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A MARINHA JOANINA (8)
Bartolomeu Dias
Bartolomeu Dias
s viagens de Diogo Cão deixaram os portugueses junto navegavam para a costa africana, eram eles Pero de Alenquer
à Serra Parda, no actual território da Namíbia, levan- (S. Cristóvão), Álvaro Martins (S. Pantaleão) e João de Santiago
A tando-se a suposição de que o navegador teria pensado a naveta (João de Santiago é um dos nomes que está gravado
que alcançara o ponto mais sul da África e que teria aberto o na pedra de Ielala). De Pero de Alenquer pode dizer-se que
caminho do Oceano Índico. Não poderemos saber se isso foi seria o de maior notoriedade, mais experiente e conhecedor,
verdade ou não, mas D. João II, pouco tempo depois desta tendo merecido da parte do rei, poucos anos antes desta
viagem iria enviar nova expedição para continuar a exploração viagem, como prémio dos seus conhecimentos náuticos, uma
desta costa, num estilo muito seme- mercê que lhe permitia usar roupas de
lhante ao das anteriores viagens, mas seda (proibidas a gente do seu estrato
com um pequeno pormenor que pode social) trazendo suspenso ao pescoço,
ter algum significado: aos dois navios por corrente de ouro, o apito inerente à
principais que a compunham (as carave- sua profissão.
las S. Cristóvão e S. Pantaleão) juntou-se A data da saída dos navios foi alvo de
uma pequena naveta que transportava dúvidas resultantes das confusões le-
mantimentos e água. Seria talvez uma vantadas por João de Barros e Cas-
prática corrente, mas o local onde essa tanheda (cronistas do século XVI), mas a
naveta ficou e a forma como foi utiliza- questão parece estar hoje resolvida,
da pode conduzir-nos a algumas inter- aceitando-se que a viagem ocorreu entre
rogações pertinentes sobre os objectivos Agosto de 1487 e Dezembro de 1489.
da viagem e o conhecimento do que Deve ter seguido em direcção ao rio
tinha sido alcançado nas anteriores. Zaire (talvez passando por Santiago),
O comando desta pequena frota foi onde houve encontro com o rei do
dado a Bartolomeu Dias, seguramente Congo e foram trocadas prendas, e
um homem que já tinha prática de nave- depois seguiu o mesmo percurso de
gar pelos mares do sul, mas a identifi- Diogo Cão até à Serra Parda, uma zona
cação deste marinheiro é um dos imediatamente a seguir a Cape Cross,
primeiros problemas com que nos onde ficara o último padrão de pedra. E
deparamos. De facto, por alturas de aqui se levanta um outro problema: a
1496-97 temos um navegador a caminho naveta dos mantimentos (depois dos
do sul da África e um capitão de uma mesmos terem sido passados para as
nau que deveria partir para o norte duas caravelas) ficou ancorada numa
numa campanha contra os biscainhos. É baía abrigada e guarnecida por nove
provável que fossem irmãos, mas aparecendo documentos que homens, aguardando o retorno das duas caravelas. Inclinam-se
se referem a um e a outro, sempre com a mesma designação de os historiadores para que esse local seja o que é hoje conhecido
Bartolomeu Dias, temos grande dificuldade em entender o que por Baía dos Tigres, por ser o que mais se aproxima das
é devido ao que explorou a costa africana, na sequência das descrições daquela época. Mas o que me parece ter um signifi-
viagens de Diogo Cão. Mas surgem mais dúvidas ainda: ape- cado especial é esta atitude de levar um navio de reabasteci-
sar de que todas as referências do seu tempo lhe chamam sim- mento, que teria de ficar escondido num local qualquer da
plesmente Bartolomeu Dias, uma carta régia de 1571 (reinado costa africana. Seguramente, quem planeou a viagem sabia até
de D. Sebastião) confere a capitania de Angola a Paulo Dias de onde poderiam ir os navios com os seus próprios meios (foram
Novais, referindo os “serviços que seu avô Bartolomeu Dias de mais ou menos até onde chegara Diogo Cão) fornecendo-lhes
Novais fez à coroa destes reinos no descobrimento da costa do um suplemento de abastecimentos e água, para poderem ir
Cabo da Boa Esperança”. O texto é bem explícito, não deixan- mais longe. Quer dizer, a última viagem de Diogo Cão permiti-
do margem para dúvidas de que se trata do homem que ra ver que a costa poderia não ter meios suficientes para
encontrou a passagem para o Índico, mas o nome de abastecer os navios (ou que era perigoso fazê-lo) e aconselhava
Bartolomeu Dias de Novais cria grandes interrogações quanto a que, para progredir para sul se levasse um suplemento. É
às suas origens. Tinha-se a ideia de que se tratava de um uma atitude de que não podemos deixar de tirar conclusões
modesto escudeiro da casa de D. João II, mas o aparecimento acerca do método como estas viagens eram planeadas e do
do apelido de Novais sugere que a sua ascendência esteja na conhecimento que se ia formando acerca das condições de
nobre casa dos Novais. Todavia, o percurso de vida que conhe- navegação naqueles mares. Quando falarmos no resto da
cemos do navegador, não nos sugere uma ascendência desse viagem, na forma como foi passado o Cabo e como foi efectua-
tipo, que obrigaria a honrarias e benefícios de que não temos do o regresso a Lisboa, perceberemos que esta questão do
conhecimento. abastecimento estava presente na mente dos marinheiros.
A S. Pantaleão era comandada por João Infante e a naveta
dos mantimentos por Pero Dias, um dos irmãos do capitão. D. J. Semedo de Matos
João mandou com ele os melhores pilotos que, naquele tempo CTEN FZ
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 99 13