Page 392 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (30)
Radar Astronómico
Radar Astronómico
É nar uma outra modalidade de utilização deste
sabido que as guerras põem em marcha medalha, se revelasse mortal para as tripula-
um cortejo de morte e devastação, mas ções das aeronaves inimigas, assim como para equipamento que foi descoberta, há quase vinte
muitos heróicos pilotos ingleses enviados para anos, por um dos meus camaradas de curso da
também é verdade que, na maior par-
te dos casos, para além de restabelecerem o as enfrentar. No entanto, o balanço acabou por Escola Naval durante um proveitoso embarque
equilíbrio da situação de tensão que as criou, ser francamente positivo em termos de análise de fim-de-semana. Passo a explicar:
acabam por trazer, graças à pressão colocada contabilística geral referida à espécie humana e Estava o jovem cadete (a quem passaremos
sobre os grandes cérebros das partes beligeran- ao património mundial, a menos que façamos a chamar M.M.) entretido nas suas funções de
tes, importantes inovações científicas e tecno- contas separadas para um e para outro dos la- assistência ao Oficial de Quarto à Ponte quan-
lógicas que vêm beneficiar a Humanidade e, dos em conflito. do foi por este incumbido de registar o azimute
paradoxo dos paradoxos, salvar vidas. Hoje em dia, é inegável que o radar tornou do Sol no momento do seu ocaso. Para os me-
Tal foi o caso do radar, cujo grande desenvol- muito mais seguras as navegações marítimas nos conhecedores destes assuntos – e convi-
vimento, durante a Segunda Guerra Mundial e aéreas, permitindo aos navios e aeronaves do, desde já, os leitores com mais experiência
(apesar de a sua invenção ser muito anterior), “ver” quando as condições de visibilidade de- marinheira a passarem ao parágrafo seguinte –
se deveu à necessidade de detecção antecipada sarmada não são as melhores, prestando um esclareço que esta operação, que consiste em
dos bombardeiros alemães que vinham flage- valioso auxílio nas manobras anti-colisão e, medir a diferença angular, contada em graus,
lar território inglês. E já aqui se pode dizer que por fim, apoiando a navegação costeira através no sentido dos ponteiros do relógio, entre o
este invento poupou, logo à partida, muitas vi- da medição de distâncias a pontos conspícuos Norte da girobússola (“giro” para os amigos) e
das e bens britânicos, embora, no reverso da da linha de costa. Devo, no entanto, mencio- o Sol serve para medir o erro da dita, uma vez
que o ângulo que o Astro forma, quando nas-
ce e quando se põe, com o Norte Geográfico
é sempre o mesmo ao longo de uma determi-
nada latitude e pode ser previsto nas tabelas
astronómicas dos almanaques. Naturalmente,
a comparação do valor medido com o valor
tabelado dá-nos o erro da “giro”, que é utili-
zado para corrigir as medições dos azimutes
observados e das proas a que se navega. Está
percebido? Estou certo de que os camaradas
especializados na mui nobre arte da Navega-
ção dariam uma explicação tecnicamente mais
correcta e compreensivelmente mais acessível,
mas para não os importunarmos com minu-
dências desta natureza fiquemo-nos por este
leigo fraseado.
(Os leitores que passaram directamente para
esta linha nem sabem do que se livraram! Os
outros bem arrependidos devem estar, nesta al-
tura, por não terem, a tempo, arrepiado cami-
nho. Mas prossigamos…) Pôs-se, então, o M.M.
a “fazer pontaria” ao Sol com a mira do apa-
relho de marcar, mas o diabo é que o “maga-
no”, apesar de descendente no horizonte, ainda
ofuscava, impedindo-o de ler correctamente a
escala da repetidora. Eis, então, que lhe ocorre
um simples, mas engenhoso, expediente capaz
de fazer corar o inventor do Ovo de Colombo
ou o desmanchador do Nó Górdio: como o
Sol se estava a pôr junto a uma ponta de terra,
nada melhor do que azimutar essa ponta na
obscuridade do monitor do radar, onde devia
aparecer bem recortada no perfil costeiro. E se
bem o pensou, melhor o fez…
Foi então que o Oficial de Quarto, ao vê-lo
tão diligente naquela actividade, se lembrou
de o interrogar sobre o motivo de toda aquela
azáfama, tendo obtido, como resposta “Estou
a tirar um azimute radar ao Sol”. É fácil imagi-
nar o espanto do Oficial, que decerto lhe terá
perguntado com que artes mágicas teria conse-
guido visualizar o Sol no radar, imediatamente
antes de o despachar, com um ou dois berros,
30 DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA