Page 194 - Revista da Armada
P. 194

Duarte Pacheco Pereira
                   Duarte Pacheco Pereira


                                  Saber e Experiência
                                   Saber e Experiência


               urante muito tempo Duarte Pacheco  lugares e rios da costa da Guiné, dos quais, em tem-  mento mercantil.(6) Desta maneira interessava:
               Pereira foi encarado, sobretudo, como  po do Infante Dom Anrique e del-Rei Dom Afonso,  “ [...] tudo o que toca à marinharia e cosmografia[...]; e
         Dguerreiro e combatente heróico. Só em  a costa do mar somente era sabida sem saber o que  portanto serão aqui decraradas tôdalas rotas, s. como se
         finais do século XIX se descobriu a sua, e até  dentro neles era;[...]”(4). Esta passagem, muito  jaz um promontório ou lugar com outro, e isto porque
         agora única, obra manuscrita: O Esmeraldo de  citada, demonstra que no tempo do «Príncipe  esta obra leve ordem e fundamento, e a costa mais se-
         Situ Orbis. De então para cá muito se avançou  Perfeito» se deram passos decisivos para um co-  guramente se possa navegar, e o mesmo as conhecenças
         no conhecimento desta figura, a todos os tí-  nhecimento mais seguro e profundo da África  das terras e assi onde estão as baixas, que para isto é
         tulos notável, dos Descobrimentos                                           muito necessário saber-se;[...]”.(7)
         Portugueses.                                                                  A descrição dos litorais, das conhe-
           Logo em 1892, quando decorriam as                                         cenças úteis à navegação, e de valiosas
         comemorações do centenário do desco-                                        informações acerca das etapas do desco-
         brimento da América, Raphael Eduar-                                         brimento geográfico, cruzam-se com mi-
         do de Azevado Basto fazia a primeira                                        nuciosas observações de carácter eco-
         edição crítica do Esmeraldo, juntando-                                      nómico e antropológico dos povos da
           -lhe um estudo, muito completo, da                                        África Ocidental, que o autor refere
         vida e da obra do navegador. Seguiu-                                        como “[...]natureza e gente desta Etiópia
         -se a edição, da mesma obra, por Epi-                                       e o seu modo de vida, e assim direi do comér-
         phanio da Silva Dias em 1905; a edição                                      cio que nesta terra pode haver[...]”.(8)
         inglesa de George T. Kimble de 1937; a                                         Bartolomeu Dias, em 1488, no re-
         edição portuguesa, em 1954, pela mão                                        gresso da viagem que o imortalizou
         de Damião Peres; e ainda uma edição                                         encontra, segundo João de Barros (9),
         monumental comentada e anotada                                              Duarte Pacheco, caualeiro da casa del rey
         por Barradas de Carvalho em 1991.                                           muy, moribundo a bordo de um navio
         No entanto, os passos decisivos para                                        junto da Ilha do Príncipe, acabando por
         um conhecimento mais aperfeiçoado                                           traze-lo de volta ao reino, depois de fa-
         da vida e da obra de Duarte Pacheco                                         zer escala em S. Jorge da Mina.
         vieram a revelar -se nos trabalhos eru-                                        Presume-se que de Janeiro a Outu-
         ditos do referido Joaquim Barradas de                                       bro de 1490, o navegador, fez parte da
         Carvalho (1), que dedicou uma vida in-                                      guarda pessoal de D. João II.
         teira ao seu estudo, e nos últimos escri-                                     Os seus conhecimentos cosmográfi-
         tos, que ficaram inéditos, legados pelo                                      cos e a sua experiência naval levaram,
