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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


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                  43. O APARELHO ÓPTICO DO FAROL DO CABO DE S. VICENTE


                  Os faróis, simples fogueiras numa ponta de terra, ou altas torres com ópticas e sistemas sofisticados, sempre foram referên-
                 cias indispensáveis quando o navegante se aproxima da costa, e constituem também, um símbolo da ajuda que “as gentes”
                 de terra proporcionam aos homens do mar. Os seus feixes luminosos transmitem uma silenciosa informação ao navegante
                 que, estando de quarto durante a noite na ponte de um navio, observa os relâmpagos longos e curtos que lhe permitem
                 reconhecer cada um dos faróis individualmente. Estes raios de luz estendem-se para além das fronteiras e constituem uma
                 rede de sinalização marítima que não tem princípio nem fim. Todos os países têm contribuído dentro das suas possibilidades
                 e limitações para o estabelecimento desta rede ao longo das suas costas, com um mesmo objectivo: proporcionar segurança
                 aos navegantes. Apesar de actualmente existirem outros sistemas para apoiar o navegante com este fim, os faróis conservam
                 todo o seu valor simbólico.
                  As primeiras formas de sinalização marítima luminosa que o homem utilizou foram as fogueiras. Estas eram utilizadas para
                 assinalar perigos, ou a praia que constituía o porto seguro. Naturalmente os sistemas iluminantes utilizados em sinalização
                 marítima evoluíram a par da iluminação pública, tendo passado pelas tochas, velas, lamparinas de azeite, candeeiros de tor-
                 cidas a azeite e mais tarde a petróleo, etc.. A necessidade de se atingirem maiores distâncias obrigou à utilização de fontes de
                 luz mais potentes. Os candeeiros de torcidas chegaram a ter seis torcidas concêntricas. Chegou-se ao limite do poder ilumi-
                 nante de uma fonte de luz isolada, pelo que, o engenho do homem tinha que solucionar o problema do alcance dos faróis. A
                 primeira ideia que se aplicou consistiu em colocar um espelho reflector por trás da luz (1532). Em 1757 são feitos ensaios
                 por Norberg, que coloca um reflector parabólico por trás de uma lamparina, com muito bons resultados em alcance, passan-
                 do a colocar-se várias lamparinas para cobrir todo o horizonte. Houve faróis com 16 candeeiros. Em 1752 foram utilizadas,
                 pela primeira vez, lentes para refractar os raios luminosos provenientes de uma fonte, concentrando-os num feixe. Tratava-se
                 de uma lente plano-convexa colocada à frente de um candeeiro. Mas a fuligem dos candeeiros e a absorção nas grandes
                 lentes tornava os sistemas pouco eficientes. O peso do maciço de vidro também dificultava a sua manobra.
                  Em 1819, Agustin Fresnel desenvolveu os aparelhos lenticulares constituídos por lentes prismáticas concêntricas, formando
                 um conjunto único que suprimia a aberração, a absorção, e a maior parte do volume de vidro. Os raios luminosos que irra-
                 diam da fonte luminosa, são refractados nos prismas, sendo concentrados num potente feixe de luz. O primeiro farol a rece-
                 ber um aparelho lenticular giratório de Fresnel, foi o de Cordouan, França, em 1823.
                  A potência luminosa de uma óptica, para um mesmo candeeiro, depende da superfície do painel que produz o feixe.
                 Assim, para se aumentar esta potência, ou se reduz o número de feixes (permitindo acomodar painéis maiores) ou se aumen-
                 ta a distância focal, isto é, o raio interior da óptica. O aumento da distância focal levou á construção de ópticas cada vez
                 maiores, até ao limite de 1330 milímetros (2,66 metros de diâmetro), as hiper-radiantes. Estas ópticas, de cristal, eram
                 extremamente onerosas, não só pelo seu próprio valor, mas também pelas necessidades estruturais da torre e lanterna.
                  Em Portugal, o serviço de faróis começou por estar disperso por confrarias de marítimos e conventos, mas foi em 1758, por
                 alvará pombalino que os faróis passaram a ser uma organização oficial, atribuída à Junta do Comércio. Este alvará manda
                 construir seis faróis, sendo o primeiro o de Nª. Srª da Guia (1761) e só em 1835 já na dependência do Ministério da Fazenda,
                 é autorizada a construção de mais cinco, entre eles o de S. Vicente que veio a concretizar-se em 1846. O serviço passa pelas
                 Obras Públicas, pela Direcção Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis e, finalmente em 1892 passa para a Marinha, sendo
                 em 1927 entregue à Direcção de Faróis, órgão da Direcção Geral da Autoridade Marítima.
                  Os aparelhos lenticulares de Fresnel começaram a ser aplicados em Portugal, em 1851, no Farol do Cabo de Santa Maria,
                 tendo sido aplicados dois hiper-radiantes em 1897 e 1908, respectivamente nos Faróis da Berlenga e do Cabo de S. Vicente,
                 mantendo-se apenas este último em funcionamento. Um inquérito realizado em 2000 por um investigador da história dos
                 faróis, aponta para a existência de apenas nove aparelhos ópticos hiper-radiantes a funcionar em todo o mundo.
                 Recentemente, numa acção de cooperação com o serviço de faróis de Moçambique, constatou-se que no Farol do Bazaruto,
                 existe um aparelho hiper-radiante desde 1913.
                  Há indícios de que no Cabo de S. Vicente existia já em 1520, uma luz proveniente de um farol muito rudimentar, numa
                 torre do convento fundado por D. Francisco Coutinho. Porém, em 1587, o corsário Francis Drake atacou o convento com tal
                 violência que o farol esteve apagado até 1606, ano em que D. Filipe II o mandou reconstruir. O actual Farol de D. Fernando,
                 mandado construir em 1835 por D. Maria II, foi estabelecido no mesmo local, em 1846. Equipado com 16 candeeiros de
                 Argand, queimando azeite, com reflectores parabólicos de cobre galvanizado a prata. Em 1908, sofreu alterações estruturais
                 profundas e recebeu um aparelho lenticular de Fresnel hiper-radiante, adquirido em 1902 por 40 contos de réis à firma BBT
                 de Paris, com três painéis ópticos de 8 metros quadrados, uma altura de 3,58 m, e flutuando em 313 Kg de mercúrio. O sis-
                 tema iluminante era constituído por um candeeiro de nível constante, com cinco torcidas. Foi electrificado em 1926 e apre-
                 senta um alcance de 32 milhas para uma visibilidade meteorológica de 10 milhas.
                  Actualmente aproveitando umas obras de conservação a Marinha vai instalar junto do Farol um polo museológico.
                  A sua dimensão, a beleza de todo o conjunto e a importância estratégica do local torna o Farol do Cabo de S. Vicente uma
                 peça de grande valor cultural da Marinha e de visita obrigatória.


                                                                               Farol do Cabo de S. Vicente
                                                                               (Texto de Luís Proença Mendes, CTEN)
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