Page 268 - Revista da Armada
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Sacramento Monteiro não era homem para quatro navios que estimavam poder alcançar lançada uma operação de busca com as B-17
hesitações. Manda máquinas a toda a força o “Pamir” em cinco a seis horas “se fosse emi- que, finalmente, foram encontrar o “Ponta
avante e o “Príncipe”, após dobrar a ponta tido um SOS”. Mas só ás 14.57 hrs. de 21 era de Sagres” a Sul de Santa Maria! Assim era a
do molhe, transforma-se em submarino mas, emitida a mensagem de pedido de socorro sua navegação!
com tal intensidade, que, a continuar assim, o referida acima. Demasiado tarde...daí para a Lá vai o “Príncipe”, rapidamente, para a
desfecho não era difícil de imaginar, a trans- frente o navio silenciou. nova posição, correcta desta vez. E o espec-
formação seria definitiva! Depois de três ca- Mas, nem sempre as nossas missões eram táculo que se nos deparou ao lá chegar era,
turradelas com o mar pela proa, cada uma mal sucedidas, antes pelo contrário, como a de facto, aflitivo. O navio navegava com a
mais violenta que a anterior, só havia uma seguir se verá: borda tão perto da água que qualquer ondu-
coisa a fazer e foi o que fez o Comandante: Estávamos na nossa semana de alerta, atra- lação mais alta tendia a fazer embarcar mar
meia força avante e para a frente... Mas era, cados ao “Sal”, quando recebemos ordem para o convés. Com os dois navios em rumos
infelizmente, uma missão condenada ao in- para sair ao encontro de um pequeno navio paralelos e afastados não mais que cinquenta
sucesso. Ao fim de dois dias, com o navio e de cabotagem, o”Ponta de Sagres” que zar- jardas, disparou-se uma retenida com a espin-
a guarnição duramente castigados, garda própria, à qual ía amarrado um
chega-nos a triste mensagem do Co- cabo mais forte que, por sua vez, ti-
mando Naval: o “Pamir” afundara-se nha igualmente preso, no outro chico-
mesmo e, dos 86 tripulantes a bordo, te, um bidon de 200 litros de gasolina
dos quais 52 eram jóvens cadetes e para alimento da bomba motora de
aprendizes de marinheiro, apenas 6 esgoto da água. Era a salvação para
sobreviveriam, depois de prolongado aquela gente e tanto assim era que a
sacrifício, até serem, finalmente, recu- cena que imediatamente se seguiu e
perados. Nós regressaríamos a Ponta que nunca mais me saiu da cabeça, o
Delgada, agora com o mar pela popa demonstrou à evidência: quando o
e em metade do tempo! bidon chegou, a boiar no mar, à bor-
É interessante ler as conclusões a da do “Ponta de Sagres”, o marinhei-
que chegou a comissão de inquérito ro que o puxava, com um arranque
sobre o acidente do Pamir, as quais re- O Navio-Escola “Pamir”. poderoso só justificado pela força do
velam um acumular de erros que aca- desespero, fez o bidon galgar a borda
bou por conduzir ao seu afundamento. para do Algarve para os Açores e estava com e aterrar no convés! Imediatamente puseram
O navio embarcara, em Buenos Aires, 3780 alguns problemas a bordo. Nomeadamente a funcionar a bomba de esgoto. Estava salvo
toneladas de cevada a granel, não ensacada estava a fazer água, navegava a Norte do ar- o navio que, entretanto, escoltámos até San-
(!), contrariando a norma de segurança tra- quipélago mas ainda não tinha terra á vista ta Maria onde ficou entregue à Autoridade
dicional dos tempos dos grandes veleiros e o combustível da bomba motora de extrac- Marítima.
