Page 95 - Revista da Armada
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o Almoco




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             na 'alenda Granele







           ram  tempos  bons esses,
           para aquela zona e aque-
       E le  povo,  pois  os  tiros
       soavam  distantes e o sabor
       acre da guerra n..i.o era chama-
       do para ali.
        Na  grande  planície doirada
       da  palanca  negra,  o nde  o
       macho cra  mais cobiçado na
       caça  que  mulher  na  cama,
       vivia-se  ii  abundância  da
       Fazenda Grnnde, onde o dono
       recebia certo o seu dinheiro.
       mas p.lm o trabalhador sobra-
       va semPre o pão.
         Era a Arriea onde se falava O
       portugut'S do coração e O dia-
       lecto do s.1ngue e onde ii raça
       e o costume  valia  ii palavra e
       até a vida.
        Jeremias. o  impecável cria-
       do,  feito  mordomo de maio,
       preparava  o almoço  dos 16
       convidndos do  patrão Mário,
       para  reabilitação das  forças
       perdidas na caçada da madru-
       gada.  A zona  escolhida, Tcal
       para os amigos, permitia, com
       os rios  em  leito baixo, uma   bolear do corpo as aconchega-  um  suave  doce,  que  D.   que este fim-de-semana  anual
       aposta  forte em que se vissem   va suavemente na esteira.   Marllia,  a  patroa,  sempre   da  Fazenda era sempre igllal,
       derreadflS nos jipes peças vali-  A  lua ,  o  calor  suave  do   feminina,  insistia  em  fazer   um  carnaval obrigatório, onde
       osas  de  palancas,  gungas,   anoitecer, a  luz da  foguei ra   com suas próprias mãos,  uns   todos os  prazeres do mundo
       cabras  de  maio  e  java lis  e   viva e aquele cheiro a  Africa,   queijos   g uardados   da   se combinavam.
       outra caça,  mesmo  incomestí-  inconfundível,  faziam  dos   Metrópole, café e um, suposto   Em nuvens de poeira, ladrar
       vel, como mabetos ou  rapo-  homens guerreiros lendârios e   divinal,  bagaço da zona de   de cães excitados, roncar de
       sas, e sempre o  privilégio do   das mulheres  doces compa-  Braga,  que  um  convidado   motores e  outras loucas baru-
       conhecedor e aficionado, pen-  nheiras.  Muitos  "cilbilços"   havia  trazido em  dois bem   lheiras, a  enorme com itiva
       durando, no cinto, a galinhola,   seriilm  rebentados,  montes de   aferrolhados garrafões,   chegou,  com  um  estranho
       perdiz, umas lebres e coelhos.   compromissos seriam assumi-  Depois seriam os arrotos, as   cheiro  ti  caça, o suor, O cansa-
         Jeremias  fazia  isso ia  para   dos,  dezenas de brigas esla-  anedotas, a  indispensâvel e   ço e outra coisa  qualquer, tal-
       vinle e tal anos e regozijava-se   vam a nascer.       bem aventurada sesta  e,  no   vez a ressaca do medo.
       com a  matança, porque sabia   Mas  era assim, sempre, e   cair da  tarde, sem crepúsculo,   Risos, festas,  tudo mortinho
       que,  para além da pele, dos   Jeremias mandava no seu pes-  ao aviso das cigarras e do lon-  por contar a sua própria histó-
       cornos e  de uma  meia  dúzia   soal  menor,  cada  vez  com   gínquo rugir do leão que chei-  ria e, não fossem as palmas de
       de bifes com  que o  patrão e   mais exigência,  pois esse dia   rava  sangue,  que  tudo  se   D.  Marília a reclamar ordem e
       convidados  nilturalmente se   era festa, er;:J  alegriil, em liber-  embrenhava  no batuque que   o velho sino da  Fazenda a dar
       apropriavam,  o  grosso  da   dade de espírito, cavalgando   virava  dança,  abria as  vozes,   o aviso do banho, Jeremias ~i
       festa  ia  para o seu povo, que   sa be-se  lá  por  onde,  e  de   estonteava as cabeças e dura-  sabia  que,  já  que sede  não
       nesses dias tinha  um surulen-  corpo,  libertando e recebendo   va,  durava,  durava,  noite   havia, a gabarolice tinha privi-
       to acompanhamento da fuba.   o sémen que a felicidade  pro-  afora,  até que o sol viesse, de   légio sobre o almoço e  muito
         A abundância da carne, o   duz.                      mansinho, convidar cada qual   mais sobre a limpeza.
       generoso  vinho concedido,  a   Havia, com  as  mulheres da   a  ir deitar-se na  sua  própria   Mas lá ap.'lTeceram uma hora
       lourura do batuque e o sonho,   cozinha, preparado um delici-  camil.             depois, pois o banho foi  no rio,
       sempre doido, faziam a festa, e   oso almoço,  que pudesse ser-  Isto, aliás, já  vinha de longe,   todos penteados e lavados, exi-
       depois não eram precisas p.·da-  vir de sustância  para correr o   e Jeremias,  mesmo que não   gindo  delicadamente  uma
       vras  para deitar as mulheres,   vinho, bem fresco, guardado e   conhecesse alguns, poucos,   sopa, dando grandes palm.'ldas
       pois só mesmo o olhar e o bam-  vigiado na  adega. Seguia-se   dos nossos convidados, 5<'lbia   nas costas do imperturbável  ~
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