         Almirante Avelino Teixeira da Mota à                                        certamente, o soberano a incorporá-lo
         posteridade. Ultimamente evidencia-                                         na delegação portuguesa que, na lo-
         ram-se as contribuições de Luís Filipe                                      calidade de Tordesilhas, tenta encon-
         Barreto e Jean Aubin.                                                       trar uma saída, através de negociações
           Herói militar, navegador e cosmógra-  Duarte Pacheco Pereira.             com os castelhanos, para os complexos
         fo, autor de um famoso escrito que é dos                                    problemas levantados pela viagem que
         mais representativos da denominada literatura de  Ocidental e dos seus povos. Tal conhecimento  Cristóvão Colombo acabara de efectuar em 1493,
         viagens, Duarte Pacheco Pereira nasceu em Lis-  revelou-se de grande importância estratégica  revelando terras a ocidente. Com a iniciativa de
         boa por volta de 1460, o ano em que o Infante  para atingir, mais tarde, o tão apetecido mercado  Colombo ruía o tratado diplomático de Alcáço-
         D. Henrique falecia.(2) Das suas ligações fami-  das especiarias no continente asiático. Por um  vas(1479), firmado entre as Coroas portuguesa
         liares sabe-se que era descendente de Diogo Lo-  lado a Coroa apostava na eficiência dos meios  e castelhana, e com ele toda uma antiga ordem
         pes Pacheco, um dos homens que participou na  de que dispunha, e na segurança das singradu-  naval, comercial e diplomática.
         execução de D. Inês de Castro; neto de Gonçalo  ras atlânticas, ou seja, fomentando a feitura de   Ainda hoje se discute com animado fulgor
         Pacheco, tesoureiro da casa de Ceuta e um dos  novos regimentos e o estudo das rotas (5); por  se Pereira esteve, ou não, no ano de 1498 em
         muitos servidores do Infante D.Henrique; e filho  outro, estabelecia relações económicas com os  território sul-americano. A polémica passagem
         de João Pacheco que fez parte de uma expedição   potentados africanos – fundando entre -postos  no Esmeraldo  - L.º 1 Capitº 2º - que refere “uma
         contra os turcos no Mediterrâneo oriental, vindo  comerciais como a  rendosa feitoria da Mina –, o  tão grande terra firme”, tem deixado em aberto
         a morrer em combate na praça de Tânger.  que tornou  exequível a acumulação dos fundos  diversas questões, muito embora a historiogra-
           Ao longo do seu único trabalho escrito, que  necessários para o prosseguimento das explora-  fia mais recente tenda a aceitar, como dado ad-
         até nós chegou,  constata-se que Duarte Pache-  ções marítimas, pois á medida que as viagens  quirido, o pré - descobrimento do Brasil por
         co Pereira teve um papel activo como navega-  se prolongavam em direcção a espaços desco-  parte de Pacheco Pereira. O problema pode
         dor e roteirista, fundamentalmente, nos rios da  nhecidos cresciam as despesas em mantimentos,  estar, porém, mal colocado.
         Guiné e um pouco por todo o litoral ocidental  homens, construção naval e apetrechos neces-   Como constatou o Professor Francisco Con-
         africano.(3) No prólogo do livro confirma o seu  sários ao equipamento das armadas.  tente Domingues (10), o navegador não “des-
         envolvimento nas explorações africanas, duran-   Um dos propósitos que motivou Duarte Pa-  cobriu” o Brasil, porque o Brasil não tinha lu-
         te o reinado de D. João II: “[...] e por não alargar  checo a passar a escrito os seus conhecimentos  gar na sua concepção de Mundo, isto é, não
         mais a matéria, leixo de dizer as particularidades de  práticos parece ter sido, como bem lembra  o Pro-  está em causa a existência de uma nova terra,
         muitas cousas que este glorioso Príncipe mandou des-  fessor Luís Filipe  Barreto, o imediato interesse  muito menos de um novo continente. Tudo se
         cobrir por mim e por outros seus capitães em muitos  duma prática náutica ao serviço do empreendi-  resume a uma ideia de espaço terrestre, pro-

         12  JUNHO 2003 U REVISTA DA ARMADA
   189   190   191   192   193   194   195   196   197   198   199