Page 126 - Revista da Armada
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A  ORES
                 re.,.,., •• ' •• ta D.',.".







          Quem vive nos Açores está habituado
          à evolução rápida e cíclica do tempo, expressa
           na conhecida afirmação de que "nos Açores,
          ao longo do dia, se fazem sentir as 4 estações
           do ano", embora no Inverno falte frequente-
           mente a parcela diária desse Verão.
           No passado Natal um violento temporal
           assolou o porto de Ponta Delgada, mas
           embora houvesse quem o tivesse considerado
           o "temporal do século", poucas horas depois
           o tempo era quase estival, embora os estragos
           materiais não deixassem esquecer o que             dos tretrápodos e rocha com cerca de  1.5 metros de diâmetro. Um
           se tinha passado.                                  navio graneleiro que est,wa a meio da faina de descarga  partira as
                                                              espias  de  aço  e o único  navio  rebocador  presente  em  Ponta
               meio da  noite de Natal choveu  copiosamente na  ilha de S.   Delgada  estava  com  exagerado  aquecimento  nas  suas chuma-
               Miguel e, ao nascer do dia, o céu  e o mar estavam cinzen-  ceiras de impulso, porque se manteve a empurrar esse  navio con-
          A tos e a visibilidade era reduzida,  devido à neblina típica do  tra  O cais durante várias horas.
           temporal de sudoeste.                                No cais do porlO encontravam-se três navios mercantes de porte
            Eram  07.00 horas do dia 25  de Dezembro quando começou  a  assinalável, designadamente o ~Frota Argentina·  de 22.000 ton e
          circular ii noticia  de que o mar estava a galgar constantemente o  200 m, o "Vitorino Nemésio· de 3.000 ton e 100 m, e o "Faial· de
           molhe do porto de  Ponta  Delgada.  De  facto,  na  raíz  do molhe  2.000 ton e 100 m, com  as  suas guamições a bordo e prontas a
           podia ver-se um enonne lençol de água a escOfrer pelo pavimen-  largar, caso necessário.
           to, constante e repetidamente alimentado,  pois cada onda que se   Cerca das  10.00 horas,  na sequência da  informação de que crel
          abatia  sobre  a muralha  provocava  uma  explosão  enorme de  impossível  continuar e1  ITlclnter os  3 navios  atracados  ao  cais,  foi
          espuma,  que se  transformava  de  repente  numa  cascata  esbran-  tomada a decisão de os mandar sair do porto.
          quiçada, impetuosa e demolidora.                      A sua  saída do  porto  foi  emocionante.  No  caso  do  ~Vitorino
            O ritmo da  rebentação permitia constatar que se estava  per<1nte   Nemésio·, pela  facilidade  com que  virou  para  Sul  li  saída  do
           uma  ondulação  larga, tfpica  de  grande temporal, pois o período  molhe e como saltou entre crista e cava até se afastar para o lilfgO
          das sucessivas ondas andava entre os  15 e os  18 segundos.   e,  no  caso do  "Frota  Argentina", pela  exasperante  lentidão a
            Pelas 08.00 horas O vento aumentou ainda  mais de velocidade,  guinar quando chegou ao alinhamento entre os farolins da entrada
          situação que  perdurou até cerca  das  12.00  horas.  Durante este  do l)OrlO e se fez ao mar.  De facto, ficará na memória de todos as
           tempo foi  impressionante a intensificação da ondulação, resultado  imagens do balanço 8M8 de um navio desta  tonelagem (tuando,
          de um vento médio da ordem dos  100 knVhora, com rajadas fre.-  atravessado à vaga, tenta desesperadamente vencer o mar e a
          quentes a atingir os  130 a  150 krrv'hora, que a partir do meio do  força daquele vento.
           molhe galgava sucessivamente o muro-cortina.         Ullrapassado o grande  problema dos  navios  atracados, desa-
            No  cais os  navios  não  aguentavam  a força  do  mar,  que  nessa  pareceu a barreira que impedia os contentores de serem  proiecta-
          altura galgava sistematicamente o molhe, com  uma  altura  que se  dos  para a zona  interior do l)OrlO,  pelo que durante breves minu-
           pode estimar entre 3 a 4 metros de  massa  líquida.  Esses  valores,  tos várias dezenas de  contentores rolaram  pelo cais e saltaram
          associados à altura da cota do muro-cortina, permitem considerar-  kborda  fora",  como  se  fossem  leves e minúsculas caixas  de fós-
          -se que se esteve  perante ondas com  altura  cava/crista da  ordem  foros.
          dos  11  a  12  metros,  que arrastaram  no seu  galgamenlo bocados   Entretanto, as  corvetas  "João  Coulinho~ e ""Jacinto  Cândido~,
                                                              que  se encontravam  respectivamente  em  Ponta Delgada  e na
                                                               Praia  da  Victória,  suportaram  O temporal  sem  qualquer con-
                                                              tratempo.
                                                                Alguns  clasSificaram O temporal  de  25  de  Dezembro de  1996
                                                              como o  ~temporal do século",  que se traduziu  na  destruição da
                                                              protecção exterior do molhe de Ponta  Delgada em algumas cente-
                                                              nas de  metros e no encalhe no  molhe de  protecção à Marina dos
                                                              petroleiros ~Seabird I" e kMuroran~, do  navio frigorífico "Ansa-9",
                                                              do  navio  areeiro  "Sofareia·  e dos  atuneiros  Hlmpulse",  "S.
                                                              Salvador" e kSalazar".
                                                                Depois, o ditado cumpriu-se!  Passadas umas escassas 18 horas,
                                                              nasceu  um  novo  dia  com um  Sol  maravilhoso e com  uma  suave
                                                              brisa de Norte, as condições ideais para  provocar um  mar azul e
                                                              Irmpido,  como a querer dizer e a assinalar,  que o temporal do
                                                              dia de Natal jâ era apenas uma memória passada.   O
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