador glórias, que ainda depende grandemente do mar modéstia exemplar que não precisa de ser con-
de Moçambique, em 1964 declinou diversas para sustentação da sua unidade e da sua pró- fundida com a humildade, nunca pessoalmente o
nomeações da mais elevada importância, de- pria vida, não exista um organismo de cultura sugeriu, não pediu apoios, não solicitou alianças,
signadamente, administrador, por parte do que ao Mar seja especialmente dedicado, do nÃ- limitou-se a tomar lugar no fim da mesa sem re-
Estado, para a Companhia de Diamantes vel intelectual e patriótico de uma Academia de cusar um serviço quando reconheciam que outro
de Angola, administrador do Banco Nacio- Marinha»17. não o prestaria melhor»22.
nal Ultramarino e Embaixador de Portugal Em 1966 era eleito vogal da Revista Mili- Depois de em 1999 a Escola Naval o ter
no Vaticano. Por essa altura, recusou igual- tar, funções que exerceu até falecer, consi- homenageado, ao escolher o seu nome para
mente os oferecimentos que lhe fizeram – da derando «que constituÃa um forte reduto onde patrono do curso de cadetes que entrou nes-
parte do Governo e da parte de elementos da se conservavam e defendiam as virtudes essen- se ano, no passado dia 30 de maio teve lugar
oposição – para que apresentasse a sua can- ciais que caracterizavam e identificavam as For- nova homenagem, presidida por Sua Exce-
didatura à Presidência da República. Qual ças Armadas»18. lência o Chefe do Estado-Maior da Armada,
ironia, na obra de testemunhos editada pela Entre muitos cargos que nesta época lhe Almirante Saldanha Lopes, com o descerrar
Academia de Marinha por ocasião do cente- foram oferecidos, o Vice-almirante Sarmen- da placa que atribuiu o seu nome à parada
nário do nascimento do Vice-almirante Sar- to Rodrigues confessava, no aditamento às por onde, desde 1936, têm desfilado todas
mento Rodrigues (1899-1979), o Dr. Almeida suas notas biográficas, que «em 1970 não as gerações de oficiais de Marinha. Relem-
Santos reconheceu que «em condições normais, aceitei o cargo de Presidente do Conselho de Ad- bramos que a “sua†Academia de Marinha
ele teria sido Presidente da República»15. ministração de Ferrominas, que me foi oferecido também lhe havia prestado o devido tribu-
Em paz com a sua consciência, escreveria, pelo empresário Champallimaud, porque entendi to, ao colocar o seu busto à entrada da insti-
mais tarde, que «no mar e no Ultramar se con- que, tendo sido sua testemunha de defesa, não tuição, tendo igualmente criado um prémio
sumiu o melhor da minha vida. Vida que de bom poderia receber quaisquer ofertas da sua parte»19, cientÃfico com o seu nome.
grado voltaria a viver»16, demonstrando, as- patenteando uma vez mais, pelo desapego, Para terminar este artigo, escolhemos a
sim, não guardar quaisquer ressentimentos. a nobreza de caráter. leitura – serena – que o Almirante Sousa
28 SETEMBRO/OUTUBRO 2012 • Revista da Armada