Page 19 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 529
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“Fez precisamente 25 anos que me alistei na Marinha. Ser mari- fi car a nossa vida pela Pátria? Uma inscrição numa roda do leme
nheira nunca foi um sonho, até porque até então nunca Ɵ nha sido gigantesca na Escola de Alunos Marinheiros dizia: “A Pátria honrai
possível a uma mulher ingressar na Marinha de Guerra Portuguesa. que a Pátria vos contempla”. Ficaria a nossa Pátria contemplando
Ser marinheira foi uma oportunidade que surgiu quando eu Ɵ nha 18 os seus militares enquanto sacrifi cavam as suas vidas? Só uns anos
anos, acabadinhos de fazer, após não ter conseguido entrar para mais tarde compreendi o verdadeiro signifi cado do “sacriİ cio
a Universidade. Jovem, 3º fi lha de uma família com par- da própria vida”, quando assisƟ a camaradas falharem
cos recursos fi nanceiros, considerei que ser militar da funerais de entes queridos, a conhecerem os seus
Marinha seria uma forma de progredir nos estudos fi lhos já com meses de idade, quando passei
e de autossustento. Assim, concorri, fi z os testes natais e passagens de ano fora de casa de ser-
médicos e psicotécnicos. Fui selecionada. viço, servindo… (..).
Recordo-me bem do dia em que fui contactada Quando esƟ ve embarcada, passámos sema-
e informada de que Ɵ nha sido selecionada. Foi nas a fi o em mar alto, com mau tempo (mala-
com uma alegria imensa, quase em êxtase, que gueiro, em linguajem da Marinha) em busca
recebi a noơ cia! Toda a minha família festejou de embarcações desaparecidas, dando apoio a
aquele acontecimento. Então, a 21 de dezem- tanta gente que necessitava de socorro.
bro de 1992, assentei praça na anƟ ga Escola de Hoje, digo com nostalgia, já não sou militar. Dei
Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira. Foi um à Marinha os meus melhores anos. Mas, a Marinha
dia cheio de emoções fortes. Dentro de mim percebia deu-me muito mais do que imaginei quando me alistei.
senƟ mentos de incerteza, dúvida, mas ao mesmo tempo Foi na Marinha que aprendi a minha profi ssão. Tam-
de grande alegria. Deixava para trás, pela primeira vez na minha bém aqui fui pioneira, pois pertenci ao primeiro curso de Bacha-
vida, a minha família, os meus amigos e o conforto do meu lar. Não relato de Enfermagem que teve alunas militares femininas da
fazia ideia do que me esperava. Seria capaz de aprender a marchar? Armada, na anƟ ga Escola do Serviço de Saúde Militar. Completei
Seria capaz de aprender a manusear uma arma de fogo? Teria a o curso em 1º lugar. Fui a primeira mulher a aƟ ngir o posto de Sar-
resistência İ sica necessária para as aulas de infantaria e educação gento. Sargento Enfermeiro! Que orgulho. Quando, ainda hoje, me
İ sica? Aprenderia a nadar? Mas ao mesmo tempo senƟ a uma ale- perguntam onde obƟ ve a minha formação académica, respondo
gria quase eufórica. Eu, uma simples jovem, oriunda de uma terra com orgulho: Escola do Serviço de Saúde Militar, e obtenho sempre
rural, do planalto escalabitano, estava assisƟ ndo e fazendo História: reações de admiração e curiosidade.
pertencia à primeira incorporação de mulheres na Marinha. Ainda na Marinha, conheci o meu marido, casei, Ɵ ve uma fi lha
Recordo a expressão angusƟ ada do meu pai nesse dia, à entrada (hoje já são dois), conheci gente incrível, com quem posso sempre
do Centro de Recrutamento da Armada. – Porta-te bem, tem cui- contar, mesmo passados tantos anos de ter abandonado a família
dado! Assim que puderes, telefona. Foram as suas palavras. Mais militar, lá aprendi o signifi cado de “espírito de corpo”, o “aguenta
um fi lho deixava o ninho. Sabia que estava bem entregue, mas ver sempre”, “à hora sai”, o respeito pelas hierarquias, a importância
a sua menina ingressar num mundo e numa profi ssão Ɵ picamente da pontualidade … Ferramentas que ainda hoje me são úteis. Mas
masculina deixava-o apreensivo. Mas tudo correu bem. Com mais é da camaradagem e modo de ser militar, que não sei explicar o
difi culdades numas aƟ vidades, e menos noutras, consegui comple- que é, que tenho mais saudades.
tar com sucesso a recruta. Hoje, graças à Marinha, conƟ nuo a servir a minha Pátria, não no
A 9 de fevereiro de 1993 eu, juntamente com os meus camaradas contexto militar, mas hospitalar, cuidando de quem mais precisa.
femininos e masculinos, jurámos bandeira! Gostaria de terminar a minha refl exão desejando PARABÉNS a
Nesse dia o compromisso com a Pátria englobava o sacriİ cio da todas as MISEFES, MIFES que ainda hoje se mantém no aƟ vo! São
própria vida… Muitas refl exões se fi zeram entre os recrutas, antes exemplos de cidadania e de coragem! Bem hajam!”
do dito juramento. Estaríamos verdadeiramente dispostos a sacri-
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