Page 321 - Revista da Armada
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certamente, o médico com piores avaliações  da droga. Despedimo-nos, por fim, calorosa-  que, pela sua história pessoal, será sempre um
         da Marinha….                       mente. Saiu para o mesmo corredor de onde en-  homem diferente – necessariamente melhor. Nas
           Falámos um pouco sobre a vida dele. Seguiu  trou, deixando-me na solidão do gabinete…  mãos da Fada da Má Catadura, sujeito a um so-
         a progressão toda desde praça até ao actual pos-  Nos recôndito dos meus pensamentos, não  frimento odioso, o Sargento David venceu a má
         to. Frequentou aulas nocturnas para terminar o  pude deixar de pensar no muito que este filho  sina, o mau-olhado, o medo e a sua própria me-
         12º ano. Fez depois um curso de desenho técni-  do David do Mel tinha conseguido. Ao contrá-  mória. Algures no seu caminho terá certamente
         co – aproveitando o jeito para desenhar –  sobre  rio dos irmãos, não parece ter deixado, que a  encontrado a benevolência da luz (da Fada Com
         construção civil e fazia projectos, para vivendas,  memória da dor física e psíquica a que foi su-  Lume na Bola) e achado paz… Quanto a mim,
         nas horas vagas. Frequenta agora um curso de  jeito, lhe pese mais do que devia. Interrompeu,  hoje estou feliz, enganei por breves instantes as
         línguas, numa universidade privada. Casou tar-  assim me pareceu, o ciclo vicioso do sofrimen-  fadas que deliberam, ainda em assembleia-geral,
         de. “Precisava de assentar o pó da vida, antes  to, que poderia toldar-lhe a vida para sempre.  sob a minha vida triste. Nesses instantes voltei a
         de ter família” – afirmou. A mulher é secretá-  Deve ter perdoado. Perdoado sobretudo a um  sentir na face a sombra amiga do pinheiro man-
         ria. Ainda não tinham filhos. Uma certa calma  pai feroz e irracional.   so, no brejo longínquo, mas sempre próximo,
         serena irradiava da sua presença, enquanto ia   Libertou-se, quero acreditar, do jugo feroz de  dos prados e correrias da minha infância livre.
         falando, destes factos porventura triviais. Parou  um destino que não escolheu e que lhe estaria  Também eu queria ter a força para achar o ca-
         subitamente como se adivinhasse a questão que  destinado. Apraz-me acreditar, que a escolha  minho das pedras neste rio caudaloso e revolto,
         me ia no espírito, finalmente prosseguiu:  naval pôde ter dado uma ajuda. As navegações,  que se chama viver, para lá de tristezas passadas
           - O meu pai morreu há muitos anos. Caiu na  as viagens absorventes e o clima de muitos na-  e de males presentes. A mim, a ele e a todos nós
         estrada e foi atropelado... disse sem emoção.  vios, predispõem a algum crescimento cultural e  resta-nos sempre a opção de tomar o caminho
           Foi a primeira vez que, desde que o conheço  pessoal. Fazem, em particular, crescer dentro de  difícil, para lá da dor, do medo, da incompreen-
         falou do seu pai. O irmão mais velho faleceu,  cada um o sentimento de pertença, que, acredi-  são e da hipocrisia (que é a pior das mentiras). Só
         também, após três outras tentativas de suicídio.  to, apesar de todas as dificuldades conjunturais,  assim o terrível David do Mel e todos como ele
         Das irmãs, só mantinha contacto com uma que  nunca se perdeu…         serão, como que por magia, vencidos…
         estava a viver em França. O irmão mais novo,   Acredito, ainda, que parece estar livre da pe-         Z
         esse, estava preso na sequência de desmandos  sada herança do David do Mel. Estou convicto          Doc



                                       TRAFALGAR 200
                                       TRAFALGAR 200

                          PARTICIPAÇÃO DO NRP “ÁLVARES CABRAL”

              elebraram-se no período com-                                           nhou-se em todas actividades, tendo
              preendido entre 24 e 29 de Ju-                                         assegurado uma representação signi-
         Cnho em Portsmouth, os 200                                                  ficativa na maior parte dos desportos.
         anos da Batalha de Trafalgar (evento                                        A participação e o empenho de todos
         que será objecto de artigo a publicar),                                     permitiram que o navio protagonizasse
         acontecimento que contou com a pre-                                         alguns sucessos, nomeadamente o pri-
         sença de 167 navios de países de todos                                      meiro lugar em voleibol, e o primeiro e
         os continentes. Coube aos N.R.P. “Sa-                                       segundo lugares individuais e o segun-
         gres” e “Álvares Cabral”, ambos em-                                         do lugar em pares, no badminton.
         penhados na realização de viagens de                                          Para além dos resultados obtidos,
         instrução de cadetes da Escola Naval,                                       também o elevado nível de envolvi-
         representar a Marinha Portuguesa.                                           mento da guarnição e dos cadetes e a
           As festividades tiveram início com                                        respectiva conduta, se mostraram como
         uma série de eventos de natureza so-                                        factores decisivos para atingir a pontua-
         cial e desportiva, com os quais se pre-  Oficiais e cadetes da “Álvares Cabral” que participaram nas provas desportivas.  ção necessária para conquistar o troféu
         tenderam estreitar os laços de amizade                                       de “melhor navio do torneio”.
         e de camaradagem entre as guarnições, e culminou                     A entrega deste prémio foi feita pelo CINCFLEET,
         com uma revista (International Fleet Review) aos na-               que na circunstância agradeceu a presença da Ma-
         vios fundeados no Solent (canal, situado a norte da                rinha Portuguesa numa comemoração de grande
         Ilha de Wight, que liga Portsmouth a Southampton),                 significado para o Reino Unido e, em especial, para
         por Sua Alteza Real a Rainha Isabel II.                            a Royal Navy.
           O fim-de-semana de 24 a 26 de Junho foi, assim,                     Numa cerimónia interna, o Comandante fez as
         ocupado com a realização de umas Olimpíadas                                              praças, fiéis deposi-
         Desportivas, que envolveram modalidades como o                                           tárias da taça “Tra-
         “futebol-de-cinco” (futsal), atletismo, natação, volei-                                  falgar 200 / Interna-
         bol, badminton, rugby, squash, basquetebol, vela,                                        tional Fleet Review
         ténis, “ténis-de-mesa”, golfe, cricket e hóquei em                                       - Top Team” (por se
         campo. No último dia, decorreram os chamados                                             terem constituído
         “Jogos sem Fronteiras”, onde se testaram as perícias                                     como a delegação
         individuais e colectivas dos participantes, através de                                   mais numerosa),
         desafios, inspirados nas tradicionais artes e fainas                                      atribuindo uma ré-
         marinheiras, para os quais era especialmente im-                                         plica aos cadetes
         portante o espírito de grupo e a capacidade de agir                                      do curso “Gaspar
         de forma coordenada.                                                                     Corte Real”.
           A “Álvares Cabral”, através de equipas mistas for-                                                  Z
         madas por cadetes e pessoal da guarnição, empe-  Troféu do torneio e pormenor da inscrição.  (Colaboração do Comando do NRP “Álvares Cabral”)
                                                                              REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2005  31
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