Page 301 - Revista da Armada
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Poucas vezes o mundo da arte foi
sacud ido tão violentamente como
a partir de 1916. Quer na Europa
quer na América, o grito de guerra
era DADÁ. Este nome , sem signi-
ficado especial, foi usado em
primeira mão pelos membros do
Cabaret Voltaire, em Zurique - ce-
náculo onde se reuniam artistas
imigrados por motivo da guerra e
que fora flJ,.ndado pelo poeta rome-
no Tristqn Tzara. Dele faziam parte
escritores e artistas como Hugo
Ball e Hans Arp. A finalidade deste
movimento tanto artístico como
I iter$rio era ·a formu lação do seu
veemente protesto contra toda a
espécie de convenções sociais e
culturais vigentes. Pretendiam li-
bertar a arte de todàs as peias e
convencionalismos institu ídos por
uma sociedade que decretara de-
terminados gostos e padrões ar-
tísticos. Este grupo de artistas
realizava espectáculos e exposi-
ções que escandalizaram toda a
gente pela deliberada extravagân-
cia das obras expostas que, para
às audiências de então , tocavam
as raias do absurdo . Expuseram pretendendo apeá-Ia .da situação
nos seus salões artistas como singular que a sociedade lhe pre-
Arp, Chirico e Ernst, que mais tendia dar. Com Man Ray elegeu
tarde enveredaram pelo surrealis- à categoria de artísticos objectos
mo; Kadisnsky, que abriu as por- de uso comum , feitos em série, os
tas à pintura abstracta: Kokos- ready-made , que apresentavam
chka, que veio a fixar-se no expres- fora do seu contexto normal, com
sionismo , e Picasso, que não se ou sem qualquer modificação. É o
fixou em nada e que, passando por caso de «roda de bicicleta », de
tudo, permaneceu único. « urinol » (com o nome de fonte)
O público era convidado para ses- de Duchamp ; de «prenda » de
sões de promoção cu Itu ral e escla- Man Ray (que deliberadamente foi
recimento dos objectivos do da- inutilizada como objecto de uso
daísmo e não raro era insultado corrente) e das colagens que se
pelos artistas que não perdiam a " Prenda » de Man Ray desenvolveram a partir de então,
oportunidade de lhe frisar a estupi- lançando mão de todos os mate-
dez burguesa dotada de antolhos riais litografados ou impressos.
que não !he permitiam descortinar Iorque. Picabia fundou uma rev is- A caricatura, o desenho incisivo
os vastíss imos horizontes reser- ta que provocou escândalo . Num e mordaz, a montagem fotográfica
vados à arte do futuro . Sucede- dos números, havia uma reprodu- e cinematográfica foram explora-
ram-se os manifestos e revistas ção da «Mona Lisa» de Da Vinc i dos ao máximo. A crise do pós-
de natureza anticonformista em a que acrescentaram um bigode -guerra, mercê do seu clima social
que veladamente transparecia e uma alusão obscena. Noutra pá- específico, veio possibilitar uma
também um protesto contra a gina, puseram a um borrão de enorme expansão do movimento
guerra e os sistemas sociais que tinta o título inacreditável de Vir- DADÁ. Passou à Alemanha, fixan-
a promoviam . O mesmo espírito gem Santíssima! O objectivo era do-se principalmente em Berlim
animava na América os artistas ridicu larizar a arte tradicional; e Colónia, onde a polícia se viu
que se reuniam em torno de Pica- destruir para construir uma arte obrigada a fechar algumas expo-
bia e Marcel Duchamp, figuras nova. Marcel Duchamp era o pa- sições e a dissolver espectáculos
centrais do dadaísmo em Nova ladino da democratização da arte , de promoção artística. A Rússia,
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