Page 213 - Revista da Armada
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mobilizada  para  seguir com  destino  ao local  do  si·   Para evitar as insolações, acabaram por fazer uma
         nistro ...                                          espécie de capacetes duma vela que rasgaram, o.  fim
            Feitos os preparativos, o comandnnte Jaime Lopes   de se protegerem.  Tudo isto lhes dava um  aspecto
         partiu na carrinha Ford va, com mais algum pessoal   estranho  e  assustador,  que impressionou sobrema-
         da Capitania, e eu larguei por mar a bordo do uQuan·   neira o servente, o  qual correu cerca de vinte quiló-
         za»,  com  toda a  sua tripulação.                  metros para ir à Lucira dizer 0.0 delegado marltimo que
            Chegados à Lucira, que dista de Moçâmedes pouco   piratas estavam a  assaltar o  farol.
         mais de duzentos quilómetros, tudo era bem diferente.   O  delegado  marítimo,  funcionário  aduaneiro de
         Em vez  dum submarino alemão,  encontrámos onze     nome  Franklim,  um  moço  sempre  bem  disposto  e
         náufragos  que  tinham  aportado  ao  farol  de  Santa   cheio  de  espirito,  fez·se  acompanhar  de  alguns
         Marta.                                              amigos, armados com espingardas de caça, e lá foram
            Tratava-se da tripulação dum navio americano, de   ver o  que se passava em Santa Marta.
         guarnição cosmopolita, pois somente três ou quatro     Ali chegadOS depararam com aquela gente num
         elementos eram de origem americana e profissionais   estado lastimoso. Trataram logo de os transportar para
         do mar.  Os restantes eram de várias nacionalidades   a Lucira a  fim de lhes prestarem os primeiros socar·
         e profissões, entre eles um bailarino espanhol!     ros. Por seu lado, o  Franklim encarregou o servente
            Eram as dificuldades da guerra em arranjar gente   de  informar  Moçâmedes.  de  que  tinha  apartado  à
         qualificada para o mar. A navegação aumentou sobre·   Lucira uma embarcaç40 com ndufragos, provenientes
         maneira, velhos navios  foram postos a  navegar e  os   dum  navio  torpedeado  por  um  submarino alemão.
         profissionaiS existentes não chegavam para formar as   O servente dirigiu·se de novo ao farol, onde tinha
         tripulações  necessárias.  Por  isso  eram constitufdas   telefone, tendo feito novamente vinte quilómetros de
         «ad-hoclI,  com um mfnimo de gente habilitada.      marcha,  para  transmitir  a  mensagem  agora  já  cor·
            O capitão do navio torpeado, que estava entre os   rigida. Passou-a ao colega do farol da Ponta Grossa e
         náufragos,  era  um  velho  lobo·do·mar,  muito  expe-  este ao colega do farol do Giraul que, por seu lado, a
         riente, de nacionalidade russa, ao serviço da América   transmitiu à  Capitania.
         havia  longos  anos.  Já  tinha  sido  torpedeado  duas   O mau português dos serventes dos faróis, e ti. sua
         vezes durante a 1. '  Grande Guerra e como não há duas   pouca instrução, os telefones rudimentares da época,
         sem  três ...  O  mar  para  ele  já  não  tinha  segredosl   tinham dado origem à  primeira comunicação ...
            Começou  por  contar  que  comandava  a  escuna     Note·se que tudo isto se passou há meio séculol
         americana «Star of ScotlancLt, navegava de Cape Town   Os  náufragos  vieram  depois  para Moçâmedes a
         com um carregamento de madeira para o Brasil e fora   bordo  do  «Quanza»  e  foram  hospitalizados,  alguns
         torpedeado a  quinhentas milhas do Cabo.            deles durante três semanas.
            Contou  ainda  que,  quando  o  submarino veio  à   Depois de restabelecidos. embarcaram num navio
         superl1'cie teve receio de que se tratasse dum subma·   da Companhia Nacional de Navegação com destino a
         rino japonêS, comentando que estes não eram grande   Lisboa,  donde foram  repatriados.
         coisa.  Mas,  felizmente,  acrescentou,  era  alemãol
            Disse ainda que lhes tinham tirado todos os apa·
         relhos de navegação da baleeira (1) que lhes serviu de
         salva-vidas,  tendo deixado apenas alimentos, água,
         aparelhos de pesca, as velas e  uma bússola.
            Disse  também que logo pensou em navegar em
         direcção à  costa ocidental africana, por ter, naquela
         altura, ventos e correntes favoráveis, como aconteceu.
         Projectou  ainda dirigir·se  para Walfisbay,  porém, o
         abatimento atirou com ele muito para Norte indo dar
         ao  farol  de Santa Marta, ou seja,  uma diferença de
         quase 670 milhas!
             Andavam já  há trinta e  dois  dias no  mar,  tendo
         morrido um companheiro, que não suportou as inso-
         lações  nem  as  limitações  a  que  estavam  sujeitos.
             Havia já cinco dias que os mantimentos e  a águo.
         tinham acabado de vez e já há algum tempo vinham
         comendo somente uma bolacha por dia.
             O  estado  geral  daquela  gente  era  muito  mau.
         Quando chegaram ao farol,  O servente ao ver aqueles
         homens que não falavam português, com um aspecto
         horrlvel, fugiu apavorado. De cabelo e barba crescida,
         tisnados pelo Sol violento a  que estiveram expostos
         durante  todo  aquele  tempo,  estavam  cadavéricos,
         famélicos  e  depauperados.
                                                                                               CeeDio Moreira,
                                                                                                     Ex·JMAR A
             (I)  A  baleeira  ficou  pentlnÇII  da  CapJutnia  de  Moç4m8dfi.   *****************

                                                                                                            31
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