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Sacramento Monteiro não era homem para  quatro navios que estimavam poder alcançar  lançada uma operação de busca com as B-17
         hesitações. Manda máquinas a toda a força  o “Pamir” em cinco a seis horas “se fosse emi-  que, finalmente, foram encontrar o “Ponta
         avante e o “Príncipe”, após dobrar  a ponta  tido um SOS”. Mas só ás 14.57 hrs. de 21 era  de Sagres” a Sul de Santa Maria! Assim era a
         do molhe, transforma-se em submarino mas,  emitida a mensagem de pedido de socorro  sua navegação!
         com tal intensidade, que, a continuar assim, o  referida acima. Demasiado tarde...daí para a   Lá vai o “Príncipe”, rapidamente, para a
         desfecho não era difícil de imaginar, a trans-  frente o navio silenciou.               nova posição, correcta desta vez. E o espec-
         formação seria definitiva! Depois de três ca-  Mas, nem sempre as nossas missões eram  táculo que se nos deparou ao lá chegar era,
         turradelas com o mar pela proa, cada uma  mal sucedidas, antes pelo contrário, como a  de facto, aflitivo. O navio navegava com a
         mais violenta que a anterior, só havia uma  seguir se verá:           borda tão perto da água que qualquer ondu-
         coisa a fazer  e foi o que fez o Comandante:   Estávamos na nossa semana de alerta, atra-  lação mais alta tendia a fazer embarcar mar
         meia força avante e para a frente... Mas era,  cados ao “Sal”, quando recebemos ordem  para o convés. Com os dois navios em rumos
         infelizmente, uma missão condenada ao in-  para sair ao encontro de um pequeno navio  paralelos e afastados não mais que cinquenta
         sucesso. Ao fim de dois dias, com o navio e  de cabotagem, o”Ponta de Sagres” que zar-  jardas, disparou-se uma retenida com a espin-
         a guarnição duramente castigados,                                           garda própria, à qual ía amarrado um
         chega-nos a triste mensagem do Co-                                          cabo mais forte que, por sua vez, ti-
         mando Naval: o “Pamir” afundara-se                                          nha igualmente preso, no outro chico-
         mesmo e, dos 86 tripulantes a bordo,                                        te, um bidon de 200 litros de gasolina
         dos quais 52 eram jóvens cadetes e                                          para alimento  da bomba motora de
         aprendizes de marinheiro, apenas 6                                          esgoto da água. Era a salvação para
         sobreviveriam, depois de prolongado                                         aquela gente e tanto assim era que a
         sacrifício, até serem, finalmente, recu-                                     cena que imediatamente se seguiu e
         perados. Nós regressaríamos a Ponta                                         que nunca mais me saiu da cabeça, o
         Delgada, agora com o mar pela popa                                          demonstrou à evidência: quando o
         e em metade do tempo!                                                       bidon chegou, a boiar no mar, à bor-
           É interessante ler as conclusões a                                        da do “Ponta de Sagres”, o marinhei-
         que chegou a comissão de inquérito                                          ro que o puxava, com um arranque
         sobre o acidente do Pamir, as quais re-  O Navio-Escola “Pamir”.            poderoso só justificado pela força do
         velam um acumular de erros que aca-                                         desespero, fez o bidon galgar a borda
         bou por conduzir ao seu afundamento.  para do Algarve para os Açores e estava com  e aterrar no convés! Imediatamente puseram
           O navio embarcara, em Buenos Aires, 3780  alguns problemas a bordo. Nomeadamente  a funcionar a bomba de esgoto. Estava salvo
         toneladas de cevada a granel, não ensacada  estava a fazer água, navegava a Norte do ar-  o navio que, entretanto, escoltámos até San-
         (!), contrariando a norma de segurança tra-  quipélago mas ainda não tinha terra á vista  ta Maria onde ficou entregue à Autoridade
         dicional dos tempos dos grandes veleiros  e o combustível da bomba motora de extrac-  Marítima.
