Page 21 - Revista da Armada
P. 21
REVISTA DA ARMADA | 528
a bordo que implique a quarentena de um navio, não é uma situa- Finalmente, a autoridade maríƟ ma ou consular que recebe o rela-
ção de sinistro, mas que implica a intervenção das autoridades, nos tório de mar deve invesƟ gar, com caráter de urgência, a veracida-
termos do arƟ go 167.º, mas ter-se-á que levar em boa conta que, des dos factos relatados, inquirindo os tripulantes e testemunhas
conceptualmente, o RGC de 1972 segue o léxico mariƟ mista que já arroladas ao processo, recolhendo informações e outros meios de
estava em uso no Decreto de 1 de Dezembro de 1892 (o anterior prova Ɵ dos por convenientes para comprovar os factos relatados.
regulamento de Organização dos Departamentos MaríƟ mos e das Realça-se que nenhum tripulante ou passageiro se pode recusar
16
Capitanias dos Portos) que, no seu arƟ go 7º, se referia a sinistros. a prestar depoimento feito sob a forma de auto de declarações .
Por outro lado, por vezes também é uƟ lizada como sinónimo Em próximos arƟ gos, iremos abordar o regime jurídico de alguns
de acontecimento de mar a expressão “fortunas de mar”, a qual dos acontecimentos de mar mencionados anteriormente.
consta do arƟ go 604.º do Código Comercial. Mas tal como o sinis-
tro maríƟ mo, também a fortuna de mar está mais relacionada Miguel Júdice Pargana
com situações de acidentes maríƟ mos e de previsão e/ou avalia- CFR AN
ção de perdas e danos. ASSESSOR JURÍDICO AO ALMIRANTE CEMA E AMN
Vista a qualifi cação dos acontecimentos de mar, importa, agora,
fazer-se menção ao relatório de mar, documento de elevada Notas
importância para a averiguação de todas as circunstâncias em 1 Diploma que aprovou o regime jurídico da tripulação do navio.
volta do acontecimento, das causas que o originaram e das even- 2
Contudo o nosso ordenamento jurídico faz referência aos acontecimentos de mar
tuais responsabilidades imputáveis a cada um dos intervenientes noutros diplomas, tais como, a ơ tulo de exemplo, no arƟ go 1.º do Decreto-Lei n.º
ou interessados. 64/2005, de 15 de março, ou no arƟ go 15.º do decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de
Desta forma, o arƟ go 14.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de outubro.
Ato pelo qual se promove o encalhe propositado do navio, promovido com o pro-
setembro, dispõe que “após a ocorrência de um acontecimento 3 pósito de se evitar mal maior à embarcação, à carga e às vidas a bordo.
de mar, o capitão ou quem exerça as funções de comando deve 4 Consiste em ser-se obrigado a entrar num porto e fazer uma escala não progra-
elaborar um relatório de mar onde seja descrito pormenorizada- mada por moƟ vo de força maior. O arƟ go 654.º do Código Comercial apresenta
mente o ocorrido”. as seguintes legíƟ mas causas de arribada forçada: a falta de víveres, aguada ou
combusơ vel; o temor fundado de inimigos; qualquer acidente que inabilite o navio
No que concerne ao respeƟ vo conteúdo, o relatório de mar de conƟ nuar a navegação.
deve conter a descrição de todos os elementos úteis que carac- 5 No nosso ordenamento jurídico não existe uma defi nição expressa de abalroamento.
terizem o acontecimento de mar, nomeadamente: a idenƟ fi ca- Sabemos, no entanto, que consiste na colisão de dois ou mais navios, independente-
ção e qualidade do subscritor; os elementos idenƟ fi cadores e mente do movimento dos mesmos, que podem estar fundeados ou a navegar.
caracterísƟ cas técnicas do navio; idenƟ fi cação dos proprietários, 6 AƟ rar ou deitar fora carga para aliviar o peso do navio.
