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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (30)



                            Radar Astronómico
                             Radar Astronómico



         É                                                                     nar uma outra modalidade de utilização deste
            sabido que as guerras põem em marcha  medalha, se revelasse mortal para as tripula-
            um cortejo de morte e devastação, mas  ções das aeronaves inimigas, assim como para  equipamento que foi descoberta, há quase vinte
                                            muitos heróicos pilotos ingleses enviados para  anos, por um dos meus camaradas de curso da
            também é verdade que, na maior par-
         te dos casos, para além de restabelecerem o  as enfrentar. No entanto, o balanço acabou por  Escola Naval durante um proveitoso embarque
         equilíbrio da situação de tensão que as criou,  ser francamente positivo em termos de análise  de fim-de-semana. Passo a explicar:
         acabam por trazer, graças à pressão colocada  contabilística geral referida à espécie humana e   Estava o jovem cadete (a quem passaremos
         sobre os grandes cérebros das partes beligeran-  ao património mundial, a menos que façamos  a chamar M.M.) entretido nas suas funções de
         tes, importantes inovações científicas e tecno-  contas separadas para um e para outro dos la-  assistência ao Oficial de Quarto à Ponte quan-
         lógicas que vêm beneficiar a Humanidade e,  dos em conflito.            do foi por este incumbido de registar o azimute
         paradoxo dos paradoxos, salvar vidas.  Hoje em dia, é inegável que o radar tornou  do Sol no momento do seu ocaso. Para os me-
           Tal foi o caso do radar, cujo grande desenvol-  muito mais seguras as navegações marítimas  nos conhecedores destes assuntos – e convi-
         vimento, durante a Segunda Guerra Mundial  e aéreas, permitindo aos navios e aeronaves  do, desde já, os leitores com mais experiência
         (apesar de a sua invenção ser muito anterior),  “ver” quando as condições de visibilidade de-  marinheira a passarem ao parágrafo seguinte –
         se deveu à necessidade de detecção antecipada  sarmada não são as melhores, prestando um  esclareço que esta operação, que consiste em
         dos bombardeiros alemães que vinham flage-  valioso auxílio nas manobras anti-colisão e,  medir a diferença angular, contada em graus,
         lar território inglês. E já aqui se pode dizer que  por fim, apoiando a navegação costeira através  no sentido dos ponteiros do relógio, entre o
         este invento poupou, logo à partida, muitas vi-  da medição de distâncias a pontos conspícuos  Norte da girobússola (“giro” para os amigos) e
         das e bens britânicos, embora, no reverso da  da linha de costa. Devo, no entanto, mencio-  o Sol serve para medir o erro da dita, uma vez
                                                                               que o ângulo que o Astro forma, quando nas-
                                                                               ce e quando se põe, com o Norte Geográfico
                                                                               é sempre o mesmo ao longo de uma determi-
                                                                               nada latitude e pode ser previsto nas tabelas
                                                                               astronómicas dos almanaques. Naturalmente,
                                                                               a comparação do valor medido com o valor
                                                                               tabelado dá-nos o erro da “giro”, que é utili-
                                                                               zado para corrigir as medições dos azimutes
                                                                               observados e das proas a que se navega. Está
                                                                               percebido? Estou certo de que os camaradas
                                                                               especializados na mui nobre arte da Navega-
                                                                               ção dariam uma explicação tecnicamente mais
                                                                               correcta e compreensivelmente mais acessível,
                                                                               mas para não os importunarmos com minu-
                                                                               dências desta natureza fiquemo-nos por este
                                                                               leigo fraseado.
                                                                                 (Os leitores que passaram directamente para
                                                                               esta linha nem sabem do que se livraram! Os
                                                                               outros bem arrependidos devem estar, nesta al-
                                                                               tura, por não terem, a tempo, arrepiado cami-
                                                                               nho. Mas prossigamos…) Pôs-se, então, o M.M.
                                                                               a “fazer pontaria” ao Sol com a mira do apa-
                                                                               relho de marcar, mas o diabo é que o “maga-
                                                                               no”, apesar de descendente no horizonte, ainda
                                                                               ofuscava, impedindo-o de ler correctamente a
                                                                               escala da repetidora. Eis, então, que lhe ocorre
                                                                               um simples, mas engenhoso, expediente capaz
                                                                               de fazer corar o inventor do Ovo de Colombo
                                                                               ou o desmanchador do Nó Górdio: como o
                                                                               Sol se estava a pôr junto a uma ponta de terra,
                                                                               nada melhor do que azimutar essa ponta na
                                                                               obscuridade do monitor do radar, onde devia
                                                                               aparecer bem recortada no perfil costeiro. E se
                                                                               bem o pensou, melhor o fez…
                                                                                 Foi então que o Oficial de Quarto, ao vê-lo
                                                                               tão diligente naquela actividade, se lembrou
                                                                               de o interrogar sobre o motivo de toda aquela
                                                                               azáfama, tendo obtido, como resposta “Estou
                                                                               a tirar um azimute radar ao Sol”. É fácil imagi-
                                                                               nar o espanto do Oficial, que decerto lhe terá
                                                                               perguntado com que artes mágicas teria conse-
                                                                               guido visualizar o Sol no radar, imediatamente
                                                                               antes de o despachar, com um ou dois berros,

         30  DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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