Page 165 - Revista da Armada
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Proclamada a República passa logo no dia 6 à Majoria-General (9)
da Armada e nomeado (2 NOV) presidente da comissão reorgani-
zadora da Armada, membro da que estudaria um novo Arsenal e
vogal da que introduzirá a telegrafia sem fios.
Republicano sem partido, homem calmo, ponderado e de uma
só palavra, logo avesso a conspirações, muito menos revolu-
cionárias, perante o quadro das ameaças que pairavam sobre o
Ultramar por que a sua geração lutara, impunha-se-lhe a entrada
de Portugal na Grande Guerra nem que para tal fosse necessário…
derrubar o governo.
Assim, na madrugada de 14 de Maio segue do café Martinho para
casa do CTN Rodrigues Gaspar, mas não ouvem os três disparos do
«Vasco da Gama» e já o sol ia alto quando, pelo rio, conseguem
entrar no Arsenal cuja defesa organizam com centenas de mari- Pereira da Silva, comandante do “Carvalho Araújo”, com os seus oficiais, antes
de iniciar a viagem de Inglaterra para Lisboa: da esquerda para a direita,
nheiros, arsenalistas e outros. 2 -tenentes Herculano Góis e eng , Maq. Estevam Catalão; capitão-tenente
os
o
É Pereira da Silva quem a tudo acorre e quem acolhe a adesão da Garcez de Lencastre, imediato; Pereira da Silva; 2o-tenente-médico dr. Emílio
o
o
GNR até que, pelas 18h00, o governo se rende. Faro, 2 tenente José Filipe Castela e 2 -tenente de A.N. Carlos Henrique.
Sairá então com pequenas forças de Marinha a proceder à recolha
das armas, tarefa que só a sua persuasão permite cumprir. Já CFR é nomeado (AGO18) para estudar uma futura base naval,
A ingrata prisão do chefe do governo, o general Pimenta de Castro mas face à intentona monárquica de 1919 (12) será louvado por ter
é-lhe confiada. Num encontro de cavalheiros, o general e o seu mi- organizado «no incrível prazo de 48 horas, …o bloqueio da costa
nistro da instrução, recolhem, respectivamente, ao «Vasco da Gama» norte (13)».
e ao «S. Gabriel». No termo da chefia duma Missão para Aquisição de Cruzadores
Leotte do Rêgo, vitorioso naquele cruzador, convida-o então para (14), cabe-lhe trazer de Inglaterra o «Carvalho Araújo (15)» donde,
seu imediato e aí frutifica uma sólida amizade. cumpridos os mínimos para promoção, pronta e solidariamente
À sua «competência» e «dedicação» como «estudioso» e «organi- desembarca do que seria o seu último comando de mar.
zador», soma o registo de um invento sobre «Comunicações eléctri- A entrada (OUT 23) da força naval multinacional que conduziu a
cas para regulação de tiro a bordo de navios». Lisboa, como chefe de estado, o ex-embaixador em Londres, Manuel
Ao seu espírito profundamente humano, é entregue o levantamento Teixeira Gomes foi um momento alto da conturbada I República,
das aspirações dos oficiais da Armada e, ao seu bom senso, pedido ensombrado, em pouco mais de um mês, pela queda consecutiva de
um parecer a ser submetido ao Parlamento. dois Ministérios (16).
Embora desse «gosto» trabalhar com Leotte do Rêgo queria um O novo chefe de governo, o Dr. Álvaro de Castro convida-o,
comando de mar naquela Guerra em que Portugal se devia bater depois de ter passado pelo Estado Maior Naval (EMN) (17)e pelo
pelos seus interesses. Corpo de Marinheiros da Armada, para a «ponte mais alta da
Apesar de capitão-tenente, aquele oferece-lhe o comando dum Marinha», o Ministério de que toma posse (18DEZ23) com estas
contratorpedeiro para ir «lá para fora», a escoltar as tropas que brevíssimas palavras: «Tentarei, desde já, fazer navegar a Marinha e,
seguiam para França ou África. logo que mo consintam, dotá-la com os meios necessários para a
Acelerada a integração do «Douro» na Divisão Naval de Defesa, tornar útil a um País de tão largos domínios a defender e de tão glo-
logo no início de 1917 rende um homólogo britânico na escolta dum riosas tradições marítimas a manter. A Marinha não pode estar longos
transporte de tropas desta bandeira (10). meses no Tejo. Daí advêm desprestígio e empobrecimento. Tudo isso
Os relatórios das suas «viagens de guerra» assinalam tudo quanto é mau para a disciplina, além de se perderem o treino, o hábito e o
se fazia lá fora mas, como em Ponta Delgada, sacrifica um cais a um gosto do mar. Torna-se pois necessário educar o marinheiro em
fundeadouro para «mais à frente dos navios americanos», se mostrar períodos intensos de trabalho no mar, experimentando as suas vicissi-
«bem a presença do navio português». tudes e fazendo-o conhecer as suas exigências; afastá-lo de terra -
Nesses dois anos enfrenta com êxito um submarino alemão onde poucas vezes encontra ensejo de valorizar a sua missão - eis o
(24SET17) e é, notoriamente, o contratorpedeiro que mais navegara e que tentarei fazer, de momento, a par de algumas reformas na orgâni-
o que maior número de escoltas efectuara (11). Daí, o colar da Torre ca, que julgo indispensáveis e oportunas.»
e Espada. Depois da Travessia Aérea (18), renasce do seu conhecimento e dos
problemas da cultura específica do seu Ramo, uma nova esperança.
Independente e alheio às questiúnculas políticas, autor de
numerosa obra de doutrina naval, sustentada nos Anais do Clube
Militar Naval (ACMN), põe em acção todo o prestígio que o seu labor
e competência lhe grangearam dentro e fora da Armada, sobreviven-
do (19) a seis governos «a meses», até ao 28 de Maio de 1926.
Começa por transferir os revoltosos do «Douro», de S. Julião para
Sacavém, pois nele a tolerância não corria o risco de parecer
tibieza…
Depois, no Verão de 1924, constitui uma pequena força naval a
cujas manobras anti-submarinas (20), de surpresa, assistirá, promove,
perante o governo, exercícios de bombardeamentos pela Aviação
Naval e vai receber Sacadura Cabral que trazia o primeiro hidro-
avião «Fokker» que conseguira fazer adquirir. A Marinha despertava
a par dum programa naval: «2 flotilha-leaders de 2000 toneladas e …
4 contratorpedeiros de 1000».
Em Agosto organiza a Divisão Naval Colonial (DNC: 1 cruzador, 3
canhoneiras e 1 transporte) que larga, para o périplo de África, numa
tempestuosa tarde de Outubro, sublinhada por uma revista naval.
Pereira da Silva, imediato de Leotte do Rego, no cruzador “Vasco da Gama”, Os torpedeiros ex-austríacos recuperavam-se e a operacionali-
durante os primeiros tempos da guerra de 1914/18. dade de alguns dos velhos cruzadores repunha-se.
18 MAIO 99 • REVISTA DA ARMADA