Page 249 - Revista da Armada
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minha bombástica saudação. Senti, então, ir- ria a voltar-se contra o feiticeiro: pouco tem- Foi a “Nossa Mais Bela” a primeira a recom-
romperem atrás de mim risinhos nervosos e po depois, durante uma amena cavaqueira de por-se e a explicar ao grego que o que ele tinha
pequenas exclamações de surpresa: grupo, uma distinta – e mais antiga! - oficial acabado de dizer se traduzia por “you are good
- Olha, olha! Este, afinal, é português! Com da nossa delegação (que nós secretamente as popcorn”, que em Português significa algo
esta é que nos tramou!... designávamos por “a nossa mais bela repre- como “és bondosa como as pipocas”(!). Natu-
A partir dali o nosso relacionamento foi sem- sentante” ou, simplesmente, num feliz troca- ralmente esta atabalhoada tradução deixou o
pre o mais cordial possível e acabei, até, por dilho entre o tratamento militar e o seu nome Georgios ainda mais confuso, sem compreen-
descobrir que uma das “pequenas” simpati- próprio, por “a Nossa Mais Bela”) dirigiu-se ao de o motivo pelo qual uma frase tão inocente
zava comigo por eu lhe fazer lembrar o filho meu companheiro de quarto, perguntando-lhe (e uma comparação tão idiota!) pudera causar
– um “marmanjo” tamanho “XL” – que, apesar se o seu “camaroteiro” já o tinha ensinado a tamanho burburinho.
de muito mais novo, deitava um corpinho de falar Português. Perante a resposta afirmativa, Certo é que durante vários dias fui alvo de
estatura semelhante à minha. desafiou-o, então, a dizer “qualquer coisita”. olhares reprovadores por parte daquela nos-
Calhara-me, entretanto, “na rifa” partilhar E o bom do Georgios não se fez rogado, dese- sa camarada. A coisa lá acabou por com-
o quarto com um capitão do Exército grego, joso que estava de demonstrar a qualidade do por-se, mas só depois de duas ou três danças
Georgios de seu nome, que fez o favor de me professor que tivera: numa pose de Casanova, bem rodopiadas na festa de encerramento do
ajudar a relembrar as expressões de cortesia dirigiu um olhar sedutor à sua interlocutora e exercício.
que eu tinha aprendido durante a minha es- disparou sem mais aquelas: Apesar de tudo, não foi este o episódio mais
tadia em Creta dois anos antes. Em troca, pe- - Éish buôa cum’ó mi’io! embaraçoso da minha carreira naval. Lem-
diu-me que lhe ensinasse alguns galanteios Orgulhoso do seu feito, não terá, decerto, bro-me, por exemplo, de uma situação em
que pudesse dirigir às senhoras portuguesas… compreendido o motivo pelo qual a dama fi- que perdi, de modo flagrante, uma excelen-
Acedi ao pedido, mas não resisti à tentação de cara paralisada, com a boca escancarada e os te oportunidade de ficar calado. Mas isso já é
o fazer com alguma malandrice, substituindo olhos desmesuradamente arregalados, enquan- outra história…
a “cartilha do marialva” pelo “dicionário de to eu, longe de lhe mostrar uma expressão de Z
calão de rua”. aprovação, desviava a cara e assobiava para o J. Moreira Silva
Mal podia adivinhar que o feitiço não tarda- ar, como se não tivesse nada a ver com a cena. CTEN
Atlas de Portugal: uma obra com novas
Atlas de Portugal: uma obra com novas
representações do território nacional
representações do território nacional
O sente nas representações cartográficas deste Atlas: mapas eloquentes
novo Atlas de Portugal, publicado em 2005 por iniciativa do lugares, de um povo ou de uma paisagem. Tudo isto está muito pre-
Instituto Geográfico Português, foi apresentado publicamen-
te em Março de 2006 durante uma cerimónia nobre que baseados em taxinomias organizadas à escala nacional, mostrando as
decorreu na prestigiada Sociedade de Geografia de Lisboa. Com o marcas estruturantes do País; mapas com classificações optimizadas re-
aparecimento deste Atlas Portugal ficou mais rico e a Geografia por- velando a expressão espacial das assimetrias; mapas identificando as
tuguesa também. Ficou o País por hierarquias, através de informação
ter colocado à disposição de um representada em função da propor-
público alargado, nomeadamente cionalidade.
dos estudantes de todos os níveis Um mapa pode representar a
de ensino, uma obra de referên- singularidade de um País desde
cia elaborada por uma prestigiada que construído não na base da co-
equipa multidisciplinar coordena- lecção de factos, de curiosidades
da cientificamente pela Geógrafa e isoladas, mas sim na combinató-
Professora Catedrática Raquel So- ria de variáveis e indicadores, para
eiro de Brito. Ficou também mais demonstrar distribuições e relações
rica a Geografia portuguesa por geográficas, espacial e temporal-
ver concretizado um espaço de mente complexas, que explicam
representação cartográfica actua- muito do território observado no
lizada do território nacional com terreno. Este Atlas negou a repre-
apelo intensivo às novas tecnolo- sentação do “facto curioso” e colo-
gias de informação geográfica. Neste aspecto, como em tantos ou- cou o mapa no lugar de prestígio que merece: o de ser uma peça funda-
tros, este Atlas marcará a História dos Atlas em Portugal. Ao recorrer mental do discurso e não apenas uma ilustração, quiçá menor, das ideias
aos Sistemas de Informação Geográfica criou a oportunidade para se com que se constrói o conhecimento de um território. E frequentemente
tornar rapidamente num “Atlas electrónico” para plataformas Web considerou a variável tempo, variável que explica muito as permanên-
que, por essa via, contribuirá para a Sociedade da Informação e do cias e as mudanças observadas nas paisagens portuguesas.
Conhecimento que se deseja potenciar em Portugal. A tecnologia actualmente disponível permite que o Atlas de Portugal
O Atlas está estruturado em quatro grandes partes intituladas: i) Um tenha uma muito ampla difusão, difusão que a obra cientificamente me-
País de Área Repartida; ii) Os Homens e o Meio; iii) O País Socioeco- rece e que socialmente se exige. À criação de mapas temáticos agora
nómico; iv) Portugal num Mundo de Relação. Esta estrutura e os tipos publicados em papel deve suceder-se a sua colocação em rede, de for-
de leitura que dela se pode reter estão sintetizados num texto de fecho ma a garantir um célere acesso por parte dos cidadãos, independente-
da obra, com autoria do Professor Ernâni Lopes. Detenhamo-nos, con- mente do lugar em que se situem. Estamos convictos que esta obra em
sequentemente, na questão das representações cartográficas. muito servirá os políticos, os decisores e os gestores que têm a respon-
Um mapa pode representar um jogo de escalas. Um jogo entre o ge- sabilidade de criar o quadro territorial português do futuro.
nérico e o particular, revelando as assimetrias, as hierarquias existentes, Z
a importância relativa dos lugares. A informação geográfica que lhe dá José António Tenedório
origem deverá exprimir, ainda que parcialmente, a identidade desses Geógrafo, Professor da Universidade Nova de Lisboa
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2006 31