Page 16 - Revista da Armada
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espada, obrigando tanIa as suas guar- das. Dizia o «mouro» que sendo o Pelo meio da tarde, já eram tantos
nições como as Iropas de socorro li castelo mais alto do que as caravelas os paraus de Calicute afundados ou
lançarem-se à .ígua e a fugir para ler- as poderia dominar facilmente com avariados e tão grande o estrago feito
ra! tiro mergulhante e que, tomadas es· nos castelos que o S:unorim se viu
E anles queo inimigose recompu- tas, nada impediria a armada de Cali- obrigado a dar ordem pnra interrom-
sesse, Duarte Pacheco capturou qua- cute de chegar ao vau e cobrir a passa- pera combate.
tro paraus e treze bombardas com gem do exército para o ataque final a Como sempre, Dlwrte Pacheco
que vOllou triunfànte para junlo das Cochim! foi durante algum tempo, com os dois
caravelas, não tendo trazido todos os O Samorim ficou entusiasmado batéis, em perseguição do inimigo e
paraus abandonados apenas por não com a ideia, que pensava lhe ia per- mandou as caravelas bombardear a
ler gente para isso! mitir desforrar-se de todos os desai- margem onde estavam as tropas dc
Esta vitória foi muito festejada res anteriores, e deu ordem para que Calicute, só descansando quando fi-
em Cochim, por ter sido em parte lIl- fossem construídos imediatamente cou tudo limpo à sua volta.
cançada num combate ii arma branca. mais sete castelos iguais àquele. Depois desta tremenda derrota,
e causou ainda maior pesar ao Samo- Sabendo Duarte Pacheco, por in- ainda mais uma vez pensou o Samo-
rim do que todas as derrotas anterio- termédio de espiões que tinha no rim em desistir da guerra . Ma~, de
res, pela mesma razão e por lhe terem campo contrário, do que se estava a novo, foi induzido pelos seus conse-
sido tomados tantos canhões. passar, tratou de precaver-se man- lheirOS em continuá-la. Diziam-lhe
Passados mais alguns dias, foi ter dnndo construir, com os mastros e que os portugueses tinham forçosa-
com Duarte Pacheco um ((mouro» de vergas das naus que haviam sido de- mente de estar esgotados e que conti-
Cochim pedindo-lhe para deixar pas- sarmadils, umil gmnde jangada que nuando li atad-Ios sem descanso aca-
sar um tone seu que ia buscar um car- foi fundeada no passo Palurte, a mon- baria por vencê-los. Concordou o Sa-
regamento de pimenta. Acedeu tante do local onde estavam as cara- morim e, passados alguns dias man-
aquele da melhor vontade, uma vez velas. Mandou tilmbém altear os cas- dou a armada atacar novamente as
que. por causa da guerra, era muito telos da proa e dn popa destas a fim caravelas e os batéis, ao mesmo tem-
pouca a pimenta que chegava à feito- de poderem combater os castelos flu- po que o exército lentava, pelll tercei-
ria. tuantes do Sarno rim de igual para ra vez, atravessar o vau de Cochim .
Porém. quando o tone já estava iguill. (Será a altura de chamar a aten- Mas, tal como acontecera das vezes
a uma certa distãncia das caravelas. ção para a importância dos carpintei- anteriores, o fogo certeiro das cara-
caíram sobre ele doze paraus de Calí- ros no tempo dos navios de madeira.) velas e dos blltéis. estes últimos acor-
cute que o apresaram. Não podendo No dia 31 de Maio, avançou mais rendo ora ao vau ora ao passo de Pa-
permitir tal desacato à sua vista, uma vez, em toda a sua força, a arma- lurte, causou tantos mortos e feridos
Duarte Pacheco foi logo com os ba- da de Calicute. precedida por muitas na armada e no exército de Calicute
téis em socorro do tone. O que ele balsas a 'lrder a que se seguiam os oito que nenhum deles foi capaz de alcan-
não sabia é que nas proximidades se castelos e numerosos paraus, tones e çar os seus objectivos. Pouco depois
encontrava emboscada toda a arma- calUres. do meio-dia, as hostes do Samorim ,
da do Samorim que num abrir e fe- Mas, tanto as balsas de fogo como destroçadas e desmoralizadas, ba-
charde olhosoenvolveu. os primeiros castelos, embaraçumm- liam cm retirada por toda a parte.
Travou-se novamente um furioso -se na jangada, onde ficaram retidos. Ao amanhecer do dia 23 de Ju-
duelo de artilharia, durante o qual os E, enquanto ,IS primeiras se consu- nho, tlinto o exército como a armada
batéis iam tentando retirar para junto miam inutilmente. os segundos co- de Calicute tinham desaparecido.
das caravelas, sempre perseguidos meçaram a ser alvo dum bombardea· Pouco depois, começavam a chegar
por dezenas de paraus que se reveza- mento concentrado da nossa artilha- intormações de que estavam li cami-
vam nas tentativas de os abordar. Al- ria. Só que, ao princípio, parecia que nhode Cranganor. Era. finalmente, a
guns deles estiveram quase a conse- os pelouros não tinham qualquer vitória, que foi delirantemente feste-
gui-lo mas acabaram por ser afasta- efeito contra as grossas vigas e pran- jada tanto nos navios portugueses
dos ii lançada. Por fim, os batéis con- chas de que eram feitos os castelos, o como em Cochim.
seguiram juntar-se às caravelas e com que chegou a causar alguma apreen- O Samorim, roído de vergonha,
o auxílio dos canhões de grosso cali- são a Duarte Pacheco. Mas, com a retirou-se temporariamente para um
bre destas castigaram de tal forma os continuação, o que estava mais próxi- convento, entregando o governo ao
paraus que estes não tiveram outra al- mo começou a desmoronar-se caindo irmão que sempre fora contrário à
ternativasenão retirar. pane da sua guarnição .ao rio, o que guerra. Os outros reis e os vassalos do
Estava o Samorim pensando no- provocou grandes manifestações de rei de Cochim rebelados, desejosos
vamente em pôr termo à guerra, regozijo por parte dos portugueses. de vender a colheita anual da pimen-
quando foi procurado por um «mou- Não obstante, a batalha conti- ta, apressaram-se a fazer as pazes
ro» que lhe apresentou uma «arma nuou com o mesmo empenhamento com Duarte Pacheco.
secreta» para vencer infalivelmente de parte a parte. Durante todo o dill, E assim terminou esta espantosa
os portugueses. Tratava-se dum cas- repetiram-se as investidas dos caste- segunda guerra de Cochim em que
telo de madeira construído sobre dois los e dos paraus, não deixando de Oll- Duarte Pacheco Pereira, praticamen-
paraus, amarrados de braço dado, vir-se o ribombar dos canhões e as te com noventa soldados, duas cara-
cuja plataforma superior podia levar descargas das espingardas, no meio velas e dois batéis fez frente, durante
cerca de quarenta homens e ser arma- de espessas nuvens de fumo que en· quase três meses a um exército de
da com pequenos canhões e espingar- cobriam osol. mais de oitenta mil homens e a uma
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