transatlânticos. O tanque de lastro fora, igual- ção da água acabara-se, pelo que estava um Mas, das minhas memórias desse tempo,
mente, cheio com cevada. O carregamento homem em permanencia, a accionar a bomba o espectáculo que mais me impressionou,
do navio tinha sido efectuado pela própria manual que não conseguia dar vazão total ao pelo que para mim teve de inédito e pela sua
tripulação, com a ajuda de alguns militares, caudal que entrava. Para além disso o cansa- grandiosidade bem reveladora do que são as
devido a uma greve de estivadores e a cen- ço começava a tomar conta da tripulação que forças da Natureza, foi, sem dúvida, o poder
tragem da carga não fora tão rigorosa como não dormiam há já bastante tempo. A situação ter assistido, em Outubro desse mesmo ano,
seria desejável. Quando saíram do porto, a começava a ser desesperada. ao nascimento do vulcão dos Capelinhos e
estabilidade do Pamir era “lenta” e, no dizer A saída do nosso navio foi rápida e, como ter-me apercebido de como um fenómeno
de um dos sobreviventes, “a power driven sempre, o Comandante mandou toda a força natural daquelas dimensões pode ter tanto
vessel would not have gone to sea in such an avante, rumo ao Norte, para a posição que, impacte nas vidas das pobres populações de
unstable condition!” toda a área por ele afectada.
O navio seguiu a rota clássica dos O fenómeno começou pelos habi-
veleiros vindos do Atlântico Sul rumo tuais tremores de terra que, diga-se
à Europa e, a 6 de Setembro, encontra- de passagem, não são de todo invul-
va-se a 300 milhas a Sul de Cabo Ver- gares, no Arquipélago dos Açores,
de cruzando, a 9, o trajecto do furacão seguindo-se, pouco tempo depois,
Carrie que, ainda em formação, se di- as erupções vulcânicas que foram
rigia para WNW não sendo, por isso, aumentando de intensidade, de dia
motivo de preocupação. Entretanto, é para dia, com a expulsão de cinzas e
atribuída ao Capitão pouca atenção matérias piroclásticas.
aos boletins meteorológicos e avisos As populações das áreas circun-
de tempestade que, depois de várias dantes e mesmo mais afastadas tive-
alterações da trajectória do furacão, O Navio de cabotagem “Ponta de Sagres”. ram que ser evacuadas não só porque
davam, a 17, uma inesperada inflexão os tremores de terra tinham danifica-
para SE e, a 20, para E ao encontro da posição tinha sido transmitida, pelo “Ponta de Sa- do grande parte das suas casas como também
e rumo do navio. A falta de reacção do Capi- gres”, para o Comando da Defesa Marítima. porque, com a continuação da expulsão de
tão leva a que, a 21, o encontro seja inevítavel. Tentámos entrar em contacto fonia e ainda cinzas vulcânicas e seu transporte aéreo por
O “Pamir” está já com parte das velas arran- conseguimos perceber que o rádio deles era vastas superfícies, ao depositarem-se nos frá-
cadas, adornado 40º para BB pela violência do alimentado por uma bateria que estava a ficar geis telhados das casas, o seu peso levava ao
vento ciclónico, vagas de 10 a 12 metros e pelo sem carga. As tentativas de marcação com o colapso dos mesmos. A expulsão daqueles
inevitável deslocamento da carga, embarcan- radiogoniómetro foram infrutíferas porque, detritos vulcânicos e, posteriormente a lava
do mar em quantidade. É ainda o operador de entretanto, as comunicações tinham silencia- ( a que, com pena, já não assisti) atingiu tal
rádio que, irritado pela passividade do Capi- do. Só havia uma coisa a fazer, ir ao encontro grandeza que se formou uma nova ilha de
tão, face aos múltiplos avisos de tempestade do navio para as coordenadas que nos ha- grandes dimensões, para além da posição
recebidos, lhe comunica “I am waiting for or- viam sido transmitidas. Mas, chegados lá, só ribeirinha em que se encontrava o farol dos
ders” explicando que estava em contacto com havia mar á vista! Alertada a Base Aérea 4, é Capelinhos.
14 AGOSTO 2007 U REVISTA DA ARMADA