Page 35 - Revista da Armada
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Um Anjo apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma contigo o
menino e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise pois Hero-
des vai procurar o menino para o matar. José levantou-se, partiu para o Egito
e ali permaneceu até à morte de Herodes»
Mt. 2, 13-15.
NATAL: UM APELO HUMANIZADOR
O conceito de Natal também é rico do ponto de vista interpretativo. As lágrimas têm o mesmo sabor das que vemos em imagens do
Nesta nossa intervenção, não pretendemos ser exclusivistas, mas fim da II Guerra Mundial.
também não queremos ficar numa visão redutora que se contenta Mas são de pessoas como nós. Homens, mulheres e crianças.
em definir esta quadra como um evento rodeado de neve e de pre- Sei que este é um fenómeno complexo, que não deve ser analisa-
sentes e que serve para animar todo o tipo de festas. do de ânimo leve, mas deixamos a pergunta:
“E se fôssemos nós?”. E se um dia formos nós a ter de fugir?
Gostávamos que à nossa proverbial solidariedade, aos gestos mais Eles andam perdidos, mas nós não os podemos perder e não fazer
simples de uma maior proximidade física e sentimental com a família nada é ausentar-nos por omissão. E isso não é virtude.
e com os outros em geral, tentássemos juntar algo mais. Muitos países têm-lhes fechado as portas, mas muitos outros dão-
-lhes o direito de sobreviver.
E isto, quer sejamos crentes, não crentes ou descrentes. A história do cristianismo está repleta de histórias de refugiados.
De facto, o mundo (essa tal “aldeia global”) vive nos dias de hoje Segundo a Bíblia e a tradição cristã mais genuína, Jesus recém-
a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, sendo já con- -nascido acompanhado da sua família – por razões que tiveram a ver
siderada uma das maiores crises de refugiados de que há memória. com a sua própria sobrevivência – tornou-se um dos mais famosos
Há mais de um ano, milhares de pessoas estão em fuga de países refugiados da história, sendo na altura o Egito a terra que O acolheu.
em guerra. Não interessa as suas convicções religiosas, mas muitos E ao longo de muitos séculos, o saber acolher foi sempre uma das
até são cristãos. imagens de marca do cristianismo.
Foram escorraçados das suas casas e das suas ideias ficando sem Não basta ficarmos sentados no sofá e enchermo-nos de pena
nada e vivendo agora em contentores. quando certas imagens nos entram pela porta adentro.
São famílias inteiras que, no meio do pó da estrada, buscam um Alguns deles já chegaram a Portugal. Quem sabe, alguns até virão
asilo em algum sítio. a ser nossos vizinhos.
No meio de tudo isto, há milhares de pessoas que são subjugadas Quando nos cruzarmos com eles e os soubermos acolher, acon-
por traficantes a quem deram tudo. tecerá Natal.
Dizem que no rescaldo da II Guerra Mundial, com uma Europa to- Aí sim, cumprir- se - á Belém, porque verdadeiramente natalício, é
talmente destroçada, era frequente ver no meio das ruas carregadas ter atitudes de autêntico humanismo.
de ruínas, milhares de pessoas vagueando e de mãos vazias. A todos os membros da família naval, de um modo especial os que
Hoje, nos alvores do século XXI, o cenário repete-se. passarão este Natal longe de casa por imperativos militares, endere-
São aos milhares os que buscam na Europa uma vida com alguma çamos os votos de que nos tornemos mais próximos pela construção
dignidade. da verdade e da paz.
Vêm de muitos sítios: da Líbia, da Eritreia, do Iraque, da Síria, do E viveremos, igualmente, as saudades dos que nos deixaram pela
Afeganistão… morte.
É gente que transparece claramente um clima de pânico e medo Na aurora do “Ano da Misericórdia” (o Papa Francisco assim o
evidentes. E sempre de mãos vazias e com lágrimas nos olhos. quis), façamos nossa a esperança de todos aqueles que, apesar de
tudo, acreditam que o amanhã pode ser melhor.
Um santo Natal para todos.
Fernandes da Costa
CMG CAP