         transatlânticos. O tanque de lastro fora, igual-  ção da água acabara-se, pelo que estava um   Mas, das minhas memórias desse tempo,
         mente, cheio com cevada. O carregamento  homem em permanencia, a accionar a bomba  o espectáculo que mais me impressionou,
         do navio tinha sido efectuado pela própria  manual que não conseguia dar vazão total ao  pelo que para mim teve de inédito e pela sua
         tripulação, com a ajuda de alguns militares,  caudal que entrava. Para além disso o cansa-  grandiosidade bem reveladora do que são as
         devido a uma greve de estivadores e a cen-  ço começava a tomar conta da tripulação que  forças da Natureza, foi, sem dúvida, o poder
         tragem da carga não fora tão rigorosa como  não dormiam há já bastante tempo. A situação  ter assistido, em Outubro desse mesmo ano,
         seria desejável. Quando saíram do porto, a  começava a ser desesperada.  ao nascimento do vulcão dos Capelinhos e
         estabilidade do Pamir era “lenta” e, no dizer   A saída do nosso navio foi rápida e, como  ter-me apercebido de como um fenómeno
         de um dos sobreviventes, “a power driven  sempre, o Comandante mandou toda a força  natural daquelas dimensões pode ter tanto
         vessel would not have gone to sea in such an  avante, rumo ao Norte, para a posição que,  impacte nas vidas das pobres populações de
         unstable condition!”                                                        toda a área por ele afectada.
           O navio seguiu a rota clássica dos                                          O fenómeno começou pelos habi-
         veleiros vindos do Atlântico Sul rumo                                       tuais tremores de terra que, diga-se
         à Europa e, a 6 de Setembro, encontra-                                      de passagem, não são de todo invul-
         va-se a 300 milhas a Sul de Cabo Ver-                                       gares, no Arquipélago dos Açores,
         de cruzando, a 9, o trajecto do furacão                                     seguindo-se, pouco tempo depois,
         Carrie que, ainda em formação, se di-                                       as  erupções  vulcânicas  que  foram
         rigia  para WNW não sendo, por isso,                                        aumentando de intensidade, de dia
         motivo de preocupação. Entretanto, é                                        para dia, com a expulsão de cinzas e
         atribuída ao Capitão pouca atenção                                          matérias piroclásticas.
         aos boletins meteorológicos e avisos                                          As populações das áreas circun-
         de tempestade que, depois de várias                                         dantes e mesmo mais afastadas tive-
         alterações da trajectória do furacão,   O Navio de cabotagem “Ponta de Sagres”.  ram que ser  evacuadas não só porque
         davam, a 17, uma inesperada inflexão                                         os tremores de terra tinham danifica-
         para SE e, a 20, para E ao encontro da posição  tinha sido transmitida, pelo “Ponta de Sa-  do grande parte das suas casas como também
         e rumo do navio. A falta de reacção do Capi-  gres”, para o Comando da Defesa Marítima.  porque, com a continuação da expulsão de
         tão leva a que, a 21, o encontro seja inevítavel.  Tentámos entrar em contacto fonia e ainda  cinzas vulcânicas e seu transporte aéreo por
         O  “Pamir” está já com parte das velas arran-  conseguimos perceber que o rádio deles era  vastas superfícies,  ao depositarem-se nos frá-
         cadas, adornado 40º para BB pela violência do  alimentado por uma bateria que estava a ficar  geis telhados das casas, o seu peso levava ao
         vento ciclónico, vagas de 10 a 12 metros e pelo  sem carga. As tentativas de marcação com o  colapso dos mesmos. A expulsão daqueles
         inevitável deslocamento da carga, embarcan-  radiogoniómetro foram infrutíferas porque,  detritos vulcânicos  e, posteriormente a lava
         do mar em quantidade. É ainda o operador de  entretanto, as comunicações tinham silencia-  ( a que, com pena, já não assisti) atingiu tal
         rádio que, irritado pela passividade do Capi-  do. Só havia uma coisa a fazer, ir ao encontro  grandeza que se formou uma nova ilha de
         tão, face aos múltiplos avisos de tempestade  do navio para as coordenadas que nos ha-  grandes dimensões, para além da posição
         recebidos, lhe comunica “I am waiting for or-  viam sido transmitidas. Mas, chegados lá, só  ribeirinha em que se encontrava o farol dos
         ders” explicando que estava  em contacto com  havia mar á vista! Alertada a Base Aérea 4, é  Capelinhos.

         14  AGOSTO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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