Page 368 - Revista da Armada
P. 368

DE  OUrROS rEMPOS,  DO NOSSO rEMPO



           ...... .".a



                     Sobre a arte e a ciência da guerra, no último século



                illiam Murray escreveu recentemente um ensaio com um   depois como  mestrado, s6  passou  ii  fazer  parte dos  progra-
                título sugestivo, porque reflete bem a influência do salto   mas  das universidades  portuguesas  ii  partir do  início da
         W tecnológico dos nossos  tempos: Sai C1ausewitz, Entra  década de 1980.
         Computador (William Murray, Ctause\,~tz Oul, Computer ln,  lhe   O computador veio  permitir realizar com grande vantagem,
         National lnterest, Washington, n 48, Summer 1997, pp. 57-(4).   rigor e rapidez, a maior parte daquele trabalho de gabinete de
                                ll
         Não pretendendo analisar o artigo, mas tecer umas curtas conside-  C1ausewitz. Pode facilmente aceitar o registo de todas os conflitos
         rações, sugeridas unicamente por este título.       ocorridos, pode reproduzir as soluções que foram encontradas
          A guerra entre príncipes tenninou com a Revolução  Francesa.   comparando-as com as que teriam sido mais adequadas, pode si-
         Napoleão, o Imperador Republicano, autocoroado na Notre-D.,me  mular imensas outras hipóteses e mostrar a correcção e o erro de
         em 2 de Dezembro de 1&14, marcou a transição para a guerra dos  decisões sem fim. O treino que proporciona recorda, se aceitannos
         povos. Samuel Huntington considera que o Século XIX,  prolonga-  uma imagem muito simples e comum, o trabalho do pvem estu-
         do até Primeira  Grande Guerra,  ficou  marcado pelo choque de  dante de matemática exercitando-se na  resolução de cadernos
         nações, que o Século XX é caracterizado pelo choque das ideologias   inteiros de problemas, numa  tentativa de cobrir o maior número
         e prevê, p.1ra o Século XXI, o choque das dvili7.aç(>es.   das hipóteses que possam surgir no exame.
           Mas voltemos ao nascimento do Século XIX.           Mas o computador das salas dos,Psos de guerra ou das salas de
          O general prussiano Karl  von Clau5e\",itz (1~1&31) foi  adver-  operações dos Estados-Maiores, por imprescindíveis e inestimiÍveis
         sário de Napoleão; distinguiu-se e foi  sendo promovido no campo  que sejam, por maior cap.1cidade que tenham, não cobrem aquela
         de b.1talha. O general suiço barão Henri de Jomini  0719-1869) foi   p.1rcela complementar de arte ou de julgamento que acomp.lnha
         outro estrategista contemporâneo, lutando ao lado de Napoleão.   toda a decisão, nem  nunca são respons.1bilizáveis pelas decisões
         Nesta época, mas no mar, distinguiram-se o Vice-Almirante Nelson   que sugerem.
         de Benham Thorpe (1758-1805) e o chefe de esquadra D. Domingos   Nas questões de defesa e de segurança  podemos, muito fre-
                                       11
         Xavier de Uma, 'JJ fv!arquês de Nisa,  11 conde da  Vidigueira, 11°  quentemente, substituir C1ause\vitz pelo computador, 1Th1S também
         almirante do Mar da lndia e ~condede Unhão (1765-1802).   criámos, à custa do desenvolvimento tecnológico, novas guerras,
          Clausewitz teria começado por ser um intérprete dos fenómenos  como a guerra electrónica e, mais recentemente, a guerra da infor-
         que caracterizavam a rápida evolução da arte da guerra e teria   mação.
         acabado por se transfonnar num doutrinador.           Devemos estar prevenidos, como alertou o Doutor César das
           Possivelmente a cavalo, atrás do comandante, ou então na tenda   Neves,  para o facto de o nosso  tempo se ter especializado nos
         de campanha onde se reuniam os ofidais (os Estados-Maiores   meios e de o fascinio com os instrumentas estar a fazer-nos perder
