Page 321 - Revista da Armada
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Um valioso documento
Como é do conhecimento dos nossos leitores(*) Após a Cf Recopilação», que consta de 228 páginas,
existe uma preciosa obra - "Livro das Armadas» - existem mais 6, a seguir, que constituem a «Procla-
cuja reprodução em fac-simile foi editada recente- mação e peroração a Deus Nosso Senhor, pedindO-lhe
mente pela Academia das Ciências de Lisboa, pro- seu divino favor para esta monarchia lusitana e a vida
prietária do manuscrito. d 'el-reiNosso Senhor D. João IV e mais casa reab .
Reporta-se às armadas que seguiram para a Índia, Entre outras frases diz esta parte do manuscrito :
no período compreendido e ntre 1497 e 1566. Finalmente, Senhor, bem védes que o Rei tem a fé e
justiça por cultos, a Rainha a piedade e culto divino
por corda; entre ambos, a Reh'gião por principado.
* numerosos navios que
Não se ignora que, nos Terminado o manuscrito, surge um poema históri-
acompanharam D. João VI, na sua mudança para o
co, escrito em espanhol antigo, queoCl,lpa 71 páginas.
Brasil, além das jóias da coroa e raridades de ourive-
Deste poema foi feita a tradução para português, ten-
saria da corte, seguiram também manuscritos, docu-
tando a mais fiel aproximação do texto, sem métrica,
mentos, livros e obraR literárias valiosos, muitos de-
como é óbvio. O poema tem por título IITransforma-
le~ exemplares únicos, que existiam na Casa da Índia,
ção do cabo da Boa Esperança, na qual o auctor fala
na Real Academia dos Guardas-Marinhas e na Aca-
com Sua Majestade o Rei D. João IV, Nosso Senhor»
demia de Marinha.
Tal facto ficou-se a dever ao receio de caírem na e é constituído por 142 estâncias, escritas 78 anos de-
pois da primeira edição d'«Os Lusíadas» (1572), nas
posse das desordenadas tropas de Junot, valores in-
quais o autor procurou imitar o estilo.
calculáveis do nosso património nacional.
Pelas estâncias n." 35, 45 e 84, que transcreve-
No regresso de D. João VI e sua comitiva e, poste-
mos, o leitor poderá avaliar se o conseguiu.
riormente, após a independência do Brasil, os que
voltaram à Pátria, apenas se preocuparam com os
seus haveres pessoais, deixando ao abandono' todos
TRADUçÃO
os arquivos e documentação. 36
Vem a propósito referenciar um desses manuscri-
tos, que foi classificado pela Marinha brasileira como No confuso da enxareia com rugido
raro e precioso - Cf As Famosas Armadas Portugue- Que á imaginação de todo espanta,
ses-1496/16501l, sendo também conhecido por IIRe- Se sibilando aoapplicado ouvido,
copilação das Famosas Armadas que para a india fo- Corpo e voz gela, a coma solevanta;
ram desde o anno em que principiou a sua gloriosa Na pancada domar embravecido
conquista - nomes das embarcações, dos capitães, Que a massa de madeira tal supp/anta,
governadores e vice-reis, capitães-móres, almirantes Ora crescendo, ao céoa conduzindo,
e cabos que as navegaram, e successos que tiveram Ora a baixar, noinfemo submergindo.
até o anno de 649».
É seu autor Simão Ferreira Paez, natural da cidade 45
do Porto, cavaleiro fidalgo da Casa de Sua Majestade
Não sei, oh! Padre, o que tem esta gente
e familiar de Santo Oficio.
Contra quem, natural, não vence a arte;
Presume-se que este manuscrito, como muitas
Vás: intentampassardesdeooccidente
outras obras de valor, tenha sido encaminhado ini-
Ás portas aM donde asaI se parte;
cialmente para o Depósito dos Escritos Maritimos dos
A rota levam para o beIlo oriente,
Autores Portugueses, que veio a constituir, mais tar-
Por verde modo estranho estranha parte;
de, a Biblioteca dos Guardas-Marinhas, criada por D. Chegando (e já lá estão além da meta)
João VI. Á outra esphera, vão dar volta completa.
Em 1846, este manuscrito, juntamente com outros
e com livros, estampas e publicações diversas, passa-
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ram a fazer parte da Biblioteca da Marinha Brasileira.
O referido manuscrito apresentava-se em estado No solio celestial e transparente,
precário e ficaria sem dúvida destruido se fosse ma- Cujo ser se divisa luminoso,
nuseado, mesmo com excessivos cuidados. Nestas Donde o governo a toda humana gente
condições, na década dos anos 30 deste século, o mi- Rege e dirige Jove poderoso,
nistro da Marinha entendeu que fosse reproduzido à Se reunem, doArcturo e do Occidente,
mão, por pessoa idónea, a tinta Nanquim sobre papel E do Septentrião impetuoso,
vegetal e por decalque, sendo as partes do original Os deuses; inda as deusas á porfia,
destruídas pela traça preenchidas com letras a tinta Discorrem sobre a Lusitania via.
encarnada. A maioria das falhas ou dúvidas existen-
tes puderam ser repostas por elementos existentes N.A . -Desta ()bra, impressa no Rio de Janeiro, em 1937, pelo
Ministério da Marinha, existem raros exemplB!'es em Portugal.
ao longo da obra.
José Agostinho de Sousa Mendes,
(.) " Revista da Annada., n. "1 Q4/Mai 80 e 158/Nov. 84. cap.·m.·g.
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