Page 140 - Revista da Armada
P. 140
DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (21)
De Novo o E.T.O.
De Novo o E.T.O.
arece-me que já tinha deixado no ar a que ali íamos passar! Combinámos, então, como nas “guerras de Quinta-Feira” (as esgo-
ameaça de voltar à carga com histórias um procedimento original: sempre que fosse tantes “Weekly Wars”), em que o pessoal era
Ppassadas “à boca” do nosso já conhe- detectada a aproximação daquele terrível ins- “espremido” à máxima taxa de compressão e
cido Equipamento Transmissor de Ordens ou pector seria efectuado um aviso pela instalação se tornava necessário fazer avisos quase de mi-
- para os amigos - E.T.O.. Aqui a cumpro, não sonora do navio, de modo a permitir ao pessoal nuto a minuto, fosse da Ponte, a estabelecer a
sem antes dar aos meus incautos leitores a últi- aprimorar um pouco mais a apresentação das interdição de circular nos exteriores, do Centro
ma oportunidade de desviarem os olhos destas instalações enquanto eu convidava o homem de Operações, a dar um panorama da evolu-
perigosas linhas antes de se verem irremediá- para um cafezinho e o entretinha com “dois ção do “combate”, ou mesmo da Central de
vel e inapelavelmente enleados na anestesiante dedos” de conversa. E o aviso era tão curto e Limitação de Avarias, a fazer um ponto de si-
xaropada que se segue… Continuam comigo? conciso como expressivo em toda a sua sinis- tuação dos vários “sinistros” que afligiam o na-
Honra aos valentes! Então, cá vai disto… tralidade: “GUARNIÇÃO… UNHA NEGRA A vio. É que toda a guarnição - toda mesmo, sem
Os pequenos episódios que passaremos a BORDO! UNHA NEGRA A BORDO!”. qualquer excepção! - tinha de estar permanen-
relatar tiveram o seu sucesso a bordo da nossa Nos períodos de treino de mar, o embarque temente a par do “filme” que se desenrolava
velha/nova “Vasco da Gama”, durante aquele – pela “fresquinha” - e desembarque – ao fim naquele momento e os “enfegas” dos “bifes”
famigerado treino em águas britânicas desig- da tarde - da equipa de avaliação tornou-se chegavam ao ponto de ir perguntar ao padeiro,
nado por Operational Sea Training ou, sim-
plesmente, OST, que, conforme anteriormente
referido, se prestava a monumentais argoladas
pelos menos experientes em semelhantes lides,
como é o caso deste vosso camarada.
Ora, começava o dito treino por uma es-
pécie de teste de diagnóstico, um verdadeiro
tratamento de choque conhecido por Staff Sea
Check, em que o navio, já ao largo, era verda-
deiramente tomado de assalto por toda a equi-
pa de avaliação, os temíveis sea raiders. Estes,
em vagas sucessivas, entravam pelo portaló e
inspeccionavam a barca “de fio a pavio”, servi-
ço a serviço, do mastro da bandeira ao pau de
jaque, da quilha ao tope do mastro, de modo
a obter uma primeira - mas já profunda – im-
pressão do estado do material e da organiza-
ção de bordo.
Nesse primeiro “recontro” fui encarregue
de acompanhar o avaliador responsável pela
“área do Imediato”, um indivíduo alto, magro,
seco e muito curtido por aquilo que se adivi-
nhava ter sido uma longa vida de mar. Não
me recordo, já, do seu nome, mas nunca mais
esqueci a alcunha que lhe atribuímos, mercê uma verdadeira rotina. Durante as ditas mano- enfiado no seu cantinho, quantos a viões nos
da falangeta enegrecida (em consequência de bras, um certo camarada, cuja identidade não estavam a “atacar”, qual a classe do submarino
algum recente entalão) de um dos seus mindi- vou revelar para não me envergonhar junto que operava naquela área, quem era o chefe
nhos: “Unha Negra”. Pois nada escapava a este dos amáveis leitores, tinha a seu cargo o esta- do destacamento que combatia o “incêndio”
indivíduo: uns grãozinhos de pó por cima de belecimento de comunicações em fonia com no paiol do Mestre e quantas “baixas” já tínha-
algum encanamento, uma cortina solta, umas o Harbourmaster e com os mestres dos rebo- mos sofrido. Não será, decerto, difícil imagi-
gotas de água por enxugar na superfície de um cadores que faziam o transbordo de pessoal. nar a verdadeira agressão cacofónica a que os
lavatório ou mesmo um cacifo por trancar (che- Pois em certa altura foi necessário efectuar um nossos pobres ouvidos eram constantemente
gou ao extremo de fazer referência a todas as aviso para os avaliadores comparecerem em sujeitos em tais ocasiões!
carteiras que encontrou “à mão” e de registar determinada zona do navio. Como o referido A avaliação final, então, era mesmo de mor-
as quantias em dinheiro que estas continham). camarada se “desembrulhava” razoavelmen- te! Aí todas as situações possíveis e imaginárias
Escusado será dizer que ao fim de duas horas te no Inglês, foi-lhe solicitado que efectuasse eram simuladas quase em simultâneo. No cul-
eu tinha os ouvidos a zunir, além de ter gasto o aviso, pois o Cabo de Quarto estava atrapa- minar da acção, a plataforma, “atacada” por
dois ou três blocos em anotações. Desembar- lhadíssimo com aquela tarefa. Saltando do mi- terra, mar e ar, sofria vários “rombos” e “incên-
cados os “enfegas”, corri logo a pôr o Oficial crofone do VHF para o “falinhas” do E.T.O., dios”, ficava com o leme e a propulsão “avaria-
1
Imediato ao corrente da “escovadela”. Este fez, então, uma impecável alocução na lín- dos” e via uma parte da sua estrutura (normal-
encarregou-me de passar a informação a toda gua de Shakespeare… Só “borrou a pintura” mente a Ponte ou o Centro de Operações) ser
a guarnição e de verificar o cumprimento da mesmo no final, quando se esqueceu de que “levada” por uma “explosão”, na qual metade
infindável lista de recomendações. Nos pri- não estava a comunicar via rádio e encerrou dos elementos da guarnição ficavam “mortos”
meiros dias assistimos a assinaláveis melhorias, o breve discurso com a expressão de serviço ou “feridos”. Para cúmulo era precisamente
mas cedo ficou claro que seria impraticável “OVER” (“Escuto”). nessas alturas que se recebia ordem de efectuar
manter aquele ritmo durante as seis semanas Mas nunca o E.T.O. era tão manipulado um reboque ou um reabastecimento.
30 ABRIL 2007 U REVISTA DA ARMADA