Page 223 - Revista da Armada
P. 223
EDlrOR'AL
Vasco da Gama
Primeiro Conde da Vidigueira
anlo se tem escrito e falado sobre despojado por intransigência da Ordem de
Vasco da Gama, dentro e fora do país, Santiago, dona da vila de Sines, não desam-
Tque talvez se possa considerar, de SQSSf nos seus propósitos de conseguir o tão
certo modo, abusivo, trazer·se mais uma vez almejado título nobiliárquico, que lhe tinha
à liça a figura ímpar do insigne na\"egador sido prometido pelo rei venrnrOSlJ, tendo che-
nascido em Sines, ali onde, à beira do "mar gado mesmo a pedir autorização para sair do
oceano", se terá quiçá moldado e tempera- Reino com a fanu1ia, desiludido como estava,
do, durante a infância e a juventude, o seu O que não seria do agrado do monarca..
carácter de marinheiro ousado e temerário. E só depois do duque de Bragança, D.
Todavia, se tivermos em conta que é este o Jaime, conhecido pela sua muita afeição a D.
mês em que anualmente se celebra o Dia da Manuel I, se ter prontificado a ceder a Vasco
Marinha, em boa hora feito coincidir com da Gama o senhorio da Vidigueira e de Vila
aquele memorável 8 de Julho em que em de Frades, a troco da m6dica tença anual de
1497, a um sábado, o jovem alentejano de 28 400.000 réis que o almirante recebia da
anos, ou pouco mais teria, partia, investido coroa, mais 4.000 cruzados em oiro, se cria-
no honroso. difídl e arriscado cargo de capitão-mor de uma vam as condições para este ascender finalmente a conde. Foi
modesta armada de 4 navios com cerca de 170 homens, â des- assim que, por carta régia de 29 de Dezembro de 1519, ou seja
coberta da fndia através do mar tenebroso. por onde já passara mais de 20 anos após a chegada a Lisboa de Vasco da Gama,
o grande Bartolomeu Dias, afigura--se-nos relevável tal insis- depois do seu inesqueável feito, este veria concretizada a sua
tência. E tanto mais se atentarmos que tal façanha, realizando grande ambição. Era finalmente conde e o primeiro conde da
afinal o sonho durante tanto tempo aca1entado por D. João U e Vidigueira! E sô quem conheça essa bonita região do Alentejo,
depois por D. Manuel I. constituíu um marco histórico da ali nas abas da Serra do Mendro, de vegetação exuberante e
maior importância e significado, não só para Portugal como fontes de água pura e cristalina, de belos vinhedos e olivais, e
para toda a Humanidade. de hortas e pomares vicejantes em que a laranja é rainha, ver-
Mas hoje, para fugir um tanto à evocação rotineira de factos dadeiro "oásis na solidão dilatada e dolorosa da terra alenteja-
e episódios por demais divulgados, relacionados com ~ vida na", como se lhe refere José Palma Caetano no seu magnífico
do arrojado descobridor do caminho marítimo para a lndia, livro "Vidigueira e o seu Con~lho", poderá compreender por
onde viria a falecer de doença na noite de Natal de 1524, que razão o velJw almirante da India se transferiu para ali com
aquando da sua terceira viagem a essas terras distantes e miste- a sua fanulia.. para, "num lugar tranquilo, ameno e acolhedor,
riosDs, a fim de exercer as imJXlrtantes funções de vice-rei, irei cujo povo o recebera de braços abertos", gozar os últimos anos
cingir-me tão-somente, e de maneira muito abreviada, ao que, da sua celebrada vida, até à partida para a que seria a sua últi-
porventura menos conhecido, se passou com a ascensão ao por ma viagem, e aonde voltaria, já morto, ai repousando o seu
si tão ambicionado títu10 de conde. corpo até ser transladado para a igreja do
É que Vasco da Gama era, como qualquer Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, no fim
ser humano, um misto de virtudes e defei- do sécu.lo passado.
tos, embora aquelas sobrepujassem estes Mas, ainda que despojada dos ossos do
manifestamente. E, assim, se era corajoso, ilustre almirante e seu primeiro conde, a
audacioso, destemido, justo, verdadeiro e Vidigueira, como nobre vila que é, não quis
amigo do seu amigo, "em suma, um homem deixar de prestar uma última e perpétua
bom, puro e alentejano, da boa cepa sinien- homenagem a quem tanto a dignificou com
se", como, bairristicamente, refere Arnaldo a sua augusta presença. E, a atestar esse seu
Soledade na interessante obra "Sines, Terra reconheádo preito, aí está a estátua do glo-
de Vasco da Gama", não deixava de ter- as rioso descobridor do caminho marítimo
.suas fraquaJls, sendo orgulhoso e ambicioso para a Índ,ia numa das suas principais pra·
e até, por vezes, obstinado, impulsivo e ças, a Praça Vasco da Gama, em frente do
arrebatado. Daí que, pese embora a maneira edifício da escola primária que tem tam-
magnânima com que D. Manuel I recom- bém o seu nome, mostrando às crianças,
pensara o seu imortal feito, concedendo-lhe que aí começam a estudar a história pátria,
variadas merds, honras e benesses, desde o que os grandes vultos que fizeram de
título de Dom e de almirante da índia até Portugal uma gloriosa Nação merecem ser
uma avultada tença anual e o senhorio da permanentemente relembrados e homena-
sua terra natal, de que aliás cedo se veria 1
1I1,;vfsrAtAlUolAM • JUlHO 92 5