Page 225 - Revista da Armada
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Antologia do Mar
e dos Marinheiros
Vitorino
Nemésio
Pelo cap.orrag. Cristó .. io Moreirs
(FolO do S,.,l"iço dr DOCIllIli'nlaçUo do • Diúrio di' NQ/icia5~)
«Sou ilhéu: c. tan lOOu mais do que a ilha. o ilhéu define- nos subterrâneos do metro c nos solavancos dos autocarros, que
-se por um rodeio de mar por lodosos lados.» Assim nasceu. ro- recebeu prémios e quase todas as distinçõcs a que pode aspirar.
deado de mar por todos os lados. Vitorino Nemésio Mendes Pi- entre nós, um intelectual, e que permanecia (e ainda permane-
nheiro da Silva: lá na ilha Terceira. onde os calendários marca- ce) ignorado». Acontece muit.as vezes assim: a di mensão de um
vam 19dc Dezembro de 1901. Estudos primários na Praia da Vi- expoente da cultura, precisar de tempo para ser medida.
tória. Liceu cm Angra. depois na Horta. Universidades de Foi oficial da Armada um dos filhos de Vitorino Nemésio.
Coimbra c de Lisboa. Doutoramentos cm Filolo&ia Românica «o Manuel. piloto de submersíveis». a quem dedicou versos. pu-
c cm Letras: dc!;\s será professor catedrático, nelas irá cavalgar blicados cm «O Verbo e a Sombra». que começam assim :
a imaginaçãoclc Vitorino Nemésio. O leu filho é um peixe de metal
«Sou ilhéu. c portanto embarcadiço. Além de que a vida é
por si mesma uma verdadeira derrota. uma vasta C tremenda sin- Vai ao fundo da.f águas recolhe'
gradura.» Uma singmdura vasta e tremenda, terminada naquele O lugre ardido, os .fil/os, o coral
21 de Fevereiro de 1978, cm Lisboa, quando sua ilha se fizera Ou a //Iorle emf10res de fogo, se morrer.
continente. país, que inteiro se despedia do professor Vitorino
Nemésio, com um senlimentocomovido onde aflorava o sorriso Mas a ligação. ao mar e aos ma rinheiros, do grande mestre
leve que ficava da recordação desse ímpar conversador, que pe- das letras, precede e ultrapassa esse laço afectivo, arranca logo
las portas das casas entrava e. sentado ao écran da televisão, nos na condição de ilhéu, que tão repetidamente invoca. e da qual
falava com uma linguagem sedutoramente familiar. .. Se bem me se envaidecia: «É com uma espécie de orgulho de marujo perdi-
do numa rua de bares que respondo i. curiosidade geográfica de
lembro .. ». a
E cont udo. por aldeias e cidades, presas à humanidade da alguém: - Sou da Terceira. Como quem diz: 'Home Flcet. 3.
sua palavra. raros sabiam da dimensão literária de Vitorino Ne- linha'. Ou '3." couraçado da A rmada do Atlântico'. E posso pre-
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mésio, do grande romancista de «Mau Tempo no Canal», do ad- cisar: Lillitude N38 38'33". Longitude W27°12'48"». A ilha e o
mirável poeta de «Eu, Comovido a Oeste». o «Bicho Harmonio- mar estarâo por toda a parle na obra de Vitorino Nemésio. até
so» ou «Nem Toda a Noite a Vida». Ignoravam quase todos a no «Cantar de Amor» de «Nem Toda a Noite a Vida»:
sua caminhada pelas páginas de jornais e revistas, iniciada aos
quinze anos com a fundação,em Angrado Heroismo, de «Estre- Faça-se ao mar a gaivoU/
Ia d·Alva,.. paTã já no continente aleançar a pequena glória, que E leve (I boa nova em sua (lnilllll.
ao jovem repórter pareceu grande. de conseguir para o «Impren- Que enfim. lia última derrota,
sa de Lisboa» a «caixa» das declaraçõcs do marechal Joffre. A IUm sem leme acllOlI a ilha.
Desconheciam o prestigio do professor, o percurso da sua cáte·
dra. que fez escola nas universidades de Montpellier e de Bruxe- A derrota, a nau, o leme ... Estava na escolha a dificuldade.
las. até que na Faculdade de Letras de Lisboa amarrou a ficar, para à nossa Revista trazermos uma antologia de Vitorino Ne-
só obrigado pelo limite de idade fez última aquela lição de De- mésio. Acabámos seleccionando dois capítulos de .. Corsário das
zembro de 1971, ouvida entre sorrisos que já se faziam saudade. Ilhas», volume publicado em 1956. cm que reuniu crónicas deli-
Vitorino Nemésio, ou o sortilégio da palavra, onde quer que ciosas de duas viagens de visita aos Açores. em 1946 e 1955. c
dela fizesse instrumento: na poesia, no romance, no ensaio, na nas quais o marestá presente: no cenário da acção. nas lembran-
crónica. na lição. na conversa de acaso. na carta qualquer. ças da infância. nas palavras que a cada passo denunciam uma
onde às linhas prendia o fascinio da sua perSonalidade: de um memória que oexilio continental e voluntário náo apagará. vivi-
homem que,como escreveu um amigo próximo, o jornalista An- da irá permanecer até ao fi m que afi nal não chegou. em sua obra
tónio Valdemar, «era apontado a dedo ao vi rar de uma esquina, secontinua.
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