Page 181 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
49. O RETRATO DE GINA DA “PERO ESCOBAR”
A “Pero Escobar” era uma fragata ligeira (1250 ton), cedida pela NATO a Portugal. Foi construída nos Esta-
leiros de Castellamar di Stábia em Itália e aumentada ao Efectivo dos Navios da Armada em 30 de Junho de
1957. Era um navio sob o ponto de vista bélico deficientemente equipado, mas possuía uma instalação pro-
pulsora poderosa constituída por 2 turbinas ANSALDO de 2X12000 SHP e 2 caldeiras aquitubulares de alta pressão
FOSTERWHEELER que lhe proporcionavam uma velocidade máxima muito significativa de 33 nós.
Face às suas características era utilizada normalmente em missões de fiscalização e controlo do mar, via-
gens de instrução e soberania.
Talvez por ser um navio muito bonito designadamente na convergência das linhas de proa e do convés, assim
como na forma da chaminé e sua inserção nas superestruturas, desde muito cedo, na gíria naval a fragata passou
a ser conhecida por “Gina”, e era muito vulgar nas conversas entre marinheiros quando se abordava a fragata,
esta ser tratada apenas por aquela designação. Obviamente que a comparação tinha a sua lógica na harmonia
entre as linhas do navio e as da artista de cinema Gina Lollobrigida e ainda porque ambos eram originários de
Itália. Efectivamente Lollobrigida era na época uma actriz italiana de grande popularidade, muito conhecida
pela sua beleza. Interpretou diversos filmes tendo ficado célebre a sua actuação na película “O Trapézio”.
Certo dia em Março de 1962, o navio depois de escalar o Porto Grande de S. Vicente de Cabo Verde e Bissau,
em viagem de instrução de cadetes, chega ao Funchal, porto onde é oferecida uma recepção às autoridades lo-
cais. Entre os convidados encontrava-se o Consul Geral da Itália, Senhor Emanuele Valle, pessoa muito popular
no meio local, que em conversa amena com os oficiais e cadetes ficou a saber que a fragata era conhecida por
“Gina” e das razões que a tal levaram.
Apesar de não conhecer pessoalmente a célebre actriz, talvez por razões de nacionalidade ou até pelas fun-
ções que desempenhava, mas principalmente pela sua maneira de ser, o Sr. Emanuele Valle escreveu a Gina
Lollobrigida contando-lhe o caso.
O tempo foi passando e um dia em Agosto com o navio atracado na Base Naval de Lisboa, o Comandante
entra a bordo trazendo um grande envelope, devidamente cartonado e dirigindo-se para a Câmara de Ofi-
ciais, estava-se perto da hora do almoço, abre a encomenda, e qual não foi o nosso espanto quando com
uma carta do Consul surge uma enorme fotografia da actriz italiana com a seguinte dedicatória:
Al Comandante e agli Ufficiali della NRP “Pero Escobar” con l’augurio sincero che la loro
bella nave esca sempre vittoriosa da qualunque cimento.
Roma 1962 Gina Lollobrigida
—
Ao Comandante e Oficiais do NRP “Pero Escobar” com o voto sincero de que o seu belo navio
saia sempre vitorioso de todos os perigos.
Roma 1962 Gina Lollobrigida
Tratava-se de um belíssimo retrato de Gina, de perfil, ostentando um lindissímo diadema de brilhantes.
Surgiu então uma questão complicada. A Câmara de Oficiais da “Pero Escobar” era relativamente pequena,
estando as anteparas quase completamente ocupadas com armários e vigias, excepto num local onde já se en-
contrava a fotografia do Presidente da República.
A colocação da fotografia de Gina na Câmara como era vontade de todos constituía o problema. Mas eis que um
dos oficiais presentes teve um vislumbre e em tom muito respeitador dirigiu-se ao Comandante afirmando que – uma
vez que o Comandante tinha na sua Camarinha o estandarte nacional e era ali que tratava dos assuntos oficiais, se-
ria natural que também lá tivesse a fotografia do Presidente da República. A ideia a todos convenceu, incluindo o
Comandante e assim a fotografia de Gina Lollobrigida pôde ser colocada na Câmara de Oficiais.
Mais tarde o Comandante e os Oficiais num gesto de reconhecimento e agradecimento,enviaram para Gina
Lollobrigida uma grande fotografia do navio com as seguintes palavras:
À grande actriz Gina Lollobrigida, o Comandante e Oficiais do NRP “Pero Escobar” na homenagem
à eterna beleza e harmonia de linhas. Lisboa – 1962.
Na Câmara de Oficiais da “Pero Escobar” o retrato era o orgulho da sua guarnição e motivo de visita de
muitas pessoas que o queriam admirar. Quando o navio foi abatido em 1976, a sua última guarnição, num
gesto digno de louvor, não se esqueceu de remeter a já famosa fotografia para o Museu de Marinha.
E, é pois no Museu de Marinha, que se encontra o retrato de Gina Lollobrigida, que perpetua não só a famosa
actriz, mas recorda também a fragata “Pero Escobar” e as suas guarnições, no terceiro quartel do século XX.
Museu de Marinha
(Texto de Luís Roque Martins, CALM EMQ –
– Director da Revista da Armada)