Page 177 - Revista da Armada
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aumentado exponencialmente, no vazio  darão, cada vez menos desporto).  cada um destes momentos não é mais que
         actual das nossas vidas, num tempo em que   Também eu sofro com a indiferença e a  uma colecção de emoções, que muito me
         a velha moral morreu e a nova – qualquer  pequenez dos tempos actuais, onde a mal-  aquecem a alma, aprisionadas em palavras
         que ela seja – tarda em estabelecer-se,  dade grassa impune. Sofro com a distância  sem grande préstimo e em momentos sem
         prisioneira que está da diferença entre a  entre o meu quotidiano e o meu sentir e o  princípio, nem fim, só sentimento…
         verdade escrita e a verdade observada, da  de outros, com quem sou forçado a con-  Muitos dirão que são palavras tristes, que
         diferença entre as intenções professas e os  viver, e a quem, frequentemente, os céus  não ajudam outros. Ao contrário, eu aqui
         actos praticados, sacrificando-se o que está  parecem sorrir das formas mais diversas,  afirmo a suprema presunção de acreditar
         certo, em favor do que toda a gente faz, ou  concedendo-lhes, de mão beijada, bênçãos  que quem se revê nelas achará algum
         diz que faz…                       que – ouso julgar – não mereceram.  conforto. Pretendo, sobretudo, que não me
           Se em todos os tempos, houve hipocrisia,                            confundam com o grupo cada vez maior de
         morte, insensibilidade…Se houve Inquisi-  Sobrevivo, desde há muito, com as pe-  pessoas que sorriem para tudo e para todos,
         ção. Se Hitler existiu. Também, no contínuo  quenas coisas: aquelas que passam desa-  mas servem-se apenas a si próprios – são os
         da vida, houve amor e libertação…Porque,  percebidas a outros e são, quase sempre,  piores monstros, infelizmente, alguns, entre
         estou certo, em todos os tempos, houve  livres e gratuitas: o sorriso dos pequenos, o  os meus próprios pares…A seu tempo, es-
         quem acreditasse na diferença. Eu, que não  sol na manhã, o bater da chuva na madru-  ses mesmos, me calarão.
         significo nada, procurarei sempre estar neste  gada de insónia e o sentir de outras almas,
         último grupo…                      em livros de poetas, antigos e modernos,   Mas hoje estou satisfeito Sr.  Almirante:
                                            de um sentir irrequieto, próximo do meu…  pelas palavras e pelo sentir que me dirigiu
           Alguns – infelizmente muitos – procuram  Sobrevivo, principalmente, desde há muito  nesse dia e, em especial, porque só assim
         libertar-se através do engano dos sentidos,  tempo, graças a estas palavras, que me li-  consegui, verdadeiramente, agradecer-lhe.
         com uma estimulação artificial, seja através  bertam o espírito do quotidiano, sem alma,  Deixo-lhe, ainda, mais um Bem-Haja, com
         de drogas, seja com ídolos e ícones, que  que a vida, muitas vezes, me impõe…  votos de uma longa vida. Posso, agora, re-
         lhes preenchem o vazio ressequido do espí-                            tirar o espinho que me ficou na alma, num
         rito, dos quais o futebol é o paradigma (ac-  Mas, em definitivo, não sou um escritor.  silêncio com sabor a ingratidão, que desde
         tividade em que se procurarmos no íntimo  Sou, saberá o leitor conhecedor de escritos  esse dia me atormentava…
         do ser, achamos, pouca verdade, cada vez  anteriores, apenas mais um vulgar passari-                  Z
         menos nobreza e, estou certo que concor-  nheiro de emoções. É bem verdade, que                     Doc




            Poesia





                 Poemas de Mar, Ar e Vento (2)


                                  O balanço e a saudade







         O balanço vai e vem: bombordo, estibordo…            E não fora o sentir, da melodia ritmada, deste balanço tão
                                                              bem orquestrado
                                                              -Que faz sentir na tempestade beleza, no medo leveza e na
         Há um trovão no costado, de um canhão zangado,       solidão riqueza.
         vindo de um reino escondido, no mundo aquático.

                                                              Nada faria sentido, nem tu, nem eu, nem o momento
         O balanço vai e vem, tenaz, violento,                em que parti eu e ficaste tu…
         num enjoo agressivo, de que nem no beliche escapo.


                                                              O balanço vai e vem no silêncio pálido da noite,
         O balanço vai e vem…                                 interrompido, a tempos, pelo gritos suplicantes de um
         e eu, aqui, sozinho, pequeno, neste torpor agastado.  estômago revolto.



         O balanço vai e vem como a saudade que dói,          O balanço vai e vem
         no peito de quem está longe.                         neste coração de marinheiro apartado…



                                                      O VIAJANTE
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U MAIO 2003  31
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