Page 343 - Revista da Armada
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m dos  principais  atractivos  do  Museu  de  Marinha  é,  lar  suces~,  a construção de  trabalhos em  osso de  baleia  ou
                sem  dúvida.  a  importante  colecção de  modelos de  cachalote, em especial, miniaturas de navios. Admite·se que
          Unavios. São cerca de  três  centenas de preciosas obras  esta escolha resullou do facto de, entre os reclusos, se encon-
          de arte,  ii maior parte das quais se deve à generosa doação de  trarem  naturais  de  Dieppe, onde era  tradicional  o  trabalho
          Henrique Seixas.  Durante  grande parle da  sua vida,  este per-  em  marfim. Quando  Napoleão  visitou  esta  cidade em  1802,
          sistente,  mas  também  exigente coleccionador,  manteve em  na  companhia  de  Josefina,  recebeu  dos  cidadãos,  um  navio
          actividade  uma  oficina  onde  reuniu  artistas  de  grande quali-  de  marfim.  No  Museu  de  Marinha  de  Paris,  existe  um  belo
          dade que foram  construindo, como num  verdadeiro estaleiro,  modelo, também  de  marfim, que  foi  oferecido ao  imperador
          os navios que hoje são o deleite de quem visita o belo museu  em  181  I.  Representava  um  navio  de  88  canhões  e o seu
          de Belém.  De todos estes operários, especializados nos vários  nome era La  Ville de Dieppe.
          ramos  de  construção  naval,  só  tivemos  a oportunidade de
          conhecer  o  mestre  luis  Marques,  que  nos  deixou  recente-  Admite-se que foi  esta  a razão que fez  desenvolver o gosto
          mente,  com enorme mágoa  para todos com que ele privaram.  por  esta actividade  entre  os  prisioneiros,  tendo  sido  apenas
          Aqui  deixamos  a nossa  sincera  homenagem  a este  homem  substiturdo o marfim,  que não era fácil  de obter,  pelo osso de
          simp les,  afável,  ex trema-
          mente sabedor, que as suces-
          sivas  direcções do  Museu  de                      f.J
          Marinha,  muito  justamente,                                            ,
          mantiveram  ao  serviço  para                      I
          satisfação do  luis e  interesse           ,
          de  todos  que,  constante-
          mente,  recorriam  aos  seus
          conhecimentos  acumulados
          ao  longo  de  três  quartos  de
          século.

            Nas  miniaturas construidas
          nos  estaleiros  Seixas, como
          mandam  as  regras,  eram  uti-
          lizados  exactamente,  e  sem-
          pre que possível, os  materiais
          usados  nos  navios  originais.
          Todavia  o  mesmo  não  suce-
          de  com  os  Nprisioneiros-de-
          guerm".
            Antes  porém  de  nos  ocu-
          parmos  dos  ~prisoners-of­
          war", pois foi  com este  nome
          que  fica ram  universalmente
          conhecidos os  modelos  de
          navios  em  marfim  ou  osso,
          construrdos no séculoXIV, há
          que  dizer  uma  palavra  acer-
          ca  dum  famoso  cabo  de
          guerra  que  nunca  se  aperce-
          beu (e certamente não estaria
          preocupado) de  ter  sido  ele  o verdadeiro  responsável  pela  mamfferos marinhos. Como este tipo de ocupaçào mantinha muitos
          expansão desta curiosa actividade.                   dos cativos ocupados e, portanto em sossego, as autoridades ingle--
            Referimo-nos  a  Napoleão  Bonaparte.  Ambicionando  o  sas não só facilitavam o abastecimento da matéria  prima, como per-
          domínio da  Europa, este  lider  militar e imperador  da  França  mitiam a venda do trabalho acabado.
          foi, como  todos  sabemos,  responsável  por  mortes  e destrui-
          ções  em  larga  escala.  Em  1805, é  porém  sustido  por  Nelson   Existem inúmeros "prisoners-of-war" em museus e colecções par-
          em Trafalgar acabando por ser definitivamente silenciado nos  ticulares, e destas saem, por vezes, belos exemplares que são vendi·
          campos de  Waterloo.  Entretanto,  os  prisioneiros  franceses   dos em  leilOes, por preços elevados. Tooavia, é indispensável saber
          foram  enchendo os  cárceres  ingleses,  mesmo  depois  da   distinguir entre  um  modelo fabricado no  início do século XIX  e os
          vitória  de  WelJington.  Os  detidos  eram  encafuados  em   que,  usando  a mesma  técnica e o mesmo suporte,  foram construí-
          prisões  em  terra  e  também  em  navios  fora  serviço,  ver-  dos por artffices contemporâneos. De qualquer forma, os "prisionei-
          dadeiros  pontões  onde  os  prisioneiros  se  amontoavam  sem  ros·de-guerra" são quase sempre  preciosos objectos de arte, como
          quaisquer  condições  de  comodidade  ou  de  higiene.  Entre  acontece com aquele, cuia fotografia  reproouzimos,  pertencente às
          1803  e  1814  foram  capturados  mais  de  120  000  soldados  e  colecções do Museu de Marinha em Belém.   O
          marinheiros com um  máximo de 72 000 em  1814.
            Para  manter os  prisioneiros ocupados,  eram  autorizadas                            A.  Estácio dos Reis
          algumas actividades.  Entre elas  desenvolveu·se, com  particu-                                    CMG
                                                                                      REVISTA OA ARMADA .  NO\IEM8RO 96  1 7
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