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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (21)



                               De Novo o E.T.O.
                               De Novo o E.T.O.



             arece-me que já tinha deixado no ar a  que ali íamos passar! Combinámos, então,  como nas “guerras de Quinta-Feira” (as esgo-
             ameaça de voltar à carga com histórias  um procedimento original: sempre que fosse  tantes “Weekly Wars”), em que o pessoal era
         Ppassadas “à boca” do nosso já conhe-  detectada a aproximação daquele terrível ins-  “espremido” à máxima taxa de compressão e
         cido Equipamento Transmissor de Ordens ou  pector seria efectuado um aviso pela instalação  se tornava necessário fazer avisos quase de mi-
         - para os amigos - E.T.O.. Aqui a cumpro, não  sonora do navio, de modo a permitir ao pessoal  nuto a minuto, fosse da Ponte, a estabelecer a
         sem antes dar aos meus incautos leitores a últi-  aprimorar um pouco mais a apresentação das  interdição de circular nos exteriores, do Centro
         ma oportunidade de desviarem os olhos destas  instalações enquanto eu convidava o homem  de Operações, a dar um panorama da evolu-
         perigosas linhas antes de se verem irremediá-  para um cafezinho e o entretinha com “dois  ção do “combate”, ou mesmo da Central de
         vel e inapelavelmente enleados na anestesiante  dedos” de conversa. E o aviso era tão curto e  Limitação de Avarias, a fazer um ponto de si-
         xaropada que se segue… Continuam comigo?  conciso como expressivo em toda a sua sinis-  tuação dos vários “sinistros” que afligiam o na-
         Honra aos valentes! Então, cá vai disto…  tralidade: “GUARNIÇÃO… UNHA NEGRA A  vio. É que toda a guarnição - toda mesmo, sem
           Os pequenos episódios que passaremos a  BORDO! UNHA NEGRA A BORDO!”.  qualquer excepção! - tinha de estar permanen-
         relatar tiveram o seu sucesso a bordo da nossa   Nos períodos de treino de mar, o embarque  temente a par do “filme” que se desenrolava
         velha/nova “Vasco da Gama”, durante aquele  – pela “fresquinha” - e desembarque – ao fim  naquele momento e os “enfegas” dos “bifes”
         famigerado treino em águas britânicas desig-  da tarde - da equipa de avaliação tornou-se  chegavam ao ponto de ir perguntar ao padeiro,
         nado por Operational Sea Training ou, sim-
         plesmente, OST, que, conforme anteriormente
         referido, se prestava a monumentais argoladas
         pelos menos experientes em semelhantes lides,
         como é o caso deste vosso camarada.
           Ora, começava o dito treino por uma es-
         pécie de teste de diagnóstico, um verdadeiro
         tratamento de choque conhecido por Staff Sea
         Check, em que o navio, já ao largo, era verda-
         deiramente tomado de assalto por toda a equi-
         pa de avaliação, os temíveis sea raiders. Estes,
         em vagas sucessivas, entravam pelo portaló e
         inspeccionavam a barca “de fio a pavio”, servi-
         ço a serviço, do mastro da bandeira ao pau de
         jaque, da quilha ao tope do mastro, de modo
         a obter uma primeira - mas já profunda – im-
         pressão do estado do material e da organiza-
         ção de bordo.
           Nesse primeiro “recontro” fui encarregue
         de acompanhar o avaliador responsável pela
         “área do Imediato”, um indivíduo alto, magro,
         seco e muito curtido por aquilo que se adivi-
         nhava ter sido uma longa vida de mar. Não
         me recordo, já, do seu nome, mas nunca mais
         esqueci a alcunha que lhe atribuímos, mercê  uma verdadeira rotina. Durante as ditas mano-  enfiado no seu cantinho, quantos a viões nos
         da falangeta enegrecida (em consequência de  bras, um certo camarada, cuja identidade não  estavam a “atacar”, qual a classe do submarino
         algum recente entalão) de um dos seus mindi-  vou revelar para não me envergonhar junto  que operava naquela área, quem era o chefe
         nhos: “Unha Negra”. Pois nada escapava a este  dos amáveis leitores, tinha a seu cargo o esta-  do destacamento que combatia o “incêndio”
         indivíduo: uns grãozinhos de pó por cima de  belecimento de comunicações em fonia com  no paiol do Mestre e quantas “baixas” já tínha-
         algum encanamento, uma cortina solta, umas  o Harbourmaster e com os mestres dos rebo-  mos sofrido. Não será, decerto, difícil imagi-
         gotas de água por enxugar na superfície de um  cadores que faziam o transbordo de pessoal.  nar a verdadeira agressão cacofónica a que os
         lavatório ou mesmo um cacifo por trancar (che-  Pois em certa altura foi necessário efectuar um  nossos pobres ouvidos eram constantemente
         gou ao extremo de fazer referência a todas as  aviso para os avaliadores comparecerem em  sujeitos em tais ocasiões!
         carteiras que encontrou “à mão” e de registar  determinada zona do navio. Como o referido   A avaliação final, então, era mesmo de mor-
         as quantias em dinheiro que estas continham).  camarada se “desembrulhava” razoavelmen-  te! Aí todas as situações possíveis e imaginárias
         Escusado será dizer que ao fim de duas horas  te no Inglês, foi-lhe solicitado que efectuasse  eram simuladas quase em simultâneo. No cul-
         eu tinha os ouvidos a zunir, além de ter gasto  o aviso, pois o Cabo de Quarto estava atrapa-  minar da acção, a plataforma, “atacada” por
         dois ou três blocos em anotações. Desembar-  lhadíssimo com aquela tarefa. Saltando do mi-  terra, mar e ar, sofria vários “rombos” e “incên-
         cados os “enfegas”, corri logo a pôr o Oficial  crofone do VHF  para o “falinhas” do E.T.O.,  dios”, ficava com o leme e a propulsão “avaria-
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         Imediato ao corrente da “escovadela”. Este  fez, então, uma impecável alocução na lín-  dos” e via uma parte da sua estrutura (normal-
         encarregou-me de passar a informação a toda  gua de Shakespeare… Só “borrou a pintura”  mente a Ponte ou o Centro de Operações) ser
         a guarnição e de verificar o cumprimento da  mesmo no final, quando se esqueceu de que  “levada” por uma “explosão”, na qual metade
         infindável lista de recomendações. Nos pri-  não estava a comunicar via rádio e encerrou  dos elementos da guarnição ficavam “mortos”
         meiros dias assistimos a assinaláveis melhorias,  o breve discurso com a expressão de serviço  ou “feridos”. Para cúmulo era precisamente
         mas cedo ficou claro que seria impraticável  “OVER” (“Escuto”).        nessas alturas que se recebia ordem de efectuar
         manter aquele ritmo durante as seis semanas   Mas nunca o E.T.O. era tão manipulado  um reboque ou um reabastecimento.

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