Page 151 - Revista da Armada
P. 151

EDlf'ORIA1


                Os velhos e os reformados






             ivesse tido eu o condão de ter sido                             "ra:zfJe5' que não sejam o egoismo e o comodis-
              bafe;ado com OS dotes literários de esti-                      mo dos familiares, para ''\ares" desconfortâveis
        T lo  poético-romântico que eXQmam as                                e insalubres, sem  OS  mínimos requisitos de
        personalidades de alguns  tribunos e  plumiti-                       higiene - conheço um, em  Lisboa, com apenas
        vos da nossa praça, e poderia ser O mês que                          uma casa de banho para trinta utilizadores! - aí
        agora entrou, em plena pujança da primavera,                         vão vegetando, adicionando aos seus males os
        estação alegórica,  por excelência, da alegria e                     dos seus forçados companheiros, com quem
        da esperança, pretexto soberano para a feitura                       têm de conviver por vezes no mesmo quarto,
        dum editorial, mais ou menos rebuscado e                             sujeitos ãs mais ignominiosas e aviltantes coOOj...
        gongórico, sobre tão aliciante temática, a                           ções de promiscuidade, sem luz, sem ar puro,
        começar, por exemplo, assim: Neste Maio flori-                       sem distracções, sem convivio, também necessá-
        do. perfllmado e lumill(JSI), de aprazivel ccuirro pri-              rio, com gente mais jovem, sem calor humano,
        maveril, resce7uiefuio às fragrâncias  jllebrinntes de               sem afectividade, sem carinho, sem amor, espe-
        wriegtuiDs flores, de prados e jardins, e ressoando                  rando pela morte que se aproxima.
        aos gorjeios  mdódicos  das  QlJeS e aos  slIssurros                   E não é lícito pretender justificar o relativo
        plllngenles de fontes t  rindlO5, é qzumdo mUlSCe em "ós, com mais Cillor e   abandono a que estão votados OS portugue;es da Ji idade, muitos
        mais vigor. Q seittl ubérril1lJJ da alegria e da esperança ...   deles auferindo pensões de reforma miseráveis, com a estafada can-
          Todavia, porque não possuo tais precücados. porque, a continuar   tilena de que vivem à custa dos novos que trabalham, pois também
        nesse tom, estaria a enveredar por caminhos um lanta pedantescos,   eles já  foram  novos, já trabalharam e .Fi  muito descontaram para a
        que repudio, e porque o ambiente em que vivemos é infelizmente   Providência Socia1, não podendo ser encarndos oomo cidadãos de
        cada vez menos propício ao culto e ao acalento desses estados de   ~ c1asse a quem o Estado raz o fa"or, como "entidade caridosa", de
        espúito, tanto a nível mundial (vejam-se as guerras, o terrorismo e a   conceder uma esmola no fim de cada mês ...
        farnel), como a nível nacional (vejam-se as cises da educação, da   Contudo o que mais me choca, lendo em conta que a reforma ê
        habitação, da agricultura e do emprego, a violência, a insegwança, a   como que  a anlecãmara da velhice, ê a ligeireza com que ultima-
        imoralidade e a droga!) e até a                                                  mente se estão a lançar para
        nível de FoI'ÇlS Annadas (vejam-                                                 essa situação trabalhadores
        se a desconfiança, a frustração e                                                ainda relativamente novos,
        a inquietação reinantes no meio                                                  cujos conhecimentos e experi-
        militarl), pese embora o que, por                                                ência  poderiam  ser  ainda
        inconsciência ou demagogia, se                                                   muito proveitosos para a rique-
        propala, em contrário e despro-                                                  za  da  Nação,  tudo isso  em
        positadamente, por aí, aos sete                                                  nome duma macroeconomia
        ventos, irei, numa  postura que                                                  desumana e irracional, premo-
        me é muito cara, de  realismo e                                                 vetld(H)S, precocemente e quan-
        pragmatismo, focar a verdade,                                                    tas  vezes à força, a velhos  irre-
        nua e crua, dos velhos e dos                                                     mediáveis.  E,  a este respeito,
        reformados, aproveitando o                                                       mais uma  vez. os  militares têm
        facto de se estar a comemorar o                                                 sido implacavelmente atingi-
        Ano Europeu da 3· Idade e da                                                     dos, sendo difícil admitir que,
        Solidariedade entre Gerações, e                                                  de entre tooos os funcionârios
        em que o que prevalece não é o                                                   do Estado, sejam dos  poucos a
        ânimo,  nem a confiança, nem a                                                   ter que passar à reforma aos 65
        alegria, nem a esperança, mas,                                                   anos de idade, portanto 5 anos
        antes, o desalento, a descrença, a                                               antes da generalidade daque-
        tristeza e o desespero.                                                          les, quando não ainda mais
          E porquê? Porque desgraçada-                                                   cedo, em determinadas cir-
        mente a maioria dos nossos ido.                                                  cunstâncias, o que não pode
        sos vive uma existência sombria                                                  deixar de ser considerado dis-
        e angustiante, de difiruldades e                                                 criminatório,  penalizante e iní-
        de solidão, e aJguns, mesmo, de                                                  quo, e de difícil compreensão à
        maus tratos, em contraste com o                                                  luz dum Estado de Direito.
        que se passa em alguns outros                                                     Mas,  atençâo!  Sendo  os
        países da chamada dvilização                                                     velhos e os reformados cada
        ocidental, de que o Canadá é                                                     vez em maior  número, há  que
        exemplo frisante, em que, acom-                                                  contar com a sua  força, que
        panhados, acarinhados e bem                                                      ainda ê muita, e que assenta
        tratados, vivem, com felicidade e                                                tanto na  razão que lhes assiste
        prazer, os  últimos anos da sua                                                  como no poder do voto, direito
                                    "CDbr{lI dr  IItlb" - D<slFJh~tudo para o SOO JfflJmmo dr Lisboa. diI  Qutona tUJ
        passagem pela Terra.  Por cá,   dtStnJuS/ll, pmlor r grrn'llllor Itlbrtdrt  Dür(T (l4n·1528), coll5uimldo o maIOr ,rtl<t,   que não poderá jamais ser-lhes
        quantas vezes atirados, sem dó                                                   retirado enquanto vivermos
                                   ,lrm4D di!  Rma;cnrça. O I{IUlI  r:;16  110  MI/UII  Albtrtillll, dl Vitn, ("\U$trilrJ, com  Q
        nem  piedade,  e  sem  outras   Sl'Sumtt mSC1J{lfo;·O Iwman linhll9J AFJOS,'" a/lldo llindo tCllpl/: di r~I!d(f·   num Estado Democrático.   1.
                                                                                          REVISTA DA ARMADA •  MAIO 93  5
   146   147   148   149   150   151   152   153   154   155   156