Page 104 - Revista da Armada
P. 104
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
114 -Pesca milagrosa
parentava ter, verdadeiramente,
a paixão da pesca. Apesar de jo-
A vem 2. O-tenente. no seu pri-
meiro embarque como oficial. nao
havia tentações da lerra que o atran-
cassem de bordo, quando em via-
gem, Se não estava de serviço. togo
que o navio fundeava e dava volta à
faina, ia-se ao camarote buscar is-
cas, linhas e anzóis. Tinha-os varia-
dos. E punha na escolha extremado
cuidado, no sonho dos que seriam
melhores para a tentação do peixe
Incauto,
Contudo. não era um pescador
feliz. Ou por faha de jeito. ou por falta
de peixe, ou por falta de sorte, após
longo tempo à borda do navio, quase
sempre o anzol vinha acima com a
isca virgem.
Isso não o desesperava. Antes
lhe reforçava o animo para, no dia
seguinte, recomeçar. E lá voltava à
postura habitual, paciente, no con·
vés, com a teimosa esperança que
a tinha estremecesse, por fim, ao
sinal da Isca mordida.
Era, por natureza, pouco comu-
nicativo. Sempre ensimesmado,
alguns viam, naquele Isolamento,
apenas o desejo de um viver mais
Intimo, longe dos camaradas.
A convivência da cAmara, sem-
pre alegre e animada, nas horas das
refeiçOes, é que não podia furtar-se.
Mas poucas palavras se lhe ouviam.
Apenas se animava, um pouco,
quando um ou outro, com intenção
provocatória, buscava a pesca como
tema de conversa. E lá vinham ve-
lhas histórias de bordo, de ricas pes-
carias, como na bala de Luanda, à
luz de gambiarras fortes, no patim
inferior do portaló.
logo um, do lado, se insurgia, na
aparência, condenando o método.
Não era leal enganar o peixe. A
atracção da luz, irresisUvel, nAo lhe
dava probabilidades de defesa. A
pesca, como a caça, deve deixar ao
animal alguma liberdade de decisão.
As opiniões, entre os oficiais,
dividiam-se entAo. E o nosso pesca·
dor, depois de, um tanto tlmido, dei-
xar cair a sua opinião, remetia-se ao "II
30