Page 43 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
A Declaração Universal
A Declaração Universal
dos
dos
Direitos do Homem
Direitos do Homem
J á tive ocasião de escrever, mais de origem nacional, riqueza, nascimento ou proliferação de democracias nos cinco
continentes e a “autodeterminação” e a
qualquer outra condição”. Curiosamente,
uma vez, que considero o fim da
Segunda Grande Guerra Mundial o diga-se entre parêntesis e à boca pequena, “libertação” dos povos colonizados.
início de uma nova Era na História Uni- este objectivo cria sérios embaraços aos Mas não tenhamos ilusões: a saída dos
versal. Ele constitui, sem dúvida, um dos defensores dos regimes monárquicos. colonizadores deu origem a outro tipo de
mais importantes marcos na vida da São por demais conhecidos os direitos violações dos direitos humanos como a
Humanidade. fundamentais à vida, à liberdade e à jus- guerra civil, o genocídio, a tirania, a fome
Foi a partir de 1945 que se verificaram tiça. Sabe-se que ninguém pode ser sub- e a pilhagem. Como se lê em recente edi-
inovações assinaláveis ou consideráveis metido a torturas e a tratamento desu- torial do Diário de Notícias, há um cres-
progressos na informação e nas comunica- mano ou degradante. Ninguém pode ser cente de sacrificados que se disporiam a
ções, nas armas de destruição, na tecnolo- arbitrariamente preso, detido ou exilado. trocar a liberdade por uma refeição
gia industrial, na medicina e na genética, Também diz a Declaração que ninguém decente.
na metalurgia, na ecologia, na emancipa- será sujeito a interferência na sua vida pri- O Homem deixou para resolver no sé-
ção da mulher e na desagregação da famí- vada nem a ataques à sua honra. E há culo XXI muitos problemas como a erradi-
lia, na liberdade sexual, na autodetermina- ainda os direitos à propriedade, à nacio- cação da sida, o tráfico de droga e a des-
ção dos povos e nas práticas terroristas, na nalidade, ao matrimónio, ao trabalho, ao poluição do ambiente. Mas deixou tam-
difusão das drogas e na criminalidade laser, à segurança social. bém por resolver o cumprimento e a apli-
organizada, na circulação de pessoas, mer- A Declaração tem XXX artigos cuja cação prática da Declaração Universal dos
cadorias, capitais e ideias, nas orga- leitura soa aos nossos ouvidos como Direitos do Homem. Para isso muito po-
nizações internacionais e regionais, nos há- música celestial. São palavras bonitas com derão contribuir uma maior sensibilização
bitos de vida, na apropriação e na destrui- escassa correspondência na vida real, mas da opinião pública, o ensino dos Direitos
ção dos oceanos, na exploração interpla- que foram mesmo assim um passo do Homem nas escolas e, sobretudo, a
netária e, por último e não menos impor- gigante na vida da humanidade. Pena é instituição de um Tribunal Penal Interna-
tante, na luta pelos Direitos do Homem. que os artigos correspondam apenas aos cional, em actuação permanente. Com ca-
A 10 de Dezembro de 1948 a Assem- padrões, aos hábitos e às práticas de meia racterísticas e jurisdição diferentes do já
bleia Geral das Nações Unidas, logo na dúzia de países ocidentais socialmente existente Tribunal Europeu dos Direitos
sua III sessão ordinária, adoptou e procla- mais evoluídos. A Declaração é, por do Homem.
mou a Declaração Universal dos Direitos enquanto, tão-somente ou pouco mais do Temos de reconhecer que a Amnistia
do Homem, com a recomendação de o que um projecto de vida, um ideal Internacional tem desempenhado um im-
seu texto ser “disseminado, mostrado, comum a ser atingido por todos os povos portante papel na denúncia e na inventa-
lido e explicado, principalmente nas esco- com o objectivo de cada indivíduo se riação periódica das violações. Mas, como
las e outras instituições educacionais, sem esforçar por promover o respeito pelos escreveu Medeiros Ferreira, não parece
distinção nenhuma baseada na situação direitos dos outros. realista imaginar que a defesa da Declara-
política dos países ou territórios”. Infelizmente, não foram grandes os pro- ção Universal dos Direitos do Homem po-
A Declaração baseava-se no “reconheci- gressos nos últimos cinquenta anos. Só em de ficar entregue a organizações não go-
mento da dignidade inerente a todos os guerras e perseguições raciais, religiosas vernamentais sem o protagonismo dos
membros da família humana e dos seus ou políticas morreram nesse intervalo tan- poderes públicos. Sem o empenhamento
direitos iguais e inalienáveis”, como fun- tos seres humanos como durante a Se- dos Estados não há defesa efectiva dos
damento da liberdade, da justiça e da paz gunda Guerra Mundial. A pena de morte, direitos humanos. A este respeito, dizia o
no mundo. a tortura e os maus tratos físicos e morais nosso Prémio Nobel de Literatura, aliás
Segundo o seu preâmbulo, o desprezo e ocorrem em todo o mundo, até no seio da sem grande originalidade, duvido que os
o desrespeito pelos direitos do homem ul- família. Milhões de seres humanos mor- governos façam, nesta matéria, nos próxi-
trajam a consciência da humanidade, im- rem de fome, de epidemias ou sem mos cinquenta anos o que não puderam
pondo-se que eles sejam protegidos pelo assistência médica. Um pouco por toda a ou não quiseram fazer nos cinquenta anos
império da lei, “para que o homem seja parte se encontram refugiados, desaloja- que agora celebramos. E dizia ainda “é
compelido, como último recurso, à rebe- dos ou mutilados. A justiça ou é lenta ou mais fácil ao homem chegar às pedras de
lião contra a tirania e a opressão”. precária ou não existe. Marte do que chegar ao seu semelhante”.
O objectivo principal da Declaração é Em relação aos tempos anteriores à Mas, apesar de todos os pessimismos, a
criar a compreensão de que “todos os ho- Declaração, houve uma forte melhoria na Declaração Universal muito contribuiu
mens nascem livres e iguais em dignidade denúncia das violações e na sua conde- para fazer do nosso século, como lhe cha-
e direitos” (...) “sem distinção de qualquer nação pela opinião pública internacional. ma João Paulo II, o século dos direitos
espécie, seja do sexo, língua, religião, Conseguiu-se uma acção notável das humanos.
opinião pública ou de outra natureza, grandes organizações internacionais, uma E. H. Serra Brandão
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