Page 364 - Revista da Armada
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IN PRINCIPUM ERAT VERBUM…
IN PRINCIPUM ERAT VERBUM…
Na génese de todo o acontecimento está a palavra. O centro de pelas crises físicas ou morais, pessoais ou sociais, que chega até
toda a palavra é o ser humano. O que é o ser humano?! Hoje, mais nós a esperança feita de alegria e libertação, incarnada na história
do que nunca, como é possível ser-se Homem?! Quando os assas- humana e que dá pelo nome de Jesus Cristo.
sinatos e atentados se repetem perante milhares e milhares de es- Ele é o profeta definitivo, pois não se limita a anunciar a Palavra
pectadores da TV; quando as fotos de cadáveres espalhados pelo de Deus; Ele é o Verbo, a Palavra eterna de Deus. “No princípio era
chão aguardam sepultura; quando imagens de crianças maltrata- o Verbo”(Jo 1,1). Que Deus venha e se torne próximo – gritemos! O
das, exploradas ou devoradas pela fome e doença desfilam diante Evangelho leva-nos ao coração da vida divina e também à nascente
dos nossos olhos; quando as do mundo; de facto no prin-
diferenças de raça ou de cor, cípio de toda a criação está
cultura e poder ensombram o Verbo: “tudo se fez por
as consciências de todos meio d’Ele e sem Ele nada se
nós; quando as condições fez”(Jo 1,3). Todo o mundo
infra-humanas de miséria e criado antes de ser realidade
super-humanas de opulên- foi pensado por Deus e por
cia dos que vivem sem es- Ele desejado como um desíg-
cândalo ou indignação, de- nio eterno de amor. Por isso
sumanizando o Homem… se observarmos o mundo em
quando este mesmo Ho- profundidade, deixando-nos
mem não se envergonha de maravilhar com a sabedoria e
ser Homem perante tantos a beleza que Deus espalhou
factos e a humanidade vai nele, podemos já vislumbrar
perdendo a noção do ver- um reflexo daquele Verbo
gonhoso e do escandaloso… que a revelação bíblica nos
Quando ocorre tudo isto manifesta, em plenitude, no
necessariamente o Homem rosto de Jesus de Belém.
sente-se mutilado, e busca De certo modo, a criação
infatigavelmente uma linha é a primeira revelação d’Ele.
de luz, paz e verdade. É assombroso ver quanto
Alguns sem saber, com ân- amor circula no mundo sem
sia da luz investigam a obs- que nós “eternos distantes”
curidade, outros buscando o percebamos; quanta gente
a paz promovem a guerra. nos quer bem sem nos dar-
Com alguma acuidade afir- mos conta; em que misterio-
mava Ernest Bloch: sê-de vós sos lugares pode germinar a
homens que Deus será Deus. nossa palavra sem nos intei-
O Natal não é algo acon- rarmos disso.
tecido. Aconteceu e acontece Não permitamos que este
no encontro onde chegar não nosso tempo, que o Senhor
basta. É urgente encetarmos nos dá, transcorra como se
uma viagem ao mais profun- tudo acontecesse por acaso.
do do mistério do Homem, Ele guia a história tanto dos
para encontrarmos com ele indivíduos como da huma-
o mistério de Deus. nidade. Nunca pensemos
Existem dois grandes que aos seus olhos somos
mistérios: o mundo divino desconhecidos, um simples
na sua vida intrínseca e o mundo interior da pessoa. A palavra é a número duma multidão anónima. Não, cada um de nós é precioso
única chave que pode entreabrir a porta destes dois mundos para aos olhos de Cristo – vivamos intensamente esta oportunidade.
deixar transparecer algum aspecto deste mistério. Nisto o Homem Jesus Cristo acaba de nos visitar. Na história do mundo o on-
pode encontrar uma prova da sua semelhança com Deus – “feito à tem acabou!
imagem e semelhança de Deus”. Pela sua palavra a pessoa humana AQUELE QUE É, EXISTE!
revela-se e comunica-se. Pode colocar a riqueza do seu universo Se não celebrares, nunca serás festa.
interior à disposição e na promoção do outro, como pode revelar Se não partires, nunca serás esperança.
a sua pobreza lastimável de seta envenenada. Se não anunciares, não serás palavra.
Hoje é o tempo favorável, o tempo único, para renovarmos den- NÃO SERÁS NATAL SE PERSISTIRES A NÃO QUERER
tro de nós a consciência da dignidade do Homem, criado à ima- EXISTIR!
gem e semelhança de Deus. Este é o momento de todas as espe-
ranças. No entanto e no entender de Roger Garaudy a esperança não A quantos são peregrinos da verdade, da palavra e da esperan-
se aprende através de nenhum tipo de experiência: pelo contrário, existe ça; a quantos anseiam conhecer Deus e deixam acender no seu
um conflito permanente e necessário entre a experiência e a esperança. A coração o desejo do absoluto, a todos os marinheiros em terra ou
experiência está orientada para o passado e para o presente, a esperança no mar, militarizados, civis e obreiros da família naval, as maiores
é um compromisso antecipado com o futuro. bênçãos divinas, na paz na justiça e fraternidade!
Todos os anos somos convocados a repensar o sentido da nossa
vida e o significado da existência da humanidade, bem como a re- António Beltrão
vermos o critério das nossas acções. É no meio do caos instaurado CMG-Capelão