         nasceram logo a seguir), ia  interpretando directamente, com arte e  de vista a obra (d, João César das Neves, O Fm da Moral, Diário de
         argúcia, o desenvolvimento das operações, traduzindo tudo em   Notícias, 30 de Setembro de 1996).
         inJonnações que habilitavam o chefe a tOITh1T decisiies que, apesar   É impensável dispensar o computador, mas não queiramos que
         de tudo, ainda eram muito mais iníluênciadas pela arte do que pela   ele seja mais do que uma extraordinária ferramenta. Não é o com·
         ciência.                                            putador que ensina o homem. Ainda é o homem que programa o
          Os factos eram quase sempre observados como novos, pois o re-  computador e o tempo gasto em frente do computador não pode
         gisto histórico em memória era reduzido, e eram  muitas as  ino-  prejudicar ii fonnação geral do homem, nem a análise do factor
         vações introduzidas por Napoleão, tanto na  organização dos   humano que rodeia todas as decisões: erro, indecisão, mesa, cora-
         grandes exércitos de massa, como  no comando das operações, na   gem, imaginação, etc.
         logística e na táctica.                               A comunicação internacional é cada vez mais complexa, nas suas
           Mais  tarde, Oausewitz retirou-se para os gabinetes, analisou o  relações internas e externas. Além disso,  há  uma  tendência CTCS·
         razo.ivel banco de dados que tinha coligido, definiu conceitos, esta·  cente para atribuir importância intemacional a problemas que até
         beleceu prinápios e redigiu doutrina.               aqui eram considerados da exclusiva competência  intema de cada
           Estudando uma área do conhecimento e da actividade humana   um dos Estados.
         que é dominada tanto pela ciência  como pela arte, elaborou os   As guerras e os conflitos são como as  tempestades tropicais:
         modernos manuais da arte da guerra, t.1lvez os primeiros desde os   diversas na  sua natureza, sempre diferentes na  sua  intensidade.
         publicados por Maquiavel, no  início do século XVI. Clausewitz   Admitimos saber JXlrque nascem. sabemos tarde de mais quando
         tomou-se um estrategista, tirando lições da análise das situações   se estão a fonnar, conhecemos como evoluem, mas não podemos
         gerais e das soluções que lhes eram comuns, melhorando muito a  impedir que se fonuem,  nunca condicionamos o seu trajecto nem
         ciência da guerra, mas sem poder dar o mesmo desenvolvimento à  somos capazes de anular as seus efeitos devastadores. Assim são as
         arte do comando.                                    gu~, as tempestades das sociedades.
          O valor de Clausewitz é indiscutível.  Prova-o o facto  de   E, portanto, muito importante conhecer este complexo e instável
         ainda  hoje ser uma  referência  e de serem  constantes as  mundo em que vivemos e no qual, actualizando um  pouco o con-
         citações extraídas da  sua  obra.  Desenvolveu  uma  área  do  ceito mais divulgado de C1ausewitz. as Forças Annadas estão cons--
         conhecimento tão  importante para  o entendimento do com-  tantemente a ser convocadas para continuar a política JXlr outros
         portamento das  nações,  que  a nova  disciplina,  desdobrada   meios.  Por agora, não será  para fazer a guerra, mas para impôr a
         em Arte da Guerra e Estratégia, imediatamente foi  introduzi·  paz, quando ou enquanto os políticos não encontram solução dialo-
         da  nos  programas das escolas militares e determinou  a cria-  gada para os conflitos.              O
         ção dos institutos superiores militares. A Estratégia, primeiro                      Antó"io Emrlio SaccJretli
         como disciplina de licenciaturas de Relações Internacionais e                                     VAIM
         6  DfZfM6RO 97  •  IIEVlSTA OA AIIMADA
   363   364   365   366   367   368   369   370   371   372   373