Page 109 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
14. OTELESCÓPIO DO COMANDANTE EUGÉNIO CONCEIÇÃO SILVA
O Comandante Eugénio Conceição Silva, durante muitos anos, habitou na Mata do Alfeite, podendo
assim beneficiar da relativa escuridão que, naquele tempo, aquela mata ainda podia proporcionar aos
amantes da observação astronómica.
Morava no Bairro dos Oficiais, no 1º andar duma das residências. Com o desejo fervoroso do Coman-
dante de, na parte superior do edifício, montar um observatório astronómico, foi indispensável cortar um
canto do telhado e proceder a uma intervenção na estrutura do imóvel, de modo a melhorar a distribuição
das novas cargas a suportar pelo prédio. A construção das placas de cimento e a montagem da cúpula foi
um trabalho complexo levado a cabo pela CANIM (Comissão Administrativa para as Novas Instalações da
Marinha) sob a direcção do Engenheiro Cabral. As obras de construção civil iniciaram-se em 1947 e
duraram cerca de um ano pelo que, em 1949, estava tudo praticamente concluído. Tudo se realizou com
o beneplácito e compreensão do Ministro da Marinha, Almirante Américo Tomáz.
A cúpula do observatório, formada por cantoneiras de ferro encurvadas revestidas de placas de zinco
soldadas à mão, dispunha de 4 portas corrediças, de forma a facilitar a pontaria dos futuros telescópios. As
portas eram activadas, manualmente, por meio de manivelas com roletes de desmultiplicação. O movi-
mento giratório da cúpula efectuava-se sobre rolamentos de esferas, numa calha de ferro circular com
cerca de 5 metros de diâmetro. Uma parte significativa dos mecanismos de precisão e das estruturas de
apoio à óptica foi executada pela oficina da Esquadrilha dos Submarinos que estava tecnicamente muito
bem apetrechada e na qual o Comandante Conceição Silva tinha já prestado serviços de vulto à
Esquadrilha.
Neste observatório do Alfeite o Comandante com a ajuda de alguns entusiastas montou o grande
telescópio reflector de 500mm, por si idealizado e construído e que, ao tempo, era o maior telescópio
reflector em serviço na Península, pois apresentava as seguintes características:
• Montagem equatorial inglesa, em berço
• Abertura 500 mm
• Distância focal: 3 m – Newton e 9 m – Cassegrain
• Movimento horário estabilizado por um regulador centrífugo Watt.
Acoplou ainda ao foco Newton uma câmara fotográfica francesa, com campo corrigido, segundo modi-
ficações por si mesmo sugeridas. O próprio Comandante construiu paciente e persistentemente quase toda
a óptica que utilizou.
Segundo se depreende da revista “Scientific American”, de Setembro 1952, este telescópio de 500 mm
estaria já nesta data pronto a observar estrelas variáveis e fazer fotografia celeste de objectos até à m=15.5
e com a declinação máxima de 75º N.
Como muitos sabem, o Comandante Conceição Silva realizou um amplo programa fotográfico de
âmbito astronómico, a ponto de mais de cinco dezenas das suas fotografias figurarem em publicações
internacionais de renome e igualarem em qualidade – e muitas vezes superarem – os trabalhos idênticos
dos observatórios oficiais.
Após o seu falecimento, a Família legou a sua biblioteca astronómica ao Planetário Calouste
Gulbenkian, em Belém, tendo-se ainda conseguido recolher do observatório do Alfeite algum material
fotográfico e de óptica que figuram em exposição na galeria daquele Planetário, tal como sucede com o
grande telescópio de 500 mm.
Este telescópio constitui assim uma peça histórica reveladora da imaginação e tenacidade do grande
astrónomo amador que foi o Comandante Conceição Silva, que dignificou a Marinha e prestigiou o País
nos meios astronómicos internacionais do seu tempo.
Planetário Calouste Gulbenkian
(Texto – J. Cyrne de Castro - CMG)
NOTA: Alguns elementos aqui mencionados foram gentilmente cedidos pelo Gen. Tomás Conceição Silva, ex-oficial da Armada e
filho do Comandante Eugénio Conceição Silva.