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HISTÓRIAS DA BOTICA (54)



                        O meu Comandante…
                        O meu Comandante…



             aleceu o Almirante                                                             aceitação, ia vencendo.
             Almeida Gonçalves,                                                             Fiquei, por fim, imensa-
         Fainda jovem e com                                                                 mente feliz quando soube
         muito para dar à Marinha.                                                          que ia representar Portu-
         Conheci este oficial preci-                                                         gal, em lugar de respon-
         samente há 7 anos, no mês                                                          sabilidade em Bruxelas.
         de Novembro de 1999. Es-                                                           Achei que merecia e que
         távamos em Timor. Era o                                                            de algum modo tinha ven-
         Comandante do NRP Vas-                                                             cido as maleitas que o per-
         co da Gama. Decidi escre-                                                          seguiam.
         ver sobre ele, neste outro                                                           Uma grande pena me in-
         mês de Novembro. Afinal,                                                            vadiu quando um médico
         considero-o “meu Coman-                                                            mais antigo me avisou do
         dante”, pois a chefia pode                                                          seu falecimento. Pareceu,
         ser imposta, durante algum                                                         desta feita, perfeitamente
         tempo, ou circunstância                                                            injustificado e injusto. A
         específica, mas quando                                                             vida é assim mesmo, as
         pela sua acção e personali-                                                        mais das vezes tem pouco
         dade um determinado co-                                                            a ver com justiças ou me-
         mandante inspira respeito                                                          recimentos…E eu, que sou
         pela sua acção e persona-                                                          certamente o pior médico
         lidade, ficará – como sa-                                                           que a Marinha tem e que
         bem quase todos os ma-                                                             recebi ao longo dos mui-
         rinheiros – para sempre                                                            tos anos que já leva esta
         o “nosso Comandante”. É                                                            escrita inúmeras críticas,
         uma forma de imortalida-                                                           achei-me, ainda assim,
         de, que contempla aqueles                                                          digno de escrever aqui –
         que respeitamos e que fi-                                                           de forma explícita – sobre
         carão para sempre no nos-                                                          um oficial que muitos co-
         so sentir.                                                                         nheceram.
           A situação em que nos                                                              Acredito que atingimos
         encontrávamos, um Timor-                                                           uma certa dose de imorta-
         -Leste instável, logo após                                                         lidade, pelos actos que em
         a libertação do jugo Indo-                                                         vida coleccionamos e que
         nésio, fez evidenciar todas                                                        se não medem pelo nosso
         as qualidades humanas e militares do meu  renses – os principais interessados – confia-  lugar na escala social, pela nossa riqueza, ou
         Comandante. Por um lado existia uma certa  vam nos militares portugueses e nos viam  pela nossa própria exaltação, mas pela nossa
         agressividade latente por parte dos aliados,  particularmente a nós (marinheiros) como  capacidade de tocar no coração dos outros.
         que na missão internacional então criada  amigos…Foram tempos gloriosos, que vão  À família enlutada, lembro que o meu Co-
         pela ONU (a INTERFET), em relação a Por-  ficar na memória de muitos.  mandante tocou o coração de muitos e vi-
         tugal, reflectida por inúmeros relatos jorna-  Não pense contudo o leitor atento que  verá, muitos mais anos, no coração dos seus
         lísticos australianos, por exemplo. Por outro,  sempre tive ideias coincidentes com o meu  amigos e subordinados. Será este certamente
         experimentou-se amiúde uma agressividade  Comandante. Não, não tive, particularmen-  um dos seus maiores legados…e ajudará a
         por parte de muitos órgãos de comunicação  te sobre as grandes ideias do mundo, sobre  amenizar a dor que agora sentem.
         social portugueses (…pois Portugal parece  a participação da Saúde Naval na institui-  Nós, todos os que o conhecemos pessoal-
         cada vez mais despido de patriotismo e res-  ção Marinha e, muitos outros assuntos. Co-  mente, vamos continuar a lamentar a sua
         peito pela profissão militar…). Existia, ainda,  mentavam então, os oficiais dessa saudosa  partida. Comentaremos, logo a seguir, as via-
         uma situação mal definida, em Timor – em  guarnição, que “o doutor e o Comandante”  gens, as acções, as decisões...São estas con-
         que a ameaça militar directa parecia extin-  resolviam a Marinha e, quiçá, o mundo à  versas, estes sentimentos, que ao longo de
         ta, mas transparecia a instabilidade social e  refeição…Aí e sempre, primava o Coman-  gerações mantém vivo a entidade colectiva
         um mundo de carências, das quais a fome  dante Almeida Gonçalves, por ideias vivas  a que chamamos Marinha e que me parece
         não era a menor…                   e um sentido de humor particular, que lem-  tão importante, como o são o cinzento duro
           A tudo isto se respondeu com uma calma  bro com saudade.            dos navios, ou a singeleza das construções
         e um bom senso, que, ainda hoje, passa-  Nestes últimos anos, a minha admiração  que constituem a instituição naval. Por isto,
         do tanto tempo, não me canso de admirar.  pelo meu Comandante aumentou a ainda  porque o seu exemplo nos edifica, não po-
         Contestavam-se com calma e fundamentada  mais. Visitava-me primeiro no Hospital da  deria o exemplo deste militar passar desper-
         serenidade acusações de que “o navio esta-  Marinha e, nos últimos anos, no Centro de  cebido…Desejamos todos que tenha bons
         va perdido”. Demonstrou-se aos aliados, e  Medicina Naval, numa capacidade técnica.  ventos, mar calmo e sucesso na missão que
         particularmente aos militares australianos,  Fui assim sabendo das graves maleitas de  agora iniciou. A sua memória perdurará.
         que a nossa acção era séria e profissional e  saúde da pessoa física que ele era e de todo             Z
         mais, muito mais importante, que os timo-  o sofrimento, que, com grande coragem e                  Doc

         30  DEZEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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