Page 104 - Revista da Armada
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Saudades da surriada
Saudades da surriada
or notícia publicada na nossa Revista, escorria da ferida aberta no seu tronco. A Vila
soube do falecimento do meu amigo e pouco ruidosa, bem arejada, sem sinais de
Pcamarada 1SAR F REF Manuel Gameiro. poluição, estava ali à mão, talvez a meio
Ambos fizemos parte da primeira guarnição quilómetro de distância.
da antiga fragata “Corte Real” que nos foi Foi demorado o nosso abraço, foi grande a
entregue pela USN em S. Francisco, Califór- surpresa da minha visita e foram muitos minu-
nia, há 42 anos. tos a falar da nossa Marinha, dos camaradas
Por lá andámos quase um ano e a con- vivos, dos que já tinham falecido, do senhor
vivência durante este tempo fez de nós bons comandante que chegou a almirante, e espe-
amigos. Mais velho que eu uma dúzia e meia cialmente das viagens pelo mar fora, por esse
de anos, na altura da citada viagem, o sargen- mar que muitas vezes lhe pareceu tão mau,
to Gameiro não estava longe de atingir a idade mas que ele nunca esquecera.
de passar à Reserva, seguida da disponibili- Achei-o com bom aspecto para a idade,
dade que lhe permitiria deixar aquele mar, sempre bom conversador e no meu entender,
onde passara tantos anos, por dias e noites de com uma filosofia mais refinada.
enjoo, solidão e sofrimento em cumprimento Comemos uma lasca de presunto curado ao
de várias comissões de serviço. Vinha do tempo dos navios a carvão fumeiro e bebemos um copo de vinho da região.
e muitas pazadas deste “carburante” ele metera pela portinhola das À despedida pedi-lhe que chegasse perto do meu automóvel. Com
caldeiras, num ambiente sufocante por mor dos 50 graus de tempe- ele junto a mim, abri a mala do carro e ele viu com ar embaraçado,
ratura! um pequeno remo, que eu de propósito e para tal fim, lá tinha aco-
Por isto, ele estava farto do mar e logo que pudesse, faria como modado.
aquele cansado marinheiro que ao livrar-se do incómodo das vagas O sargento Gameiro, demorou dois ou três segundos a observar o
do alto mar, pôs um remo aos ombros e foi correr mundo, só assen- remo.
tando arraiais num local onde ninguém sabia o que era um remo e Depois olhou para mim e comentou: - “Malandro, ainda não o
qual a sua utilidade. esqueceste! ...”
Isto ele me contava por horas dos quartos de folga, misturando nas O repetido abraço que a seguir trocamos foi sentido e sincero. Ao
suas firmes palavras, aqui e além umas pinceladas de filosofia ganha separar-se de mim, observei-lhe os olhos humedecidos pela
pela experiência da sua longa vida marinheira. comoção, incapazes de aguentar algumas lágrimas que lhe corriam
Mais rápido que ele supunha, chegou o dia de passar à Reserva. cara abaixo, com sabor à surriada que tanta vez lhe bateu no rosto.
Deixou a Marinha e eu deixei de ter contacto com ele. Decorridas Afinal o mar estava-lhe no sangue, e aquela história do remo que
duas dezenas de anos, alguém me contou que o camarada Gameiro ele me contava em momentos de nostalgia, pelas saudades, pela dis-
tinha ido viver para a terra dele, lá para os lados de Albergaria dos tância, pelo balanço, pelo perigo, não era sincera, não passava de um
Doze. Como ele, já eu tinha passado à disponibilidade também, e um desabafo a que deitava mão com o intuito de receber algum conforto,
dia pensei em procurá-lo por aquelas bandas para lhe falar da ténue que fosse.
Marinha e dar-lhe um abraço. Aquelas lágrimas ali estavam a provar as muitas saudades e recor-
Fui e não foi difícil encontrá-lo, num lugar pacato, numa pequena dações do mar, que no momento, com mais veemência acudiram à
casa, bem caiada, circundada por escasso quintal com duas laran- alma daquele velho marinheiro.
jeiras e um limoeiro, mais quatro ou cinco canteiros cheios de bem
cuidadas flores, chegada a frondoso pinhal onde cada pinheiro tinha Pedrosa de Carvalho
apoiado um pequeno vaso destinado a aparar os pingos de resina que 1TEN SG REF
CONVÍVIOS
A guarnição do N.E. “Sagres” que efectuou a primeira viagem
de circum-navegação de 23 de Junho de 1978 a 30 de Abril de 1979
vai comemorar o 20º aniversário da sua chegada a Lisboa.
Para mais esclarecimentos, os elementos da referida guarnição
deverão contactar com:
• SCH SE Raa Neves ; Fax 853 7613
• SAJ TF Agostinho; DSP-RSP
• 2SAR M Alves; N.E. “Sagres”
DIA DA ESQUADRILHA DE SUBMARINOS
No passado dia 30 de Janeiro realizou-se no Restaurante No próximo dia 17 de Abril, será comemora-
“Quinta de Valmourelos”, na Sobreda, o almoço-convívio dos vo- do o “Dia da Esquadrilha de Submarinos”.
luntários de 79 que comemoraram 20 anos de ingresso na “Briosa”. Convidam-se todos os submarinistas e mer-
Sendo uma data significativa, muitos quiseram estar presentes gulhadores (na situação activo/reserva/refor-
para, mais do que almoçarem, reverem “Filhos da Escola” que ma) a estarem presentes, podendo fazer a sua
optaram por não continuar na Marinha. inscrição até ao dia 9 de Abril p.f., por escrito
O encontro decorreu num ambiente de alegria e camaradagem, ou através dos seguintes números de telefone:
onde não se deixou de recordar outros tempos, ficando a promessa 3404 (rede interna - oficial de serviço); 276 8233/14 (rede
que para o ano há mais. externa).
30 MARÇO 99 • REVISTA DA ARMADA