Page 297 - Revista da Armada
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sinal de socorro. Ânimo! marinheiro-
         queriam dizer-me aqueles apitos.  E tive-                   1-
         -o, mais do que em outra ocasitlo; espe-
         rei trallquilo o salvamento. Aproou para
        mim o vapor, um escala foi arriado dos
        turcos, e, ao sentir-me agarrado,fechei
        os olhos:  carecia de  repouso.
           «A  bordo dava  meio-dia.»
           o navio salvador era o "Penguin»,
        da casa Leite &:  C. 1.1.  Capitaneava-o um
        excelente coraçdO e um bom marinheiro.
        Registremos-lhe  o  nome  -  Joseph
        Dowdy.
           Havendo  saldo de Londres,  seguia
        para Calcutá.  No dia 25 de Outubro,  e
        na altura de 36° 35' latitude norte, e 00°
        OO'longitude de Greenwich, a 70 milhas
        de Cartagena, demorando esta ao nor-
        -noroeste,  e  a 35 milhas a  parte  mais
        próxima da África, foram apercebidos de
        bordo  os movimentos desordenados de
        um homem debatendo-se com as ondas:
        era Januário  Gomes,  que  escabujava.
        Quando  o  nosso herói deu  entrada  no
        «PenguinJ>, foi estendido sobre o convés
        e entregue a dois marinheiros que o des-
        piram de todo.  Seguiu-se uma lavagem
        abundante com conhaque, acompanhada
                                          quência  do  atraso  por ter  o  "África"   cônsul português e  o  consignatário do
        de fricçiJes  de  escova.  Depois de  ter o
                                          fundeado  fora  por  algumas  horas)   vapor inglês.
        náufrago a pele bem vermelha, abriram-
                                          aguardando  o  dia  para  demandar  a   Foi ruidosa a alegria.  Todos porfia-
        -lhe a boca e emborcaram avultada dose
                                          terra.                             vam em dar o pn·meiro abraço ao recém-
        de álcool aromatizado.  Envolto o corpo
                                             Enfim, a 30 de Outubro e pelas qua-  -chegado.  Ndo era o filho pródigo que
        num cobertor de III  e conduzido para a
                                          tro horas da manhiJ. afen-ou o "Penguin»   voltava pedindo agasalho; era um com-
        cdmara  de  ré  do  navio,  al foi  vigiado
                                          no  ancoradouro  de  Port-Said.  Quatro   panheiro riOS trabalhos e perigos do mar,
        com  inexcedlvel  desvelo  pelo bondoso   heras depoisfazia outro tanto o «África».   cuja morte tinham pranteado por alguns
        capitdo  inglês.
                                          Por ocasido de ir a bordo deste navio a   dias,  que renascia para a luta e para a
           Seriam pouco mais de oito horas da
                                          autoridfuJe  egtpcia,  encarregada  do   famElia.
        noite  quando  o  enfermo  despertou.
                                          serviço sanitário. teve o seguinte diálogo   _Em viageirasfadigas se Mo penado
        Sentia-se mal e quase delirante.  Foi-lhe   com o commtdante, excelente oficial de   Este momento,  só,  esta alegria,
        aplicado um sudorífico, e, tempo depois,   marinha  e  homem  de  uma  seriedfuJe
        um evacuante em dose  reforçada.   inquebrantável.                      Oh! qulJo  sobeja as paga! ......
           Hospedeiro e médico, Joseph Dowdy   -  Quantas  pessoas  tem  a  bordo,   Ao corajoso contramestre do  "Áfri·
        teve a  dupla  satisfaçdo  de  salvar uma   comandante?              ca" foi-lhe companheiro desgosto. para
        vida  e de adquirir um amigo.        - Quatrocentas  e oitenta.      o resto da  vida,  a errada interpretaçdo
           Decorridas vinte e quatro horas, te\le   - Peço perddo, mas tem mais uma!   com que,  em  Lisboa, alguém deSCaI/si-
        o doente pennissdO para subir à tolda do   - Nilo lhe admito tais observaçlJes;   derou  o  seu incontestável valor.
        navio  e  aspirar  a  brisa  fagueira  do   costumo saber o  que digo.   Januário era de viver concentrado e
        Oceano.  O  "Penguin,.  singrava,  nesse   - Pois desta vez há-de dar-me licen-  de fáceis susceptibilidades. A lembrança
        momento,  quanto  lhe  pennitia  a  sua   ça que lhe afirme haver-se esquecido de   de atribulrem a sua corajosa luta no mar
        máquina,  com  proa  em  direcçdo  a   contar o  contramestre  do seu  navio  ...   ao esforço pela vida, após o arrependi-
        Malta.  Ao marinheiro português,  espe-  - Bem sei; infelizmente ndo está a   mento  de  uma  tentativa  de  suicfdio,
        rançado de alcançar o  seu navio neste   bordo;  caiu  ao  mar,  e  é provável que   emristecia-o profuruiamente. E, contudo,
        porto de escala, pareceu-lhe ronceiro o   tenha  morrido.            mal pensava ele,  que teria de praticar
        barco. A vontade de chegar começava a   - Ainda ndo; ali o tem - apontando   tilo condenável egotsmo - o de poupar-
        fazê-lo  ingrato.  Tranquilizaram-no,   para  o  "Penguin ...        -se a algumas horas de doloroso sentir,
        mostrando-lhe  a  espumosa  esteira  do   Este  súbdito  do  Kediva,  que  faz   deixando filhos e esposa sem garantias
        navio; mas teve cruel decepçdO,  quando   pagar as suas visitas a bordo por duas   de  subsistência!
        soube em Malta que o «África» já por ali   libras  esterlinas,  sentia-se  humorista   Esse dia chegou.
        havia passado.                    como um Dickens!                      A l3 deAbril de 1883, o homem que
           Efectivamente,  o  vapor português é   Pouco tardou que fossem  recebidos   a milo da Providência salvou de afogar-
        de melhor marcha, e se o inglês chegou   no  «África"  o  contramestre  Januário   -se  em  pleno oceano,  deixou  de  ser o
        primeiro  a  Port-Said,  foi  em  conse-  Gomes,  o  capiréJo  do  «Penguin",  o   náufrago  do  «África» para ficar sendo

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