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REFLEXÃO ESTRATÉGICA                                                                            6

MAHAN: O HOMEM NO SEU TEMPO
Na sequência do artigo publicado na
         edição de Junho do ano transacto, e    Depois de retirado da vida militar, Mahan       com a incorporação simultânea das tecnolo-
         para se continuar a analisar a valia  continuou a escrever artigos e livros, a profe-  gias e das tácticas associadas às granadas de
                                               rir conferências e foi distinguido com diver-    alto explosivo e aos torpedos. Por outro lado,
de Mahan como teórico da estratégia naval, sos diplomas honoríficos pelas Universida-           o incremento do volume e da diversidade
é indispensável recordar o homem e situá- des de Harvard, Yale, Columbia, Dartmouth             do comércio marítimo internacional, ques-
-lo no seu tempo.                              e McGill. Até ao fim da sua vida manteve         tionava a predominância do transporte das
Mahan nasceu em West Point, Nova Ior- uma profunda devoção religiosa e uma visão                mercadorias em navios britânicos. Acrescia,
que, a 27 de Setembro de 1840, e morreu a do mundo determinada pela convicção de                ainda, que a ferrovia mostrava a possibilida-
1 de Dezembro de 1914, em Washington. que a Providência Divina traça o destino dos              de dos países continentais se desenvolverem
Era filho de Dennis Hart Mahan, professor povos e alimenta a inspiração que produz              sem recurso a marinhas, enquanto o telégrafo
da United States Military Academy.
Depois de concluir a United States Na-                                                              reconfigurara as possibilidades das co-
val Academy em 1859, prestou serviço                                                                municações terrestres. Nestas circunstân-
activo na United States Navy durante                                                                cias, a outrora inquestionável utilidade e
cerca de 40 anos, tendo embarcado em                                                                o valor decisivo da Royal Navy, como
diversos navios como oficial de guarni-                                                             instrumento político preferencial do Rei-
ção e comandante. Também foi instrutor                                                              no Unido para garantir a sua prosperida-
na United States Naval Academy.                                                                     de e afirmação internacional, pareciam
Em 1885, após ter sido promovido ao                                                                 condenadas à irrelevância.
posto de capitão-de-mar-e-guerra, foi
nomeado instrutor de História e Táctica                                                               Nos EUA a situação era completa-
Naval no United States Naval War Col-                                                               mente diferente da descrita para o Rei-
lege, que acabara de ser criado. Mahan                                                              no Unido. O país estava empenhado
presidiu a esta instituição de 1886 a                                                               na ocupação progressiva e efectiva do
1889 e de 1892 a 1893. Foi no exercí- USS Chicago.                                                  vasto território do continente norteame-
cio dos cargos referidos que organizou                                                              ricano. Por isso, os assuntos marítimos
as notas das aulas, a partir das quais redi- novas ideias. Foi com base nesta devoção               tinham sido colocados numa prioridade
giu a sua obra mais conhecida e relevante, e convicção que justificou e apresentou o                política remota. É certo que esta situação
The Influence of Sea Power Upon History, expansionismo progressivo dos EUA, como                contribuiu, de forma relevante, para o facto
1660/1783, publicada em 1890 e que teve um contributo para o dever ocidental de ci-             de, na época de Mahan, a United States
enorme influência no pensamento estraté- vilizar a Humanidade, e que considerou a               Navy ser composta apenas por unidades cos-
gico naval do início do século XX. Nesta dinâmica conflitual entre os Estados como              teiras, que se encontravam em grande obso-
obra, analisa a competição pelo domínio inevitável, recorrente, aceitável e necessária          lescência tecnológica e não dispunham de
dos mares entre a França e o Reino Unido ao engrandecimento de todos eles.                      capacidade militar válida numa guerra entre
durante os séculos XVII e                                                                       potências navais de primeira ordem. Porém,
XVIII, para demonstrar que                                                                      não se pode esquecer que o almirantado nor-
o poder naval é o factor
decisivo no controlo do co-                                                                                     te americano, após a Guerra
mércio marítimo e na vitória                                                                                    Civil dos EUA, se havia opos-
em caso de conflito.                                                                                            to ao abandono dos navios à
Em Maio de 1893, sen-                                                                                           vela, a favor da adopção da
do já muito conhecido, foi                                                                                      tecnologia emergente dos
nomeado comandante do                                                                                           navios a vapor!
USS “Chicago”, um cruza-
dor que realizou uma visita                                                                                       Nestas circunstâncias, o
de demonstração de força à                                                                                      pensamento estratégico de
Europa, onde foi recebido e   US Naval War College.                                                             Mahan serviu perfeitamente
                                                                                                                as pretensões políticas do
homenageado aos mais altos níveis políti- O tempo de Mahan foi muito favorável à                                Reino Unido e dos EUA no
co, académico e social. Depois desta mis- divulgação do seu pensamento estratégico                              início do século XX, porque,
são retomou o cargo de instrutor no United no Reino Unido e nos EUA, embora por ra-                             ao colocar as prioridades
States Naval War College, onde passou à zões distintas.                                         navais na primeira linha dos requisitos ne-
reserva em 1896.                               No Reino Unido vivia-se um momento               cessários à riqueza e grandeza ambiciona-
No ano de 1898, durante a Guerra Hispano- particularmente difícil, por a tecnologia ter         da pelos líderes dos dois países, contribuiu
-Americana, voltou ao serviço activo no Naval desvalorizado os elementos estruturantes da       decisivamente para viabilizar os investi-
War Board, como consultor de estratégia naval utilidade e valia da Royal Navy como instru-      mentos necessários à aquisição de meios
do Secretário da Marinha e do Presidente dos mento político. Com efeito, por um lado, de-       materiais e de conhecimentos técnicos,
EUA. Foi promovido a contra-almirante em corria um processo particularmente difícil de          bem como à experimentação de procedi-
1906, quando o Congresso dos Estados Unidos transformação da marinha da era da vela e da        mentos, que são os factores determinantes
aprovou a legislação que determinou a promo- madeira para a marinha da era do vapor e do        do sucesso de toda a estratégia naval.
ção ao posto superior, de oficiais de marinha aço, e da artilharia de carregar pela boca para
que serviram na Guerra Civil Americana.        a artilharia de culatra e percussão central,                                  António Silva Ribeiro
                                                                                                                                              CALM

                                                                                                N.R.
                                                                                                O autor não adota o novo acordo ortográfico.

4 JANEIRO 2013 • REVISTA DA ARMADA
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