Page 19 - Revista da Armada
P. 19

1993
                                                                                                REVISTA DA ARMADA | 529




















                                                                                                          2018












           “Fez precisamente 25 anos que me alistei na Marinha. Ser mari-  fi car a nossa vida pela Pátria? Uma inscrição numa roda do leme
          nheira nunca foi um sonho, até porque até então nunca Ɵ nha sido   gigantesca na Escola de Alunos Marinheiros dizia: “A Pátria honrai
          possível a uma mulher ingressar na Marinha de Guerra Portuguesa.   que a Pátria vos contempla”. Ficaria a nossa Pátria contemplando
          Ser marinheira foi uma oportunidade que surgiu quando eu Ɵ nha 18   os seus militares enquanto sacrifi cavam as suas vidas? Só uns anos
          anos, acabadinhos de fazer, após não ter conseguido entrar para   mais tarde compreendi o verdadeiro signifi cado do “sacriİ cio
          a Universidade. Jovem, 3º fi lha de uma família com par-    da própria vida”, quando assisƟ  a camaradas falharem
          cos recursos fi nanceiros, considerei que ser militar da       funerais de entes queridos, a conhecerem os seus
          Marinha seria uma forma de progredir nos estudos                fi lhos já com meses de idade, quando passei
          e de autossustento. Assim, concorri, fi z os testes               natais e passagens de ano fora de casa de ser-
          médicos e psicotécnicos. Fui selecionada.                         viço, servindo… (..).
           Recordo-me bem do dia em que fui contactada                        Quando esƟ ve embarcada, passámos sema-
          e informada de que Ɵ nha sido selecionada. Foi                     nas a fi o em mar alto, com mau tempo (mala-
          com uma alegria imensa, quase em êxtase, que                       gueiro, em linguajem da Marinha) em busca
          recebi a noơ cia! Toda a minha família festejou                    de embarcações desaparecidas, dando apoio a
          aquele acontecimento. Então, a 21 de dezem-                       tanta gente que necessitava de socorro.
          bro de 1992, assentei praça na anƟ ga Escola de                   Hoje, digo com nostalgia, já não sou militar. Dei
          Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira. Foi um              à Marinha os meus melhores anos. Mas, a Marinha
          dia cheio de emoções fortes. Dentro de mim percebia           deu-me muito mais do que imaginei quando me alistei.
          senƟ mentos de incerteza, dúvida, mas ao mesmo tempo        Foi na Marinha que aprendi a minha profi  ssão. Tam-
          de grande alegria. Deixava para trás, pela primeira vez na minha   bém aqui fui pioneira, pois pertenci ao primeiro curso de Bacha-
          vida, a minha família, os meus amigos e o conforto do meu lar. Não   relato de Enfermagem que teve alunas militares femininas da
          fazia ideia do que me esperava. Seria capaz de aprender a marchar?   Armada, na anƟ ga Escola do Serviço de Saúde Militar. Completei
          Seria capaz de aprender a manusear uma arma de fogo? Teria a   o curso em 1º lugar. Fui a primeira mulher a aƟ ngir o posto de Sar-
          resistência İ sica necessária para as aulas de infantaria e educação   gento. Sargento Enfermeiro! Que orgulho. Quando, ainda hoje, me
          İ sica? Aprenderia a nadar? Mas ao mesmo tempo senƟ a uma ale-  perguntam onde obƟ ve a minha formação académica, respondo
          gria quase eufórica. Eu, uma simples jovem, oriunda de uma terra   com orgulho: Escola do Serviço de Saúde Militar, e obtenho sempre
          rural, do planalto escalabitano, estava assisƟ ndo e fazendo História:   reações de admiração e curiosidade.
          pertencia à primeira incorporação de mulheres na Marinha.   Ainda na Marinha, conheci o meu marido, casei, Ɵ ve uma fi lha
           Recordo a expressão angusƟ ada do meu pai nesse dia, à entrada   (hoje já são dois), conheci gente incrível, com quem posso sempre
          do Centro de Recrutamento da Armada. – Porta-te bem, tem cui-  contar, mesmo passados tantos anos de ter abandonado a família
          dado! Assim que puderes, telefona. Foram as suas palavras. Mais   militar, lá aprendi o signifi cado de “espírito de corpo”, o “aguenta
          um fi lho deixava o ninho. Sabia que estava bem entregue, mas ver   sempre”, “à hora sai”, o respeito pelas hierarquias, a importância
          a sua menina ingressar num mundo e numa profi ssão Ɵ picamente   da pontualidade … Ferramentas que ainda hoje me são úteis. Mas
          masculina deixava-o apreensivo. Mas tudo correu bem. Com mais   é da camaradagem e modo de ser militar, que não sei explicar o
          difi culdades numas aƟ vidades, e menos noutras, consegui comple-  que é, que tenho mais saudades.
          tar com sucesso a recruta.                           Hoje, graças à Marinha, conƟ nuo a servir a minha Pátria, não no
           A 9 de fevereiro de 1993 eu, juntamente com os meus camaradas   contexto militar, mas hospitalar, cuidando de quem mais precisa.
          femininos e masculinos, jurámos bandeira!            Gostaria de terminar a minha refl exão desejando PARABÉNS a
           Nesse dia o compromisso com a Pátria englobava o sacriİ cio da   todas as MISEFES, MIFES que ainda hoje se mantém no aƟ vo! São
          própria vida… Muitas refl exões se fi zeram entre os recrutas, antes   exemplos de cidadania e de coragem! Bem hajam!”
          do dito juramento. Estaríamos verdadeiramente dispostos a sacri-


                                                                                                     MAIO 2018  19
   14   15   16   17   18   19   20   21   22   23   24