Page 68 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DA BOTICA (33)
O Canário Negro
O Canário Negro
e a equipa Café com Leite
e a equipa Café com Leite
cada vez mais frequente na nossa so- ra página. Crescem o medo e os ódios. É corveta um marinheiro, de origem africana,
ciedade a discussão clássica sobre o questão de grande actualidade. Nos recôn- que tinha um nome de ave. Já me esqueci
É racismo, sobre o que se espera dos que ditos do tempo – que é emoção – surge, a de qual seria exactamente, mas era certa-
chegaram e sobre a tolerância exigida aos este propósito, a memória de uma Corve- mente uma ave canora – porque ele andava
portugueses. Escrevem-se artigos de primei- ta, em comissão nos Açores. Havia nessa sempre a cantarolar – que por facilidade de
referência se vai referir como
o Canário.
O Canário era “da máqui-
na”, mas, na verdade, era pau
para toda a obra, pois em
tudo se ajeitava. Sempre com
um sorriso de dentes imacu-
lados e a trautear uma canção
ritmada, o Canário fazia tudo
com uma alegria que poucos
compreendiam ou igualavam.
Sendo o único negro a bordo,
ouvia os reparos habituais,
do tipo:
-“Ainda bem que temos luz
acesa, se não, não encontráva-
mos o preto!!”- ou ainda - “
Saíste da máquina preto que
nem um tição, vai-te lavar es-
carumba!!!”…
O Canário mantinha um ras-
gado sorriso, e respondia:
- “Eh pá não sabes que o
mogno preto é sinal de clas-
se!!” ou “estou escuro, mas
polidinho, fico a brilhar en-
quanto tu estás cada vez
mais baço!!”…e continuava
como se nada acontecesse.
Na verdade nem os primei-
ros comentários eram feitos
com maldade, nem a resposta
era dada em tom de agressi-
vidade. Parecia tudo parte de
um ri tual, em que, em ver-
dade, o Canário – acredito
eu – se achava o centro das
atenções…Muitos dos que o
admoestavam, pareciam ser
seus genuínos amigos.
Havia muitas razões para
gostar do Canário, uma delas
era a sua grande habilidade
como desportista. Em qual-
quer desporto era pretendido,
pois tinha grande habilidade
e resistência. Ora aconteceu,
que precisamente nessa co-
missão nos Açores, se organi-
zou um torneio de futebol em
Ponta Delgada, em que entra-
30 FEVEREIRO 2004 U REVISTA DA ARMADA