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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA REVISTA DA ARMADA | 489
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A CASA INACABADA…
E O REGRESSO
“Para mim há três palavras que definem as pessoas e que são: com licença, obrigado e perdão”
Conversas com Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, de Ambrogetti e Rubin
Voltei. Estou de novo junto ao Tejo, preocupem, para começar, e de acordo que por entre vénias múltiplas, solicitava
num inesperado trajeto do interior com o lema acima exposto (pertencente a gentileza de uma foto que enquadrasse
para o rio… No Hospital das Forças Arma- a um Papa), gostaria de agradecer daqui o Tejo sorria feliz, como se toda a sua vida
das, fruto da divisão (por quotas) dos lu- a todos os que colaboraram comigo no a conduzisse ali, para aquele preciso mo-
gares de gestão pelos Ramos – um impe- Serviço de Cardiologia do Hospital das mento e lugar…
rativo militar – não pude ficar… Forças Armadas. Não serão esquecidos.
Não serão esquecidos, ainda, todos os Rampas cheias de um verde instantâ-
Em muito mais do que se vê ou diz, a militares e civis que aprendi a respeitar, neo suportam florestas de adoradores do
mudança foi bem-vinda. Percorro locais no esforço hercúleo que a mudança im- sol, alinhados por tribos e, muito, muito
antigos onde se sente o mar: o “Minis- plicou naquela “casa inacabada”… Ha- longe, da extinção atribuível a outras re-
tério da Marinha”, o Terreiro do Paço, o verão sempre outros temas, que, como ligiões, cada vez menos persistentes na
Tejo… Contudo, uma parte de mim pa- sempre, agradam a alguns e podem de- Fé. Tudo, tudo agora, me parece diferen-
rece inacabada. Durante meses estive sagradar a muitos outros que seguem es- te e esta diferença dá algum sentido à
profundamente envolvido nas transfor- tas palavras. É o risco de escrever, que é mudança que é toda a vida… e à minha
mações daquele hospital, como muitos parecido com o risco de viver… própria mudança.
presenciaram. Na verdade, a fusão dos
hospitais militares, como um maremoto, Vou-me deliciando na contemplação Este ano pude levar a minha família a
envolveu de forma intensa todos os que da vida, que sempre me impressionou (e um país onde morei e onde guardo mui-
ousaram participar nela. inspirou) a escrita. No trajeto, agora quo- tos amigos. Foi uma viagem nostálgica.
tidiano, da “Doca da Marinha” para o “Mi- Na verdade, não há como voltar às ori-
Considero que há ainda muito, mui- nistério” passa o Mundo. Turistas mais ou gens para ver a vida em perspetiva. O
to, por fazer naquela instituição. Por ve- menos expostos apanham sol na praia, mesmo se passou comigo neste preciso
zes mesmo, tenho a ousadia de acredi- aparentemente maior, que ladeia o Cais momento a nível profissional, voltei para
tar que ainda poderia ter algum papel na das Colunas. Atletas, de todas as cores e onde tudo começou… Peço licença, ainda
mudança… e o meu papel, sabe aquele feitios, fogem dos seus fantasmas a par- desta vez, para recomeçar…
leitor anónimo que comigo se cruzou no tir do Cais do Sodré, como se da corrida
elevador da minha nova unidade, seria dependessem as suas vidas… A japonesa, Doc
sempre naval. Também naquela parte ir-
racional da alma que todos temos, pare-
ce estranho sair assim, por ser mais anti-
go e ser da Marinha. Resta-me a certeza
de saber que fiz tudo, tudo o que me foi
possível, para honrar o azul-escuro – que
a esta altura já faz parte de mim – mui-
tas vezes sujeito a ventos e tempestades,
inexplicáveis e, com frequência, moral-
mente inaceitáveis.
Deste modo, peço aos meus doentes
que me perdoem, pela involuntária saí-
da. Seria um caminho que mais tarde,
ou mais cedo, aconteceria. Procurarei
dar, estou certo, um contributo de ou-
tro modo, como outros fizeram antes de
mim. A Saúde Militar está numa encruzi-
lhada da qual ainda se não conhece to-
talmente o rumo, por mais pontos que
se marquem na carta onde procuramos
delinear o futuro. Ora, também aqui, no
lugar de maresia de onde agora escrevo,
há muito para fazer…
Alguns estarão a pensar, por esta altu-
ra, de que escreverá ele agora? Não se
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