Page 129 - Revista da Armada
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§                                                          voz da abita







                o
     De  288/70/1. -gr.  FZE - Carlos  Ma-  De  Vítor  Manuel  Horta,      criança  e  contemplou  durante  longo
    nuel Baptista Nunes:                cabo  S  n.o  4631:                momento  a  minha  farda.  Todo  ele
                                        Da praça supracitada recebeu-se  uma  era  alegria  e  júbilo.  O  seu  rosto
                                        carta  de  17  de  Fevereiro  último   mostrava  uma  enorme  felicidade,  e
     «Gampará, 13-Fev.-72.              fazendo  várias considerações  e suges-  no  vigor  dos  seus já cansados  braços
                                        tões  acerca  da  <<nossa»  Revista  que  sentia-se  a  paixão  de  quem  abraça
     «SentIo  talvez  o  sítio  onde  me  en-  agradecemos  e  tomamos  na  devida  tudo  quanto  lhe  é  querido.  Era  a
     contro  actualmente  a  pior  zona  da   conta.  Tem  razão  quando  diz  que  farda  que  o  fascinava.  <dá  não  vejo
     Guiné, a«  Revista da Armada»  tem-me   devia  haver  mais  colaboração  do  esta  farda  há  mais  de  vinte  anos»,
     aj~dado a  passar  um  pouco  estes  di-  Ultramar  mas,  não  é  nossa  a culpa ...   dizia ele.
     fíceis  dias  em  que,  tirando  as  ope-  Leia  a  «Nota de  Abertura»  do  n.O  6.  Gostava de  saber descrever  tão  emo-
     rações  de  dia  sim,  dia  não,  me   Quanto  a  entrevistas,  já  estavam  cionante  cena,  mas ...  descrevo  o  que
     entretenho  a  folhear  a  <<nossa»  Re-                              o  dom  me  permite.
                                        previstas  e  brevemente  sairá  a  pri-
     vista.                                                                As  seguintes  licenças  foram  pràti-
                                        meira.
     «Ora, como  nos  quatro  números  que                                 camente  preenchidas  pela  agradável
    já saíram  pouca iniciativa vi  da parte                               companhia  do  Terramoto,  mas  já
     dos  fuzileiros  especiais,  aqui  me  en-                            não  me  limitava  a  ouvi-lo  como  em
                                               o  TERRAMOTO
     contro  dando  um  pouco  da  minha                                   criança.  Com  pleno  conhecimento  de
     çolaboração,  pois  sempre  gostaria   Foi  a  humilde  aldeia  de  Castainço,  causa,  travávamos  impressionantes
     de  ver  na  Revista  qualquer  artigo   concelho  de  Penedono,  distrito  de  diálogos,  e  foi  a  partir  daí  que
     feito  por  um  fuzileiro,  tal  como  os   Viseu,  que  viu  nascer,  crescer  e  redobrou  a  minha admiração  por ele.
     meus camaradas, tanto  aqui na Guiné .  morrer  Cassiano  Augusto  Rios.   Além  disto,  por  exemplo,  recortava
     como na Metrópole, gostariam de ver   Viveu  a  infância como  outro  menino   pedacinhos  de  jornal  com  notícias
     um  artigo  feito  por  um  camarada da   qualquer  no  seio  da  sua  humilde  respeitantes  à  Marinha  e  dizia:  «É
     mesma especialidade.               família.  Quando  chegou  a  idade  de  para ler quando me sinto só! Fui impe-
                                                                                        a
     «Corre  o  boato  de  que  os  fuzileiros,   cumprir  o  serviço  militar,  escolheu  dido de Sua Ex. o Sr. Almirante Amé-
     porque  são  fuzileiros,  só  sabem   a  Marinha.  Deu  os  primeiros  passos,  rico Thomaz quando ele era ainda pri-
     pegar  em  armas  e  que,  na  média   e eis um bravo ao serviço da Armada.  meiro-tenente em Alcântara»; e conti-
     geral,  são  indivíduos  de  pouca  cul-  Era  o  1755,  gr.  F,  por  alcunha  o  nuava,  «andei.no  «Vouga»  (se  a  me-
     tura;  não,  não  é  isso  que  se  passa,   Terramoto - que  lhe coube pelo facto  mória  não  me  engana)  cujo  coman-
     mas  sim  por  usufruirmos  de  uma  do  seu  número  coincidir  com  a  data  dante  era  o  hoje  almirante  Sarmento
     fama  que  jamais  se  apagará,  pelo   da  célebre  catástrofe  lisboeta.   Rodrigues.»  «Sim»,  respondia  eu.
     menos  enquanto  existirem  fuzileiros.   Correu  todos  os  continentes  e  serviu  Sentia-se  feliz.  Via  em  mim  a  ad-
     «E  é  precisamente  para  tentar  des-  a  Marinha durante vinte anos.  Decor-  miração  sincera  e  sentia-se  orgu-
     mentir  essa  fama  que  aqui  estou   ridos  estes,  e  aposentado,  regressou   lhoso  de  já  ter  passado  o  mesmo
     dando  o  máximo  do'  meu  esforço,   à  sua  terra  natal.  Ora  foi  aqui  que   que  eu  vivia.  Sentia-se  novamente
     escrevendo  esta carta  para  a  «nossa»   pela  primeira vez - ainda eu  pequeno   num  mundo  que  para  ele  há  muito
     Revista.                           - lhe  ouvi  as  suas  aventuras  do  mar.   tinha  acabado.  Parecia  ver-se  com
     «Pois,  caros  camaradas  da  Marinha,   Era  extraordinário  como  se  entu-  forças  de  voltar  a  enfrentar  o  mar.
     coln  tudo  isto,  quis  apenas  mostrar-  siasmava  ao  contá-las.  As  lágrimas   Passava  todos  os  anos - na  minha
     -vos  que,  seja  em  que  parte  for,  um   cobriam-lhe  o  rosto,  parava...  mas   licença  disciplinar - dias  quase  in-
     bom  fuzileiro  especial  sabe  sempre,   lá  continuava  as  narrativas.  Eu,  teiros  falando  com  ele.  Era  sempre
     e  em  qualquer  altura,  fazer  algo   como  simples  ouvinte,  limitava-me  o  primeiro  a  esperar-me.  Mas,  este
     mais  do  que  pegar  em  armas;  mas   a  escutá-lo  e  a  fazer  aqui  e  acolá   ano,  não  estará  à  minha  espera.
     esta ' é  a  nossa- missão,  tal  cOmo  vós   algumas  ingénuas  objecções.  Não   Recebi  a  triste  notícia  do  seu  fale-
     tendes  a  vossa;  cada  coisa  no  seu   tardou  muito  a  cativar  o  meu  espí-  cimento,  e  foi  este  o  motivo  que  me
     lugar,  e  ficai  sabendo  que  o  fuzileiro   rito  juvenil  e,  chegada  a  idade,  alis-  leJou  a  escrever  estas  modestas
     especial, sempre e em qualquer altura,   tei-me  também  na  Armada.  Decor-  linhas, como em  simples homenagem,
     está disposto  a  dar a  vida  pela  nossa   rido  o  curto  tempo  da  recruta,  fui   admiração,  estima  e  paga  dos  ensi-
     tão  querida  Pátria.»             passar  alguns  dias  à  terra.  A  pri-  namentos  e  conselhos  que  me  deu
                                        meira  pessoa  a  abraçar-me  foi  o   antes e depois da minha incorporação
                                        tio  Cassiano.  Chorava  como  uma  e  por  último,  ainda,  para  revelar  o

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