Page 274 - Revista da Armada
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trução dos navios, como também o estabe-
         lecimento e concessão, pelo prazo de 20
         anos, de um estaleiro que ficaria senhor do                                                              Foto do Museu de Marinha.
         monopólio de construção e reparação em
         Portugal, Açores, Cabo Verde e Angola.
           Sem surpresa, e quanto a navios com al-
         gum valor militar, o programa acabou
         essencialmente reduzido, por lei de Maio
         de 1896, a um heterogéneo e singular con-
         junto de 4 navios: o “S. Gabriel” e o “S.
         Rafael” (os anjos, como ficaram  conheci-
         dos na gíria da Marinha), foram construí-
         dos em França (tinham 1.800 toneladas e
         só o optimismo patriótico do estado maior
         naval terá permitido a sua classificação
         como cruzadores), o “D. Carlos I” enco-
         mendado em Inglaterra e o “Rainha D.
         Amélia” (5), construído no Arsenal de
         Marinha então dirigido e remodelado pelo
         engenheiro francês Croneau. Foi ainda ao  O casco na fase inicial da construção.
         abrigo do programa Jacinto Cândido que
         se adquiriram ou mandaram construir no  Interessaram-se pela construção esta-  officiaes, ficando a missão reduzida a um
         estrangeiro, o rebocador “Bérrio”, a canho-  leiros alemães, franceses e ingleses, as três  official que fiscalizava a construção de 28
         neira “Thomaz Andréa”, o vapor “Baptista  potências europeias rivais na tutela de  peças de artilharia, e o habil machinista
         de Andrade” e os transportes (à vela) “Pero  Portugal, seduzidas, como se disse, pelos  Cruz, que, apezar da sua extrema boa von-
         de Alenquer” e “Pedro Nunes”. De entre  seus territórios africanos e pelas ilhas atlân-  tade, não podia efficazmente chegar para
         os novos navios era o “D. Carlos I” o único  ticas (Açores e Cabo Verde), cuja posição  fiscalisar 88 machinas differentes, em cons-
         a merecer a designação de cruzador, (em-  estratégica atraía pela posse ou, ao menos,  trução em officinas espalhadas do norte ao
         bora de “gama baixa”) já que respondia sa-  pela negação da sua disponibilidade aos  sul de Inglaterra! Esta retirada, que parece
         tisfatoriamente perante as características  outros beligerantes.      ter sido por pretexto a economia, teria por
         deste tipo de navio: boa velocidade, gran-                            consequência o não termos pessoal habili-
         de autonomia, artilharia poderosa e pro-  CONSTRUÇÃO DO NAVIO         tado para guarnecer o navio, e assim se
         tecção do casco. A remodelação do Arse-                               reconsiderou mandando os mesmos offici-
         nal de Marinha também fez parte do con-  A construção do cruzador “D.Carlos I” (6)  aes assistir ás experiencias do navio. (9)
         junto de reformas de Jacinto Cândido.   foi posta a concurso por anúncio publicado  Enquanto a missão esteve guarnecida,
           Seria pequeno o programa, mas parecia  no Diário do Governo de 27 de Junho  os trabalhos foram realmente acompa-
         grande a vontade de o concretizar: não  1896, vindo a ser adjudicado à casa  nhados, como se pode comprovar nos
         tardou um mês que, em Junho do mesmo  Armstrong de Newcastle-on-Tyne e cons-  muitos relatórios e comentários exis-
         ano de 1896, fosse publicado o concurso  truído nos estaleiros de Elswick, por contra-  tentes no “Livro de Notas dos Encarre-
         para a construção de um “cruzador prote-  to aprovado em 22 de Novembro. Nesta  gados da Machina” (10). Nestes relató-
         gido de 3.600 toneladas e 20 nós de  altura a firma construtora propôs … que a  rios podemos observar uma linguagem
         velocidade.                        tonelagem e outros detalhes de construc-  técnica adequada.
                                            ção e accommodações, meios offensivos,  Em Novembro de 97 eram relatadas as
                                            etc, etc, se modificassem por forma a que o  primeiras experiências, que, apesar de
                                            deslocamento passasse a ser de 4100 tone-  cuidadas, denotavam uma resistência à ino-
                                            ladas, em vez de 3600, como primitiva-  vação e à mudança … Comunica-se que
                                            mente fora resolvido, sem que isso aug-  foram sujeitas à pressão hydraulica as três
                                            mentasse o preço ajustado (297000 libras,  primeiras caldeiras para o cruzador “D. Carlos
                                            incluindo artilharia e torpedos… (7).  I”,  sendo rigorosamente observadas todas  as
                                              Para assistir à construção do navio foi  regras adoptadas, elevando-se a pressão até
                                            nomeada uma “Missão Naval no Estran-  390 psi conforme reza o contrato… não tive-
                                            geiro”, chefiada pelo CMG Hermenegildo  mos reparo algum ... qualquer apparelho
                                            Brito Capello (delegado do governo), mais  para regular automaticamente a alimen-
                                            tarde substituído por seu irmão Guilherme,  tação, deve ser d´um funccionamento muito
                                            que veio a ser o seu primeiro comandante.  seguro, simples e em que se possa depositar
                                              O dia 15 de Dezembro de 1896, marca o  a mais absoluta confiança, porque não
                                            assentamento da quilha. No entanto … de-  havendo apparelho automatico alimentando
                                            clarou-se logo uma grève (8) entre os  as caldeiras, os fogueiros vigiarão com mais
                                            operários mechanicos da casa Armstrong,  attenção, enquanto que, se taes apparelhos
                                            como de outras casas inglezas, que durou até  existirem, elles deixarão de ser tão cuida-
                                            fevereiro de 1898… uma grève tão prejudi-  dosos e bastaria o  apparelho deixar de func-
                                            cial aos armadores foi de enorme utilidade  cionar n´um momento em que só tarde se
                                            para os officiaes portuguezes, que antes  desse por tal, para não se poder evitar uma
                                            não conheciam os trabalhos da natureza  avaria ….
                                            dos que iam vigiar. Terminada a grève  Em Fevereiro de 98 … Approveitamos o
                                            recomeçaram os trabalhos da missão, mas  ensejo para comunicar a Vex que os traba-
         O CMG Hermenegildo Capelo que foi delegado                            lhos nas machinas recomeçaram no dia 31
         do governo na construção. Já em águas portuguesas,  pouco duraram, porque, sendo o navio
         navegou no cruzador durante o primeiro período   lançado ao mar em 5 de maio de 1898,  de Janeiro com maior actividade, em vir-
         de provas e de treino da guarnição.  eram pouco depois mandados retirar os  tude da terminação da grève...  ✎
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