Page 68 - Revista da Armada
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conversámos durante cerca de  meia  hora.  Espantou-me   nem lal1l0 ii lerra.  E cá vamos vivendo seus altos e baixos.
           a avidez com que me interrogava sobre Ponugal e, muito   dentro da norma e como manda o figurino.
           especialmente. sobre Fátima. Era um profundo conhece-  Mas, perdão, estávamos a falar da visita do cardeal de
           dor da epopeia  marítima portuguesa e quase lhe vislum-  Sidney à fragata "Comandante João Belo».
            brei a vontade de contactar com a nossa gente. Fui arroja-  É verdade. Faltavam quinze minutos para as referidas
           do. já disse. pois sem ter falado, previamente, com o co-  nove horas, a chegada do cardeal. Tudo a postos. De proa
           mandante. ali convidei  Sua Eminência para visitar a fra-  à popa, uma formatura impecável. De repente, abeira-se
           gata.  Aceitou.  Às  nove  horas do dia seguinte, o senhor   de mim ocomandante do navio e diz:
           cardeal estaria a bordo. Parti para o navio, contente mas   - Ó capelão, e se você não percebeu bem o inglês do
           confuso.  Não sabia bem  qual  seria a  reacção do coman-  senhor cardeal e ele não vem a bordo?
           dante.  a quem  fui  encontrar na sua camarinha,  frente a   Nesse  momento, eu ia  caindo de costas.  Alguém  me
           um pequeno aquário.                                 disse, mais tarde, que eu fiquei amarelo como a cera.
              -  Então, capelão, o que é que já conhece da Austrá-  Ora, uma destas!!1 O que é cerlo é que aqueles quinze
            lia? - perguntou-me, amavelmente O capitão-de-fragala   minutos pareceram-me uma eternidade.
            Leonel Cardoso.                                       Soam as nove horas. e ninguém aparece.
              - Muito pouco, muito pouco, senhor comandante-      Segundo a segundo eu ia olhando os movimentos dos
            respondi  eu.  -  Contudo  -  acrescentei  -  tenho  uma   ponteiros do relógio, Que grande bronca. se o senhor car-
           grande noticia a dar-lhe.                           deal não aparece. murmurava eu com os meus botões, en-
              - Diga. diga ..                                  quanto alguns olhos se cravavam em mim, ameaçadores.
              -  Amanhã, às nove horas, temos aqui, na "Coman-    Por pouco , escapei  a  um  chilique, já que suores frios
           dante João Belo», o cardeal de Sidney.              me iam arrepiando o corpo. Nove horas e cinco minutos,
              -O quê?! - indagou ocomandantt::, estupefacto.   os tais cinco minutos de  atraso permitidos a pessoas im-
              - É verdade, senhor comandante.                  portantes.  «His Eminence», diz, em  voz alta, um  oficial,
               Com um dedo carregou no botão de uma campainha.   apressado. da Marinha australiana. saindo de um carro e
            e uns segundos depois aparecia ooricial imediato.   aproximando-se da fragata.
              - Ó imediato, amanhã temos/esta de arromba.  O ca-  Recuperei as forças.  Com um  largo sorriso. o coman-
            pelãodiz que temos a visita do cardeal de Sidney.   dante fixou em mim o seu olhar como que a dizer: Saíste-
               Com ar macambúzio. como era seu hábito, o imediato   -te bem, estás safo!
            recebeu  a  notícia  friamente.  Mas,  aguardou  ordens  do   Na verdade. o cardeal Gilroy-assim se chamava Sua
            comandante.                                        f!m inência - chegava ao cais num Rolls Royce preto. do
               -  FormalUra geral e  uniforme número um, às nove   governador-geral.
            horas de amanhã -ordenou o comandante.                A visita  revestiu-se de uma certa pompa e. no dia se-
                                   •
                                  • •                          guinte. todos os jornais de Sidney badalavam sobre Por-
                                                               tugal. sobre os marinheiros portugueses e sobre a visita
                                   •                           do cardeal à fragata "Comandante João Belo».
               Ao jantar desse dia  nâo se  falou  de outra coisa.  Al-  Uma vitória diplomática. afimlavam alguns,  Uma rara
            guém me afirmava, em tom amigável. mas jocoso:     distinção. comentavam outros.
               - Você. quando chegar a Lisboa, é nomeado bispo!   Para mim . no entanto. uma consolação. A consolação
               Outros eram mais peninentese asseveravam:       de que o meu inglês era perceptível e a consolação de re-
               - Você vai ter um futuro brilhante!             ceber do cardeal de Sidney a oferta de um  lindo álbum
               E vaticinavam muitas coisa!;.  Mas o  meu horóscopo,   que ainda hoje conservo.
            a Balança, vai-me dizendo, na prática, que a respeito de                             De/mar Barreiros,
            vaticínios se  deve seguir a  norma de nem 101/10  ao mar,                     capelão gralllludo mI ('lIp. ·fraç.



            ÁLBUM  DE  RECORDAÇÕES

            Apresentar armas!






               No dia  11 de Setembro de  1953 recolhi  ao Corpo de   nos jardins da Escola de  Artilharia Naval.  O  meu  posto
            Marinheiros, deixando com saudades o "João de Lisboa».   de sentinela era precisamente ao cimo da rampa que ia do
            Era uma sexta-feira.                               jardim para oCorpo de Marinheiros,
               Grumete chegado. logo o cabo Costa. mais tarde meu   A  fama  propalada  acerca  do  segundo-comandante
            particular amigo. o  punha de guarda.  Assim aconteceu ,   Garin era de  molde a amedrontar quem o não conhecia.
            cabendo-me o primeiro e único serviço deste género.   Mais  tarde.  em  contacto  directo.  tive  outra impressão.
               Haviam-me avisado para ir ver a escala, e lã estava o   Mas.  nesse  momento.  recém-chegado,  não  era  muito
            número 7393 para o dia 13. domingo!
               Nesse dia, o capitão-de-fragata Vieira Garin. segun-  (0) Amigoquartddu Corpo de M;lrinh~'irosd.1 Armada. noA/{('Í-
            do-comandante do cruzador Am.1re/o(-) dava uma festa   T.'. qu ....  mI a/Tllr:l. ~'swl'a pinT.1dodt'amardo.


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