Também chamada de saque, é o furto ou roubo indiscriminado de bens alheios
armadores, afretadores, seguradores, carregadores, lesados e 7 como parte de uma vitória políƟ ca ou militar, ou no decorrer de uma catástrofe ou
credores; indicação do local ou área geográfi ca onde se verifi cou tumulto, como numa guerra ou num desastre natural.
o acontecimento; descrição pormenorizada dos antecedentes, 8 Faltas, ligeiras ou graves, intencionais ou meramente culposas, do capitão, da tri-
da sequência dos factos, das consequências e das eventuais cau- pulação e dos próprios passageiros, sempre que, quanto a estes, elas refl itam ou
sas do acontecimento; e, ainda, a idenƟ fi cação das testemunhas envolvam a responsabilidade do próprio capitão.
Conforme o disposto no parágrafo 2.º do arƟ go 635.º do Código Comercial, são
e de outros meios de prova. 9 avarias simples ou parƟ culares as despesas causadas e o dano sofrido só pelo navio
O mencionado relatório deverá ser apresentado à autoridade ou só pelas fazendas. Já por avarias grossas ou comuns o parágrafo 1.º do arƟ go
maríƟ ma ou consular, com jurisdição no primeiro porto de escala 635.º do Código Comercial, entende serem todas as despesas extraordinárias e os
onde essa autoridade exista. Com efeito, a alínea f) do n.º 2 do sacriİ cios feitos voluntariamente pelo capitão ou por sua ordem, com o fi m de evi-
tar um perigo, para a segurança comum do navio e da carga desde o seu carrega-
arƟ go 13.º do Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de março, esƟ pula mento e parƟ da até ao seu retorno e descarga.
que compete ao capitão do porto, no exercício das funções de 10 Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do arƟ go 1.º do Decreto-Lei n.º
autoridade maríƟ ma, “receber os relatórios e protestos de mar 203/98, de 10 de julho, salvação maríƟ ma é todo o ato ou aƟ vidade que vise prestar
socorro a navios, embarcações ou outros bens, incluindo o frete em risco, quando
apresentados pelos comandantes das embarcações nacionais, em perigo no mar.
comunitárias e de países terceiros e proceder à respeƟ va instrução 11 O parágrafo 2.º do arƟ go 604º do Código Comercial apresenta os seguintes atos
processual”. de guerra: hosƟ lidade, represália, embargo por ordem de potência, presa e violên-
O prazo para a apresentação do relatório está fi xado em 48 cia de qualquer espécie, feita por Governo amigo ou inimigo, de direito.
horas, contado a parƟ r do momento em que o navio atracar ou 12 A quarentena humana é uma medida de saúde pública desƟ nada a conter surtos
epidémicos ou a evitar que um determinado agente infecioso aƟ nja um território
fundear . Se não for cumprido este prazo, o relatório conƟ nua a ou grupo social. As práƟ cas de quarentena podem ser: impedir o desembarque de
13
poder ser apresentado, mas não pode ser confi rmado pela auto- tripulantes ou passageiros de um navio; colocar em “prisão” domiciliar os doen-
tes e/ou os familiares de pessoas que manifestem determinado quadro clínico; ou,
14
ridade maríƟ ma . Ou seja, neste caso, a autoridade maríƟ ma ainda, o internamento hospitalar compulsivo de doentes.
deve proceder às necessárias invesƟ gações, mas não pode con- 13 No caso de exisƟ r perda total do navio, o prazo conta-se desde a data da chegada
fi rmar o relatório, devendo referir esse mesmo facto nas conclu- do capitão ou de quem o subsƟ tua.
sões que lavre no mesmo . 14 A confi rmação do relatório é importante pois, em conformidade com n.º 7 do
15
Enquanto o procedimento de confi rmação do relatório não arƟ go 15.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, os factos constantes do
relatório de mar confi rmado presumem-se verdadeiros, salvo prova em contrário.
esƟ ver concluído, não pode iniciar-se a descarga do navio, salvo 15 Se o fi zer indevidamente, essa mesma confi rmação deverá ser nula.
em situações de urgência e a autorização para tal Ɵ ver sido con- 16 Conforme o n.º 3 do arƟ go 15.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro.
cedida pela autoridade competente para a confi rmação.
ABRIL 2018 21