Page 31 - Revista da Armada
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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA                                                                    REVISTA DA ARMADA | 489

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A CASA INACABADA…

E O REGRESSO

“Para mim há três palavras que definem as pessoas e que são: com licença, obrigado e perdão”
Conversas com Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, de Ambrogetti e Rubin

Voltei. Estou de novo junto ao Tejo,        preocupem, para começar, e de acordo         que por entre vénias múltiplas, solicitava
    num inesperado trajeto do interior      com o lema acima exposto (pertencente        a gentileza de uma foto que enquadrasse
para o rio… No Hospital das Forças Arma-    a um Papa), gostaria de agradecer daqui      o Tejo sorria feliz, como se toda a sua vida
das, fruto da divisão (por quotas) dos lu-  a todos os que colaboraram comigo no         a conduzisse ali, para aquele preciso mo-
gares de gestão pelos Ramos – um impe-      Serviço de Cardiologia do Hospital das       mento e lugar…
rativo militar – não pude ficar…             Forças Armadas. Não serão esquecidos.
                                            Não serão esquecidos, ainda, todos os          Rampas cheias de um verde instantâ-
  Em muito mais do que se vê ou diz, a      militares e civis que aprendi a respeitar,   neo suportam florestas de adoradores do
mudança foi bem-vinda. Percorro locais      no esforço hercúleo que a mudança im-        sol, alinhados por tribos e, muito, muito
antigos onde se sente o mar: o “Minis-      plicou naquela “casa inacabada”… Ha-         longe, da extinção atribuível a outras re-
tério da Marinha”, o Terreiro do Paço, o    verão sempre outros temas, que, como         ligiões, cada vez menos persistentes na
Tejo… Contudo, uma parte de mim pa-         sempre, agradam a alguns e podem de-         Fé. Tudo, tudo agora, me parece diferen-
rece inacabada. Durante meses estive        sagradar a muitos outros que seguem es-      te e esta diferença dá algum sentido à
profundamente envolvido nas transfor-       tas palavras. É o risco de escrever, que é   mudança que é toda a vida… e à minha
mações daquele hospital, como muitos        parecido com o risco de viver…               própria mudança.
presenciaram. Na verdade, a fusão dos
hospitais militares, como um maremoto,        Vou-me deliciando na contemplação            Este ano pude levar a minha família a
envolveu de forma intensa todos os que      da vida, que sempre me impressionou (e       um país onde morei e onde guardo mui-
ousaram participar nela.                    inspirou) a escrita. No trajeto, agora quo-  tos amigos. Foi uma viagem nostálgica.
                                            tidiano, da “Doca da Marinha” para o “Mi-    Na verdade, não há como voltar às ori-
  Considero que há ainda muito, mui-        nistério” passa o Mundo. Turistas mais ou    gens para ver a vida em perspetiva. O
to, por fazer naquela instituição. Por ve-  menos expostos apanham sol na praia,         mesmo se passou comigo neste preciso
zes mesmo, tenho a ousadia de acredi-       aparentemente maior, que ladeia o Cais       momento a nível profissional, voltei para
tar que ainda poderia ter algum papel na    das Colunas. Atletas, de todas as cores e    onde tudo começou… Peço licença, ainda
mudança… e o meu papel, sabe aquele         feitios, fogem dos seus fantasmas a par-     desta vez, para recomeçar…
leitor anónimo que comigo se cruzou no      tir do Cais do Sodré, como se da corrida
elevador da minha nova unidade, seria       dependessem as suas vidas… A japonesa,                                                     Doc
sempre naval. Também naquela parte ir-
racional da alma que todos temos, pare-
ce estranho sair assim, por ser mais anti-
go e ser da Marinha. Resta-me a certeza
de saber que fiz tudo, tudo o que me foi
possível, para honrar o azul-escuro – que
a esta altura já faz parte de mim – mui-
tas vezes sujeito a ventos e tempestades,
inexplicáveis e, com frequência, moral-
mente inaceitáveis.

  Deste modo, peço aos meus doentes
que me perdoem, pela involuntária saí-
da. Seria um caminho que mais tarde,
ou mais cedo, aconteceria. Procurarei
dar, estou certo, um contributo de ou-
tro modo, como outros fizeram antes de
mim. A Saúde Militar está numa encruzi-
lhada da qual ainda se não conhece to-
talmente o rumo, por mais pontos que
se marquem na carta onde procuramos
delinear o futuro. Ora, também aqui, no
lugar de maresia de onde agora escrevo,
há muito para fazer…

  Alguns estarão a pensar, por esta altu-
ra, de que escreverá ele agora? Não se

                                                                                             OUTUBRO 2014 31
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