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REVISTA DA ARMADA | 528













          a bordo que implique a quarentena de um navio, não é uma situa-  Finalmente, a autoridade maríƟ ma ou consular que recebe o rela-
          ção de sinistro, mas que implica a intervenção das autoridades, nos   tório de mar deve invesƟ gar, com caráter de urgência, a veracida-
          termos do arƟ go 167.º, mas ter-se-á que levar em  boa conta que,   des dos factos relatados, inquirindo os tripulantes e testemunhas
          conceptualmente, o RGC de 1972 segue o léxico mariƟ mista que já   arroladas ao processo, recolhendo informações e outros meios de
          estava em uso no Decreto de 1 de Dezembro de 1892 (o anterior   prova Ɵ dos por convenientes para comprovar os factos relatados.
          regulamento de Organização dos Departamentos MaríƟ mos e das   Realça-se que nenhum tripulante ou passageiro se pode recusar
                                                                                                             16
          Capitanias dos Portos) que, no seu arƟ go 7º, se referia a sinistros.   a prestar depoimento feito sob a forma de auto de declarações .
           Por outro lado, por vezes também é uƟ lizada como sinónimo   Em próximos arƟ gos, iremos abordar o regime jurídico de alguns
          de acontecimento de mar a expressão “fortunas de mar”, a qual   dos acontecimentos de mar mencionados anteriormente.
          consta do arƟ go 604.º do Código Comercial. Mas tal como o sinis-
          tro maríƟ mo, também a fortuna de mar está mais relacionada                            Miguel Júdice Pargana
          com situações de acidentes maríƟ mos e de previsão e/ou avalia-                                  CFR AN
          ção de perdas e danos.                                               ASSESSOR JURÍDICO AO ALMIRANTE CEMA E AMN
           Vista a qualifi cação dos acontecimentos de mar, importa, agora,
          fazer-se menção ao relatório de mar, documento de elevada   Notas
          importância para a averiguação de todas as circunstâncias em   1  Diploma que aprovou o regime jurídico da tripulação do navio.
          volta do acontecimento, das causas que o originaram e das even-  2
                                                                 Contudo o nosso ordenamento jurídico faz referência aos acontecimentos de mar
          tuais responsabilidades imputáveis a cada um dos intervenientes   noutros diplomas, tais como, a ơ tulo de exemplo, no arƟ go 1.º do Decreto-Lei n.º
          ou interessados.                                     64/2005, de 15 de março, ou no arƟ go 15.º do decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de
           Desta forma, o arƟ go 14.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de   outubro.
                                                                 Ato pelo qual se promove o encalhe propositado do navio, promovido com o pro-
          setembro, dispõe que “após a ocorrência de um acontecimento   3 pósito de se evitar mal maior à embarcação, à carga e às vidas a bordo.
          de mar, o capitão ou quem exerça as funções de comando deve   4  Consiste em ser-se obrigado a entrar num porto e fazer uma escala não progra-
          elaborar um relatório de mar onde seja descrito pormenorizada-  mada por moƟ vo de força maior. O arƟ go 654.º do Código Comercial apresenta
          mente o ocorrido”.                                   as seguintes legíƟ mas causas de arribada forçada: a falta de víveres, aguada ou
                                                               combusơ vel; o temor fundado de inimigos; qualquer acidente que inabilite o navio
           No que concerne ao respeƟ vo conteúdo, o relatório de mar   de conƟ nuar a navegação.
          deve conter a descrição de todos os elementos úteis que carac-  5  No nosso ordenamento jurídico não existe uma defi nição expressa de abalroamento.
          terizem o acontecimento de mar, nomeadamente: a idenƟ fi ca-  Sabemos, no entanto, que consiste na colisão de dois ou mais navios, independente-
          ção e qualidade do subscritor; os elementos idenƟ fi cadores  e   mente do movimento dos mesmos, que podem estar fundeados ou a navegar.
          caracterísƟ cas técnicas do navio; idenƟ fi cação dos proprietários,   6   AƟ rar ou deitar fora carga para aliviar o peso do navio.
                                                                 Também chamada de saque, é o furto ou roubo indiscriminado de bens alheios
          armadores, afretadores, seguradores, carregadores, lesados e   7 como parte de uma vitória políƟ ca ou militar, ou no decorrer de uma catástrofe ou
          credores; indicação do local ou área geográfi ca onde se verifi cou   tumulto, como numa guerra ou num desastre natural.
          o acontecimento; descrição pormenorizada dos antecedentes,   8  Faltas, ligeiras ou graves, intencionais ou meramente culposas, do capitão, da tri-
          da sequência dos factos, das consequências e das eventuais cau-  pulação e dos próprios passageiros, sempre que, quanto a estes, elas refl itam ou
          sas do acontecimento; e, ainda, a idenƟ fi cação das testemunhas   envolvam a responsabilidade do próprio capitão.
                                                                 Conforme o disposto no parágrafo 2.º do arƟ go 635.º do Código Comercial, são
          e de outros meios de prova.                          9 avarias simples ou parƟ culares as despesas causadas e o dano sofrido só pelo navio
           O mencionado relatório deverá ser apresentado à autoridade   ou só pelas fazendas. Já por avarias grossas ou comuns o parágrafo 1.º do arƟ go
          maríƟ ma ou consular, com jurisdição no primeiro porto de escala   635.º do Código Comercial, entende serem todas as despesas extraordinárias e os
          onde essa autoridade exista. Com efeito, a alínea f) do n.º 2 do   sacriİ cios feitos voluntariamente pelo capitão ou por sua ordem, com o fi m de evi-
                                                               tar um perigo, para a segurança comum do navio e da carga desde o seu carrega-
          arƟ go 13.º do Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de março, esƟ pula   mento e parƟ da até ao seu retorno e descarga.
          que compete ao capitão do porto, no exercício das funções de   10  Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do arƟ go 1.º do Decreto-Lei n.º
          autoridade maríƟ ma,  “receber os relatórios e protestos de mar   203/98, de 10 de julho, salvação maríƟ ma é todo o ato ou aƟ vidade que vise prestar
                                                               socorro a navios, embarcações ou outros bens, incluindo o frete em risco, quando
          apresentados pelos comandantes das embarcações nacionais,   em perigo no mar.
          comunitárias e de países terceiros e proceder à respeƟ va instrução   11  O parágrafo 2.º do arƟ go 604º do Código Comercial apresenta os seguintes atos
          processual”.                                         de guerra: hosƟ lidade, represália, embargo por ordem de potência, presa e violên-
           O prazo para a apresentação do relatório está  fi xado em 48   cia de qualquer espécie, feita por Governo amigo ou inimigo, de direito.
          horas, contado a parƟ r do momento em que o navio atracar ou   12  A quarentena humana é uma medida de saúde pública desƟ nada a conter surtos
                                                               epidémicos ou a evitar que um determinado agente infecioso aƟ nja um território
          fundear . Se não for cumprido este prazo, o relatório conƟ nua a   ou grupo social. As práƟ cas de quarentena podem ser: impedir o desembarque de
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          poder ser apresentado, mas não pode ser confi rmado pela auto-  tripulantes ou passageiros de um navio; colocar em “prisão” domiciliar os doen-
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          ridade maríƟ ma . Ou seja, neste caso, a autoridade maríƟ ma   ainda, o internamento hospitalar compulsivo de doentes.
          deve proceder às necessárias invesƟ gações, mas não pode con-  13  No caso de exisƟ r perda total do navio, o prazo conta-se desde a data da chegada
          fi rmar o relatório, devendo referir esse mesmo facto nas conclu-  do capitão ou de quem o subsƟ tua.
          sões que lavre no mesmo .                            14  A confi rmação do relatório é importante pois, em conformidade com n.º 7 do
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           Enquanto o procedimento de confi rmação do relatório não   arƟ go 15.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro, os factos constantes do
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          esƟ ver concluído, não pode iniciar-se a descarga do navio, salvo   15  Se o fi zer indevidamente, essa mesma confi rmação deverá ser nula.
          em situações de urgência e a autorização para tal Ɵ ver sido con-  16  Conforme o n.º 3 do arƟ go 15.º do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro.
          cedida pela autoridade competente para a confi rmação.
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