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A estrutura
                                        A estrutura



                        da estratégia naval
                        da estratégia naval





                conceito adoptado em 1997   dos armamentos, dos meios de comando  cidade de controlo nacional ou aliado
                para a realização do estudo  e controlo e dos procedimentos opera-  em regiões oceânicas críticas, por forma
         O "Contributos para o planeamen-   cionais acessíveis a eventuais antago-  a afectar as ramificações externas da
         to de forças da Marinha", contrasta com  nistas. A redução do risco implica medi-  economia ou a dificultar as operações
         o conceito de "programa de reequipa-  das nas áreas do pessoal e do material.  navais. Impõe-se, por isso, que a Mari-
         mento naval", utilizado ao longo de todo  Quanto ao pessoal é necessário desen-  nha contribua para a livre utilização do
         o século XX. Assim acontece porque a  volver o treino inerente às acções em  mar como via de comunicação, na justa
         Marinha decidiu abandonar a busca de  águas territoriais de outros Estados, no  medida do interesse e das possibilida-
         soluções conjunturais para a renovação  contexto de situações político-militares  des nacionais, o que poderá implicar
         global e pontual do sistema de força  ambíguas; durante essas acções é im-  capacidades para a defesa de interesses
         naval, e desenvolveu e institucionalizou  prescindível dispor de boas informações  vitais, onde se incluem, quer o reabas-
         um processo de planeamento que, para  estratégicas e operacionais que viabili-  tecimento das parcelas do território
         além de oferecer uma justificação per-  zem a actuação em segurança. Quanto  nacional, quer a assunção das
         manentemente actualizada para os orça-  ao material importa dispor, quer da  responsabilidades soberanas nos
         mentos de funcionamento e investimen-  sofisticação tecnológica que permite a  espaços marítimos sob jurisdição
         to, e de permitir desenvolver continua-  vantagem qualitativa no desempenho,  nacional. Integram essas capacidades
         mente o planeamento genético com   quer da diversidade de capacidades do  submarinos e meios de superfície com
         perspectivas de longo prazo, ajuda a  sistema de força naval, necessária para  os aéreos orgânicos.
         compatibilizar a estratégia naval com a  operar junto à costa e sem grandes
         grande estratégia nacional. Na actuali-  limitações geográficas: meios anfíbios,  Do exposto resulta uma nova estrutu-
         dade, como sempre sucedeu no passa-  unidades costeiras, draga-minas e meios  ra para a estratégia naval, que integra
         do, há limites na forma como o poder  hidro-oceanográficos.           um conceito de acção onde o poder
         naval contribui para a defesa do                                      naval tem como objectivo a defesa do
         interesse nacional. Os contemporâneos  O domínio de águas litorais vitais  interesse nacional, conseguida através
         são muito diferentes dos verificados no  sempre teve como objectivo garantir a  de uma função de preservação da or-
         tempo de Mahan, porque as preocupa-  sustentação das forças próprias, o que  dem internacional (normas e princípios)
         ções de segurança se alteraram imenso.  só foi possível com uma marinha capaz  e de outra função de afirmação da
         Como a perfeita compreensão desses li-  de negar o mar ao inimigo. Por isso,  soberania nacional (autoridade do
         mites não é uma tarefa fácil, afigura-se  constitui-se como um desafio primacial  Estado), para as quais concorre uma
         prudente que a doutrina estratégica  da capacidade de projecção de força no  missão, cujo propósito é garantir o uso
         naval portuguesa assente em princípios  mar e a partir do mar. Por outras pala-  do mar, com base nas tarefas de projec-
         estratégicos perenes no tempo. Neste  vras, a projecção de força no litoral de  tar força no litoral, de dominar águas
         contexto, parece-me inquestionável que  nada servirá caso não existam meios de  litorais vitais e de controlar regiões
         a Marinha, independentemente do seu  superfície, aéreos e submarinos que per-  oceânicas críticas. Qualquer destas ta-
         estatuto de força, deve ser concebida  mitam o seu emprego e sustentação  refas pode englobar uma multiplicidade
         para garantir o uso do mar, projectando  com segurança no momento e no local  de acções elementares, que variam
         força no litoral, dominando águas lito-  desejados. O risco do domínio de águas  desde a dissuasão nuclear aos estudos
         rais vitais e controlando regiões oceâni-  litorais resulta de eventuais antagonistas  hidro-oceanográfícos.
         cas críticas.                      disporem de sistemas de vigilância,
                                            reconhecimento e seguimento de longo  A nova estrutura que proponho difere
           O entendimento do conceito de pro-  alcance, submarinos diesel-eléctricos  profundamente daquela que consagra-
         jecção de força no litoral não pode ser  com AIP (propulsão independente do  dos estrategistas navais da actualidade,
         o clássico: do mar para terra, para esta-  ar), minas e torpedos, mísseis anti-navio  como Ken Boot ou Eric Grove, conce-
         belecer testas de ponte e realizar ope-  e aviação. Para garantir a sustentação  beram e divulgaram num passado não
         rações terrestres. Esta visão é redutora e  das forças próprias, o sistema de força  muito distante. Tendo igualmente o uso
         reflecte apenas o conteúdo táctico da  naval deve dispor de iguais capacida-  do mar como elemento central e agre-
         acção. Numa perspectiva estratégica a  des, sendo a vantagem conseguida  gador de uma estrutura triangular, aque-
         projecção de força no litoral sempre se  através da superioridade tecnológica e  les estrategistas teorizaram uma função
         destinou a introduzir forças num ter-  de um adequado treino.         militar (projecção de poder e controlo
         ritório, a fim de influenciar os aconteci-                            do mar), uma função diplomática (pre-
         mentos político-militares em terra. Na  Os desafios lançados por eventuais  sença naval e diplomacia de canhonei-
         actualidade, a projecção de força no  potências antagónicas não terão como  ra) e uma função de interesse público
         litoral é feita tirando partido da mobili-  objectivo o exercício do controlo do  (protecção dos recursos, manutenção de
         dade, da concentração, da surpresa, das  mar. É um esforço demasiado exigente  paz, manutenção de soberania e boa
         capacidades de comando e controlo e  e, por isso, inexequível para qualquer  ordem). Esta estrutura triangular não se
         do poder de fogo dos meios navais, que  país num futuro previsível, excepto em  aplica com facilidade e clareza às
         viabilizam o uso inteligente da força. O  situações de flagrante fraqueza global  características dos empenhamentos
         grau de risco da projecção de força no  de uma das partes. Contudo, aquelas  navais do pós Guerra Fria. Com efeito,
         litoral decorre do tipo de tecnologias,  potências tentarão desarticular a capa-  por um lado, as operações de manutenção ✎
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2000  5
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