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Setting Sail
Setting Sail
19. PALHABOTE
O termo palhabote designa o veleiro latino que arma com dois mastros e prolongado com o navio, ou ainda a espécie de braçadeira em metal que
mastaréus de lugre. Em ambos os mastros deita velas latinas quadrangulares numa pequena embarcação aguenta o mastro para a bancada O mesmo
armadas com retranca e carangueja, podendo largar gavetopes nos respec- que garlindéu ou garlindréu.
tivos mastaréus. Regra geral esta armação dispõe de gurupés onde fazem
arreigada os estais que aguentam o aparelho para vante, podendo aí, actu- Guinda – Denominação sinónima da altura de um mastro ou mastaréu,
almente, envergar até três panos de proa. podendo igualmente ser usada para designar a altura tomada a meio numa
Etimologicamente, o termo palhabote derivou da expressão inglesa pilot vela redonda, na valuma de uma vela latina quadrangular ou no gurutil de
boat, que significa barco de piloto. Embora a designação iate de vela seja uma vela latina triangular.
também frequentemente utilizada para caracterizar este tipo de aparelho, Mareação em leque – Esta técnica consiste em marear as diferentes vergas
subsistem no entanto algumas pequenas dissemelhanças entre estas duas ar- redondas de um mastro com um ângulo ligeiramente crescente, no sentido
mações. A primeira, e talvez aquela que assume menor relevância, tem a ver ascendente. Tem como objectivo optimizar o rendimento de cada uma das
com o facto da expressão «iate de vela» ser por norma associada a um barco velas uma vez que devido ao atrito a intensidade do vento, e consequente-
de competição ou de recreio, embora no passado, tanto em Portugal como mente a respectiva marcação, sofrem uma apreciável variação, em particu-
no estrangeiro, esta tenha também constituído sinónimo de barco do Estado lar nos primeiros 30 metros de altura.
para transporte de pessoas de particular distinção, nomeadamente membros
da família Real. Além disso, o aparelho do iate encerra três outras particula- Mastro do mestre – Designação igualmente utilizada para apelidar o
ridades que o distinguem do palhabote: em primeiro lugar um pronunciado mastro da mezena.
caimento do mastro grande em relação ao traquete, além de que, por norma, Mastros – Gurupés (A), traquete (B) e grande (C).
este não dispõe de mastaréus nem da vela de proa denominada giba.
Quanto à sua raiz também o termo iate parece encontrar origem na lín- Mastaréus – Pau da bujarrona (D), mastaréu do traquete (E) e mastaréu
gua inglesa – yacht –, não obstante todos os indícios apontarem no sentido do grande (F).
deste ter tido génese no holandês antigo jaght, que actualmente subsiste no Mesa das malaguetas – Designação pela qual é conhecida a prancha de
flamengo contemporâneo como jacht. Presumivelmente utilizado no apa- madeira existente nos navios de vela, normalmente cavilhada para o cos-
relho dos veleiros que serviam para dar caça (jagen) a outros navios, a ter- tado ou para o convés, dotada de furos onde são colocadas as malaguetas
minologia flamenga deixa ainda entreaberta a possibilidade de, em sentido que recebem as voltas dos cabos de laborar (e.g. estingue, escota, amantilho,
mais lato, o termo poder ser igualmente sinónimo de leve, rápido ou mesmo abraçadeira, carregadeira, etc.). Regra geral as mesas de malaguetas tomam
barco pirata. Neste sentido, não nos parece pois despropositado considerar o nome do mastro cujos cabos recebem.
que, em determinadas alturas, este peculiar navio pudesse por vezes encer-
rar em simultâneo todas as características mencionadas. Palha – Termo utilizado para caracterizar a grossura ou secção de um
O barco de piloto – pilot boat –, com a função que hoje lhe associamos, mastro, mastaréu ou verga. Ter muita palha significa possuir grande grossu-
terá surgido pela primeira vez nos Estados Unidos em finais do século XVIII, ra, embora na gíria de bordo seja utilizado como sinónimo de alguém que
destacando-se pelo facto de contar com uma enorme superfície vélica. Esta é muito gordo.
característica, aliada a um casco de formas finas e elegantes, permitia-lhe Palhaboteiro – Designação pela qual é conhecido o mestre ou tripulante
atingir boa velocidade, à qual se somava ainda uma elevada manobrabilida- de palhabote, nomeadamente no Brasil.
de. A evolução do comprimento do gurupés, só possível com a introdução de
melhorias significativas na estrutura e rigidez do casco, tornaram praticável, Velas de proa – Vela de estai (1), bujarrona (2) e giba (3).
já no século XIX, a existência de três velas de proa em vez de uma só, como
era timbre nos navios mais arcaicos dotados deste tipo de armação. Velas do traquete – Traquete latino (4) e gavetope do traquete (5).
Recordamos ainda que os veleiros vencedores das quatro primeiras edi- Velas do grande – Vela grande (6) e gavetope do grande (7).
ções da famosa Taça América – América (1851); Magic (1870); Columbia e
Sappho (1871); e Madeleine (1876) –, armavam em palhabote, o que desde Vela áurica – Vela latina quadrangular que enverga em carangueja ou
logo diz bem da sua especial propensão para um desempenho exigente ao verga de espicha. O mesmo que vela auricular.
nível da velocidade, em particular com ventos relativamente fracos.
Zincos – Nome dado às placas de zinco laminadas que se fixam ao
Amante do mastaréu – Nome que recebe cada um dos dois cabos pas- casco, nomeadamente perto do hélice, com o objectivo de minimizar a
sados ao alto em moitões, tendo como finalidade içar os mastaréus. De sa- corrosão galvânica do bronze pela presença do aço que constitui o navio,
lientar que num dos chicotes dispõe de mão onde é engatado o aparelho e que no essencial é desencadeada pela acção electrolítica do sal conti-
de força. do na água do mar.
Caimento (α) – Nome dado ao grau de inclinação para ré dos mastros Com este número dedicado ao palhabote conclui-se o segundo bordo
e mastaréus de um veleiro, ou chaminé de um navio de propulsão mecâ- do Setting Sail. Dado a abrangência do título, estamos certos de que mui-
nica, relativamente à vertical. No entanto este termo é mais comummente to terá ficado ainda por dizer, pelo que aguardaremos o aparecimento de
associado à diferença de calados a vante e a ré. Neste segundo sentido, a vento favorável que nos permita prosseguir a navegação iniciada há mais
existência de caimento leva ao assumir implícito de que o navio se encon- de dois anos.
tra mais metido de popa. A terminar queremos publicamente agradecer à Aida Colaço e ao José
Cabrita a preciosa colaboração que ambos nos dispensaram, sendo de
Escoteira – Nome pelo qual é conhecido o madeiro existente no convés realçar que sem ela não nos teria sido possível dar corpo nem assegurar,
no interior da amurada e em ambos os bordos, em cujas malaguetas dão durante catorze meses, este espaço de excelência que é a contracapa da
volta alguns cabos de laborar (e.g. briol, apaga, talha do lais, serzideira, Revista da Armada.
braço, ostaga, etc.)
Galindréu – Tipo de ferragem situada na extremidade de vante da retran- António Manuel Gonçalves
ca, ou pé dum pau de carga, cuja finalidade é ligá-los ao mastro, mas não CTEN
inibindo o seu movimento. Pode também ser a ferragem de uma verga que am.sailing@hotmail.com
abraça o mastro, que aguenta o pau de surriola quando este se encontra Desenho Aida Colaço e António Gonçalves