Page 392 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DA BOTICA (54)
O meu Comandante…
O meu Comandante…
aleceu o Almirante aceitação, ia vencendo.
Almeida Gonçalves, Fiquei, por fim, imensa-
Fainda jovem e com mente feliz quando soube
muito para dar à Marinha. que ia representar Portu-
Conheci este oficial preci- gal, em lugar de respon-
samente há 7 anos, no mês sabilidade em Bruxelas.
de Novembro de 1999. Es- Achei que merecia e que
távamos em Timor. Era o de algum modo tinha ven-
Comandante do NRP Vas- cido as maleitas que o per-
co da Gama. Decidi escre- seguiam.
ver sobre ele, neste outro Uma grande pena me in-
mês de Novembro. Afinal, vadiu quando um médico
considero-o “meu Coman- mais antigo me avisou do
dante”, pois a chefia pode seu falecimento. Pareceu,
ser imposta, durante algum desta feita, perfeitamente
tempo, ou circunstância injustificado e injusto. A
específica, mas quando vida é assim mesmo, as
pela sua acção e personali- mais das vezes tem pouco
dade um determinado co- a ver com justiças ou me-
mandante inspira respeito recimentos…E eu, que sou
pela sua acção e persona- certamente o pior médico
lidade, ficará – como sa- que a Marinha tem e que
bem quase todos os ma- recebi ao longo dos mui-
rinheiros – para sempre tos anos que já leva esta
o “nosso Comandante”. É escrita inúmeras críticas,
uma forma de imortalida- achei-me, ainda assim,
de, que contempla aqueles digno de escrever aqui –
que respeitamos e que fi- de forma explícita – sobre
carão para sempre no nos- um oficial que muitos co-
so sentir. nheceram.
A situação em que nos Acredito que atingimos
encontrávamos, um Timor- uma certa dose de imorta-
-Leste instável, logo após lidade, pelos actos que em
a libertação do jugo Indo- vida coleccionamos e que
nésio, fez evidenciar todas se não medem pelo nosso
as qualidades humanas e militares do meu renses – os principais interessados – confia- lugar na escala social, pela nossa riqueza, ou
Comandante. Por um lado existia uma certa vam nos militares portugueses e nos viam pela nossa própria exaltação, mas pela nossa
agressividade latente por parte dos aliados, particularmente a nós (marinheiros) como capacidade de tocar no coração dos outros.
que na missão internacional então criada amigos…Foram tempos gloriosos, que vão À família enlutada, lembro que o meu Co-
pela ONU (a INTERFET), em relação a Por- ficar na memória de muitos. mandante tocou o coração de muitos e vi-
tugal, reflectida por inúmeros relatos jorna- Não pense contudo o leitor atento que verá, muitos mais anos, no coração dos seus
lísticos australianos, por exemplo. Por outro, sempre tive ideias coincidentes com o meu amigos e subordinados. Será este certamente
experimentou-se amiúde uma agressividade Comandante. Não, não tive, particularmen- um dos seus maiores legados…e ajudará a
por parte de muitos órgãos de comunicação te sobre as grandes ideias do mundo, sobre amenizar a dor que agora sentem.
social portugueses (…pois Portugal parece a participação da Saúde Naval na institui- Nós, todos os que o conhecemos pessoal-
cada vez mais despido de patriotismo e res- ção Marinha e, muitos outros assuntos. Co- mente, vamos continuar a lamentar a sua
peito pela profissão militar…). Existia, ainda, mentavam então, os oficiais dessa saudosa partida. Comentaremos, logo a seguir, as via-
uma situação mal definida, em Timor – em guarnição, que “o doutor e o Comandante” gens, as acções, as decisões...São estas con-
que a ameaça militar directa parecia extin- resolviam a Marinha e, quiçá, o mundo à versas, estes sentimentos, que ao longo de
ta, mas transparecia a instabilidade social e refeição…Aí e sempre, primava o Coman- gerações mantém vivo a entidade colectiva
um mundo de carências, das quais a fome dante Almeida Gonçalves, por ideias vivas a que chamamos Marinha e que me parece
não era a menor… e um sentido de humor particular, que lem- tão importante, como o são o cinzento duro
A tudo isto se respondeu com uma calma bro com saudade. dos navios, ou a singeleza das construções
e um bom senso, que, ainda hoje, passa- Nestes últimos anos, a minha admiração que constituem a instituição naval. Por isto,
do tanto tempo, não me canso de admirar. pelo meu Comandante aumentou a ainda porque o seu exemplo nos edifica, não po-
Contestavam-se com calma e fundamentada mais. Visitava-me primeiro no Hospital da deria o exemplo deste militar passar desper-
serenidade acusações de que “o navio esta- Marinha e, nos últimos anos, no Centro de cebido…Desejamos todos que tenha bons
va perdido”. Demonstrou-se aos aliados, e Medicina Naval, numa capacidade técnica. ventos, mar calmo e sucesso na missão que
particularmente aos militares australianos, Fui assim sabendo das graves maleitas de agora iniciou. A sua memória perdurará.
que a nossa acção era séria e profissional e saúde da pessoa física que ele era e de todo Z
mais, muito mais importante, que os timo- o sofrimento, que, com grande coragem e Doc
30 DEZEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA