Page 50 - Revista da Armada
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s terras do Minho são o berço dos cavaleiros que, depois da morreu mártir da sua fé,
morte do conde D. Henrique, levantaram a bandeira de alvo de numerosas cuti-
AAfonso Henriques, contra a intromissão dos fidalgos gale- ladas, quando rezava
gos -os senhores de Trava -no govemoda rainha D. Teresa. Foram numa pequena igreja que
eles que conduziram o jovem Ptíncipe aos campos de S. Mamede, havia em Rates. Segundo a
oferecendo-lhe a vitória que fazia dele o Dux Portucalensis ou se- mesma lenda, S. Pedro de
nhor dos portugueses, e, sobretudo, aquele que lhes permitiria a Rates, que terá morrido no
independência política a que se haviam habituado com o velho ano 45 d.e, foi o primeiro
Conde. É esta a essência da revolt., que conduz as hostes portu- bispo de Braga, e a suas
calense; a S. Mamede, e que leva à construção de um país, que se supostas relíquias estão
mantém independente há mais de oito séculos: a nobreza que hoje na sé. Todavia, o
acompanhara o conde D. Henrique habitlmra-se a uma posição que primeiro registo documen-
não se comprazia com as alterações políticas que D. Teresa ía fazen- tal de um bispo de Braga
do a pouco e poum. (Paterno), aparece num
E foi por essas lerras que, nos passados dias 29 e 30 de documento de um conalio
Novembro, a Escola Naval andou à procura de vestígios concretos realizado em Toledo,
desse passado tão longínquo, mas tão português. A cidade dos durante o ano de 400 d.e.
arcebispos e os seus arredores era o principal objectivo da visita, e Pode, no entanto, supor-se
não é possível atravessar essas terras outrora pisadas pelos Baiões, que a região sempre teve
pelos fidalgos de Ribadouro, pelos senhores da Maia, sem sentir um halo sagrado, onde
uma ponta de emoção. Os mesmos vales verdejantes, as mesmas dt'('()rriam cerimoniais reli-
montanhas agrestes, nalguns casos, os mesmos caminhos que giosos pagãos, desde as frrmlarilldQ Sl drBI1l8D,
foram calcorreados pelos peregrinos, muito antes de nascer mais remotas datas.
Portugal e, sobretudo, o mesmo ar frio e húmido com o sabor acre Mas a primeira visita que a Escola Naval faria na região de
da terra. São estes aromas vegetais que se respiram no Sameiro e no Braga - antes mesmo de subir ao Sameiro e se deleitar com a
Bom Jesus, temperados pela visão do vale onde cresceu a cidade de visão do "vale sagrado~ - fOi à pequena ermida de S. Frutuoso de
Braga, que transmitem ao viajante a serenidade de um olhar perdi- Montélios. A peqUen.1 igrejinha está hoje agregada a UrTl<1 outra,
do na imensidão da paisagem. Aqui e além despontam uns raios construída no séc. XVUI, persistindo como testemunho de uma
de sol tímidos, que riscam o espaço com linhas coloridas e derra- época muito mais antiga que a nacionalidade portuguesa. S.
mam manchas de luz: são os buracos que as espessas núvens dei- Frutuoso foi Bispo de Braga no séc. XVII e mandou fazer aquela
xam abrir sobre a cidade, para nos dar a fugaz sensação de conforto capelinha para recolher os seus ossos após a sua morte. O edifício
morno a contrastar com a névoa, o escuro, o frio e a chuva que foi devastado durante as invasões muçulmanas e recuperado
passa e nos repele pari! o aconchego de uma gabardine, para a pl"C>' pelos cristãos moçarabes que lhe deram o seu cunho estillstico,
tecção de um telheiro ou p<1ra O autocarro. Como é que será 01h.1r rTl<1S mantiveram o formato em cruz de braços iguais, caraderlsti-
aquele vale no Verão? Talvez ao romper da alva, quando o calor ca da arquitectura biZ<1ntina e muito invulgar no ocidente. A sin-
vem vindo devagarinho e, a pouco e pouco, vai acariciando as gularidade deste pormenor leva-nos a pensar que o edifício mere-
almas cansadas que sonham com O amor, entre o delírio da noite e o cia um tratamento mais carinhoso, ao ponto de ser efectuada uma
despontar calmo da manhã. É a hora de se olhar os vales e de deixar recuperação de acordo com a sua traça antiga. S. Frutuoso de
entrar cm nós a força da mãe natureza, antes que o sol cresça e Montélios está pouco mais do que abandonado, apesar de estar
abafe tudo naquela moleza em que só se ouvem cantar as cigarras. agregado a uma magnífica igreja b.moca em cujo coro encontrá-
Dizem as lendas que naquele vale se podem ter estabelecido mos um cadeiral renascentista: um conjunto magnifico de
cartagineses, gregos e até egípcios, mas a grande importância da quadros a óleo sobre madeira, representando antigos arcebispos
cidade vem do papel que desempenhou durante o periodo de Braga (v.g. O Papa João XXI, o Cardeal Alpedrinha, O Cardeal
romano. Bracara Augusta foi capital da província da Galaecia Rei D. Henrique, etc .. ), a sobreporem-se ao soberbo cadeiral, que
(séc. III) e nela convergiam caminhos vindos de todas as direcções. foi retirado da sé de Braga no séc. XVIII, e que precisava de algu-
Todavia, a fama de cidade sagrada, que perdura até aos nossos ma ajuda para resistir às agruras do tempo.
dias, pode ter uma origem nos tempos mais remotos, em que os A parte da tarde do primeiro dia levar-nos-ia ainda ao mosteiro
cultos religiosos pagãos reconheciam a importância de certos beneditino de S. Martinho de Tibães, num local a Sudoeste da
lugares, por pequenos pomlenores que nem sempre é fácil deslin- cidade de Braga, a cerca de quinhentos metros do rio Cávado. Os
dar. No local onde está construída a catedral, pensa-se que poderá monges beneditinos seguem a regra monástica S. Bento de Núroa
ter existido um antigo templo dedicado à deusa egípcia lsis, rujo (séc. VI), com as alterações que o tempo e a História foi aconse-
culto resistiu à queda do poder lhando. Sabe-se que esses monges entraram na península Ibérica
faraónico, alastrando por toda a desde muito cedo (talvez séc. VII) {armando conventos e renóbios
regi.io mediterrânica. perto de núcleo!! populacionais rurais que ajudaram a organizc1T e
A tradiçâo cristã diz que S. a desenvolver. E provável que o mais antigo núcleo cenóbiro de
Tiago começou a sua pregação Tibães possa ter sido construído no séc. VI, no entanto, se tal
na Hispânia pela região de aconteceu, todos os vestígios dessa época foram destruídos pelas
Braga (que por isso foi designa- correria muçulmanas que atiraram com as populações para O
da Diocese Primaz). O apóstolo norte ou para a protecção das montanhas. Concretamente sabe-se
ressuscitou um profeta judeu que a casa foi reconstruída no séc. XI e recebeu carta de couto do
morto há centenas de anos, que conde D. Henrique em 1110. Todavia, dessa construção românica
se converteu à fé cristã, tomou medie\'al já pouco resta, e o actual edifído, ainda imponente,
o nome de Pedro, pregou por apesar do seu aspecto ruinoso, resulta de uma completa recons-
úptllf dt SIlo Fnllut&l dr Mllnltlros. toda a região, fez milagres e trução começada no pnneiro quartel do séc. XVII. Depois disso,
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