Page 102 - Revista da Armada
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cansados, mas nunca seguros, quando dois ou mesmo os três
cronómelros marca\1l.m a mesma hora.
E curioso mencionar que nos meados do século passado,
a Marinha inglesa fornecia a cada navio apenas um cronóme-
tro, mas se O comandante, consciente da necessidade de efec-
tuar uma boa navegação adquiria, ou trazia para bordo um se-
gundo cronómetro. recebia, oficialmente, um terceiro. Não co-
nhecemos regulamentaÇãc si.rrlllar na nossa Marinha, mas sa-
bemos que havia comandantes de naVios nacionais que pos-
suíam os seus próprios E:ron-Ómetros.
O cronómetro é, então, um grande senhor a bordo dos na-
vios. Há que tratá-lo com todo o respeito. com o máximo de
cuidado. Publicam-se normas, tomam-se medidas. para que os
cronómetros mantenham o seu bom funcionamento.
Para o transportar, trava-se o sistema de suspensão, fecha-
-se a caixa que se mete numa outra almofada, que dispõe de
uma correia de suspensão. No escaler. durante os trajectos en-
Ire o navio e terra. é recomendado que a caixa se conserve sus-
pensa nas mãos e entre os joelhos.
A bordo deve colocar-se o cronómetro, ou cronómetros, em
lugar pouco húmido. junto ao centro de gravidade do navio. lon-
ge das grandes massas de lerro e dos dínamos. Os eixos do
sistema de suspensão devem ficar segundo as linhas longitudi-
nal ~ transversal do navio.
A corda é dada todos os dias, mesmo quando, mais moder-
namente. eta tem duraçãO para uma semana. Chega a contar-
-se o número de valIas da chave para que seja sempre o mes-
mo. Enfim, tudo se faz para manter uma rigorosa rotina. Para
não se esquecer de dar corda, o encarregado de navegação,
por vezes, escreve com sabão, um aviso no espelho do seu ca-
marote. E quando sabe que o oficial arti!heiro anda a congemi-
nar exercicios de tiro que podem afectar o cronómetro zanga-
'se, e procura convencer o comandar:lte das graves conse-
quências que podem advir para a navegação.
Quando o navio entra no porto é ocasião de verificar o esta-
do dos cronómetros e a sua marchaf). Se existe um observató-
rio astronómico podem, então. ser ali comparados. Mas em
caso negativo, e se se tem confiança na longitude indicada na
carta do local onde o navio se encontra. é necessário calcular
a hora do meridiano de referência, o que pode ser leito a partir
da altura do Solou de outro aslro, e assim determinar-se o esta-
do do cronómetro. A repetição, por vários dias, deste cálculo,
permitirá deduzir se a sua marcha é regular e de poucos segun-
dos, como é desejável.
Na segunda metade do século XIX, já vários portos pos-
suem dispositivos para informar a hora oficial. Em Lisboa exis-
tiu desde 1855 um balão que. ao cair de um mastro instalado
num dos edificios do Arsenal da Marinha, anunciava as 13.00
horas. Como o sistema era manual e não oferecia confiança foi
substituido em 1885 por um sistema eléctrico que funcionou até
1915(').
Cronómetro de Joseph Sewifl, fabrico ingf~s de cerca de 7875 (Colec- No dia 23 de Maio de 1910. tem lugar um acontecimento ex-
ção do Museu de Marinha, em Usboa). traordinário para a vida do cronómetro. Do alto da torre Eiltel,
em Paris, começa a ser emitido com regularidade, por ondas
hertzianas. o sinal horario. Um posto emissor de 40kw conse-
Porém, apesar da sua indiscutlvel utilidade, o cronómetro gue atingir durante a noite 5200 quilómetros em condições fa-
demora a entrar a bordo dos navios, pois exigia uma tecnologia voráveis. De dia o sinal horário não ultrapassa metade daquela
que poucos fabricantes conseguiam dominar. Por isso, os cro- distãncia, mas o importante é que o cronómetro de bordo ganha
nómetros eram raros e caros. Até ao fim do século XVIII, mes- um novo alento. Passa a ser possível controlar diariamente a
mo em Inglaterra, pais onde existiram oficinas de grande prestí- sua marcha e ter a hora e)(acta a bordo dos navios. Alguns anos
gio, poucos foram os navios que deles dispuseram. depois, o sinal horário já era transmitido para todos os recantos
Ficamos admirados que tenham sido necessários mais de do globo. O cronómetro é, então. um instrumento perfeitamente
cem anos para que o cronómetro de bordo comum alcançasse realizado, ao mesmo tempo que a era da electrónica, embora
o elevado grau de eficiência que era desejado. De facto. só em timidamente. dava entrada na apaixonante história da navega-
meados do século XIX tal foi conseguido, o que coincide com ção.
a época em que o cronómetro, tendo um preço mais acessível,
passou a ter uso generalizado. Em Novembro de 1968, o tradicional cronómetro cede lu-
Contudo. na impossibilidade de se poder fazer uma verifi- gar, na Marinha inglesa. a um relógio cronométrico. mas man-
cação. a existência de um cronómetro deixava o encarregado tém-se ainda nos navios auxiliares; em 1981 todos os cronóme-
de navegação sempre na dúvida, pois nunca sabia se, efectiva-
mente. a hora do cronómetro era a correcta. mesmo quando de
(') Estado é a correcção, sempre de sinal +. que se junla a hora
facto era.
Para obviar aesta incerteza passaram a usar-se dois cronó- do cronómetro para dar a hora no meridiano de referéncia. hoje Green-
wich. Marcha li o atraso ou avanço do cronómetro em 24 horas. Um
metros, o que de nada servia quando marcavam horas diferen- bom cronómetro deverá ter uma marcha constante e de poucos segun-
tes, até que, nos navios onde se pretendia uma navegação dos.
mais rigorosa, se utilizavam três cronómetros. Nestas condi- (') Ver artigo .. O Balão da Arsenaf». publicado no n." 114IMar. 87
ções, os responsáveis pela navegação sentiam-se mais des- desta Revista.
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