Page 321 - Revista da Armada
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do navio...No dia seguinte ainda lá estava e eu, Eu próprio, perdido nas memórias do meu de- de cada um, a capacidade de criar, de não ser
amante da solidão e da beleza que o pôr do sencanto, quase o tinha esquecido até que al- número, de ser ele próprio: livre e orgulhoso,
sol, a navegar, permite observar, não consegui guém me chamou a atenção para a “desusada” criativo...importante.
deixar de me pasmar com as suas reviravoltas lá intimidade de algumas das palavras que tenho Quanto a mim já pensei em fazer o meu pró-
no cimo - junto às nuvens, junto do azul alaran- escrito, espantado com a “permissividade” dos prio papagaio de papel para lançar numa janela
jado do céu, a essa hora...Imaginava-me perto militares. Foi então que me surgiu, com a força do Hospital. Tenho a certeza que pelo menos os
dele, naquele lugar pacífico, que sei existir entre de um poema, o papagaio de papel em todo o doentes apreciariam. Mas não sou bom constru-
o mar e o céu, onde morre a dor, onde os ho- seu esplendor. Ele afirma, lá do alto, a certeza tor e seria, certamente, incompreendido. Em vez
mens se encontram com o mundo, conhecido de que os homens fardados, também têm senti- disso, prefiro acreditar no coração dos homens
dos muitos apreciadores das coisas verdadeira- mentos, também têm direito a sonhar...Esses so- simples, roubar-lhes, secretamente, os sonhos
mente belas da vida... nhos, essa sensibilidade, permitiram, por exem- e dar deles conta nestas palavras, infelizmente,
Outros o observaram em silêncio, durante os plo, que de um navio operacional, moderno, íntimas...Só assim sei viver. Só assim sei escrever.
três dias que acompanhou o navio. Após esse tem- nascessem por milagre e à medida das neces- E se algumas vezes desisti desta ilha dos sonha-
po, pressentindo a aproximação de tempestade, o sidades - que eram muitas - pedreiros, carpin- dores, foi para poder sobreviver - mas lá volta-
seu criador decidiu cortar-lhe o cabo que o ligava teiros, pintores de construção civil, num outro rei sempre, porque me sinto só e perdido, sem
a este mundo. Achou que ele já tinha cumprido navio em que também compartilhei sonhos... casa e sem rumo, quando a imaginação morre
a sua missão e que deveria voar até um final no Muitas vezes vi resultados excelentes obti- e ganha o cinzentismo da alma...
Atlântico, que o viu nascer. A tempestade veio e dos por superiores que permitiam o sonho aos A todos os que permitiram a publicação e
passou. O azul do mar, que muda como os olhos seus subordinados, de uma forma que, feliz- lêem estes textos queria, finalmente, agradecer
das mulheres bonitas, também mudou ao chegar- mente, muito engrandece a Marinha. Um pa- (acho que de forma egoísta, até agora, nunca o
mos à América e o mundo continuou como se pagaio de papel ligado a um navio de guerra, tinha feito por escrito). Sem eles já teria soçobra-
não tivesse havido papagaio de papel... no meio do oceano, não diminui o país que do neste sonho de escrever, sentimentos...
Hoje, muitos dos que estiveram comigo nes- ele representa. Muito pelo contrário, no devido Z
se navio, já nem se lembrarão deste concurso. contexto e local, pode representar no coração Doc
BIBLIOGRAFIA
A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau
A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau
ompleta-se com este 3º volume a his- como para passageiros, e que deixou de ser
tória, levada ao pormenor, do que foi mencionado em todos os escritos ou álbuns
Ca nossa gesta do bacalhau. Aparece o como navio da pesca do bacalhau.
ministro da Marinha, Américo Tomás, como O arrasto pela popa, que passou a ser lema
Presidente da República, dois novos minis- de todas as embarcações então em constru-
tros, Quintanilha Mendonça Dias e Manuel ção, não se chegou a impor como forma eco-
P. Crespo, dando o melhor do seu esforço e nómica de rentabilizar a actividade. A pesca
apoio a esses heróis do polo Norte que foram do bacalhau tinha muitas componentes eco-
os bacalhoeiros, perdidos uns, incendiados nómicas, que o livro contempla.
ou afundados outros, até ao final da epopeia. Os riscos da vida do mar, aumentados
Epopeia em três volumes, que se podia dizer: quando esse mar é de gelo, e os meios tão
“Tudo sobre os Bacalhoeiros”! primitivos, não permite que se passem mais
Dissemos, em Maio de 2002, que parecia de três ou quatro páginas sem um título como
estar prestes a aparecer o 3º volume desta este: o navio-motor tal afunda-se nos mares
obra sobre a pesca do bacalhau. Às vezes da Groenlândia; vem a seguir a fotografia de
ocorrem intervalos maiores entre as promes- um grupo de tripulantes salvos, acompanha-
sas e as concretizações: um ano, neste caso. do algumas vezes de fotografia isolada de ele-
É muito trabalho, é o cumprimento de um mento da tripulação perdida.
desiderato que, não sendo do metier da escri- Entre as alegrias de mais um navio a juntar
ta, mas do remo, mais calos nas mãos que no ao grupo de heróis que todos os anos partiam
cérebro, conseguiu cumprir a sua auto-pro- para a Terra Nova, e as tristezas de um outro
messa: Manuel Luís Pata, propunha-se levar a que se perdeu.
cabo um testemunho sobre a Figueira da Foz, Termina este livro de 635 páginas com a
e conseguiu-o. territórios circunvizinhos”, como quem ganha epopeia dos bacalhoeiros da Figueira da Foz,
Dedico todo o esforço posto nestas compi- balanço, para novos voos, o “povoamento da Aveiro, bênçãos e perdas, por fim greves e
lações como débito a meu pai, “pelo exemplo Groenlândia”, a “Groenlândia”, o “meio físi- despedimentos, enfim alegrias e tristezas,
que me deu “in loco”, na dura lida da pesca, co” e outros títulos, tal como fizera antes e “Tudo sobre os bacalhoeiros”.
pela audaz verticalidade e dinamismo de marí- continuando, pois, no mesmo estilo. A Revista da Armada agradece ao Sr. Ma-
timo vencedor, neste inóspito mar gelado.”. Também aparecem navios novos, como os nuel Luís Pata mais este volume, o 3º e últi-
Manuel Luís Pata não dá apenas continui- de arrasto pela popa, de linhas tão elegantes mo, que valoriza de forma acentuada a nos-
dade àquilo que escreveu nos dois livros an- que deixam a perder de vista, por exemplo, sa biblioteca.
teriores; começa o 3º com histórias indepen- as do “Senhor das Areias”, anos antes vendi- Z
dentes, e devotadas às origens, chegando “à do para Cabo Verde onde passou a desempe- S Machado
questão do descobrimento da Terra Nova e nhar funções de cabotagem tanto para carga CMG
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2003 31