Page 6 - Revista da Armada
P. 6

As duas Marinhas









                Pelo interesse de que se revestem as judiciosas  las élites de então, recorrendo·se a camadas mais mo-
             considerações  que  nele  são  feitas,  transcrevemos,   destas da população como fonte de recrutamento.
             com muito gosto, o artigo do nosso camarada do mar,   Estará ai possivelmente a origem do fosso que se
             engenheiro maquinista da Marinha Mercante J, C. Lo-  estabelece entre as gentes das duas Marinhas, pro-
             bato Ferreira,  publicado no n. o 82/Set.-Out. de 84 do  cesso que tende a  atenuar-se com a  implantação da
             Boletim Técnico Informativo, do Centro Cultural dos  Republica.
             Oficiais e  Engenheiros Maquinistas da Marinha Mer-   No anos 30-40 regista·se o aparecimento de certa
             cante:                                             legislação elitista,  que tem efeito frouxo,  acabando
                t .. ) O reduzido espaço que utilizou (*) não lhe per-  por se desvanecer definitivamente.
             mitiu, estou certo, dizer tudo quanto sabe e pensa 50·   Aos homens -ejá na Marinha Melcante também
             bre este assunto, melindroso assunto.              as mulheres - que se candidatam à  vida do mar, não
                O  facto de o ter levantado e  ter mesmo revelado  se lhes pergunta de que familia provém.
             um espirito de abertura pouco habituais, leva 8  pro-  Factores de selecção baseados nos valores huma-
             por-me  uma reflexão mais profunda  sobre  um dife-  nos que tl1m  que ver com a  robustez, integridade e
             rendo que tem separado, num clima de quase guerra   formação escolar e académica, são os novos padrões
             surda. duas corporações que na essência comungam  por que se aferem os que querem entrar nas Mari'
             dos mesmos anseios e vivem no mar, não só proble-  nhas. E os niveis são idênticos para ambas.
             mas pessoais e  profissionais afins,  mas também os   A  evolução tecnológica e a complexidade das ins·
             mesmos perigos, trabalhos e incomodidades.         talações  que se  encontram  a  bordo  dos  navios de
                Começo por interrogar-me como teria deflagrado  hoje, não difere.
             toda esta querela e, sem pretender estabelecer ver-   Como poderiam então ser diferentes os indivjduos
             são histórica definitiva sobre o tema, julgo não ter ou-  queasoperam?
             tra alternativa senão aceitar que no inicio, teria haVi-  A partir da década de 40, os mancebos da Marinha
             do uma só Marinha. Refiro-me naturalmente aoperio-  Mercante deixam  de alistar-se no Exército e  come-
             do em que o homem começa a utilizar a embarcação  çam a prestar o serviço militar obrigatório na Marinha
             como meio de transporte de pessoas e bens.         de Guerra. Mais ou menos desde então integram as
                Nestas, quando acossadas pelos assaltos dos pi-  várias Reservas que se constituíram e, quando foram
             ratas  ou  envolvidas  em  operações  de  guerra,  não  mobilizados durante a  IllJuerra Mundial - para só
             creio  que entre as  tripulações  se distinguissem  os  falar nesta mais recente -  não deslustram a  farda
             guerreiros dos marinheiros.                        que envergavam, antes pelo contrário, registando-se
                Quando se inicia a senda das descobertas, foi tão  actos de sacrificio e de bravura assinaláveis.
             somente com marinheiros que se formaram as equi·       Num cenário como este é difícil aceitar como subo
             pagens dos navios que partiam à  busca de  «outras  sistem ainda tais ressentimentos, se assim lhes qui-
             terrasegentesll.                                   sermos chamar.
                56 quando começa a  evolução para  a  conquista     Vai-se para cada uma das Marinhas por vocação,
             marítima e nos navios se embarcam as primeiras ar-  por gosto e decisão própria e nem existem já diferen-
             mas de fogo é que se abre caminho para a especiah"za-  ças significativas no I/pacote/J integral das remunera-
             ção do pessoal.                                     ções.
                O ciclo da especialização definitiva dos navios só   Devemos estar perante uma situação de imobilis'
             aparece nos séculos XVII-XVIII,  nascendo então as  mo de ambos os lados, de um olhar de revés, que im·
             Armadas.                                            porta corrigir.
                Podemos portanto concluir que o problema é rela-    O caminho a percorrer deve ser feito com cuidados
             tivamente recente; e  qual terá  sido a  razão do seu   e sem pressas. As Ilfen"das» estão frescas e há que pa'
             aparecimento?                                       cientementeesperarquesarem.
                A criação da Marinha destinada exclusivamente a     A inteligéncia dos homens é um bom bálsamo.
             acções de guerra (e comboio das naus mercantes) fez    Para  comemorarmos  conjuntamente  o  próximo
             afluir, pejo menos aos quadros de oficiais,  camadas  Dia da Marinha -o nosso Dia da Marinha -não ne·
             jovens da  nobreza  e  filhos-familia  das classes mais   cessitamos de permissão de qualquer Secretaria de
             abastadas,  entusiastas de sempre na aventura das   Estado deste Pais, é um «assunto de famib"a ».
             armas,  neste caso acrescentada pelo exotismo das      ( .. .) camaradas da Marinha de Guerra, a pinha da
             viagens que a vida do mar lhes proporcionava.       retenida está agarrada. Os cabos são pesados, há que
                Os ronceiros veleiros de comércio, oferecendo só  puxá-los em conjunto.
             parte desses atractivos, ficavam assim preteridospe-
   •
                (0)  O  autor relere·se ã  nossa . NoUJ  de Abenura_ do n."157/
             /Out.de84.                                          •  •••••••••••••••••••••••••••••
             4
   1   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11