Page 222 - Revista da Armada
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A sublime tentação do rio! Precursor do sonho e da tra- Naquele local muitos navios se sepulcraram atraídos pelas
gédia, para os que, como eu, diàriamente o viam, passan- ondas envolventes, que os despedaçavam contra os penedos
do, ora meditativo ora agreste, por entre ladeiras abruptas bravios e agrestes.
e apertadas até encontrar o mar. Assisti numa madrugada a um naufrágio! Chovia abundan-
A paisagem rude que o envolvia mo!dara-a ele, que incutira temente.
na personalidade dessa paisagem o traço dominante da Trazido pelo vento, pela fatalidade, o «Saban», navio
sua força. jovem de um longínquo país, penetrou por entre aqueles
De Inverno tornava~a agressiva, na Primavera, pelo cre- areais submersos e quedou-se de encontro às rochas,
púsculo, dulcificava-a, mantendo-a todavia sempre selva- encravando-se na penedia.
gem, entre fragas, rochedos, areais, curvas, contracurvas, Sentindo a gravidade da sua sorte, num assomo de vontade,
beijando-a e morrendo finalmente de encontro ao mar porque ainda havia esperança, todas as fibras se encres-
numa cidade granítica, pejando-a de lendas, tragédias, param para que o hélice o libertasse.
histórias. Õ casco rangeu pela força convulsiva das ondas e do
Apaixonados pela beleza, pintores, cineastas, poetas, motor, que opostamente lutavam, luta hercúlea e deci-
tentavam fixar num esboço fugaz e cintilante algo da essên- siva.
cia sublime e etérea que se desprendia da sua expressão As máquinas fumegavam imprimindo toda a força para
de vida:, luz e cor, mais mistério, lenda e sonho. que o navio se afastasse, mas as ondas, desabridas de raiva,
Passeei pelo paredão, últimos metros do seu curso (a seguir espumavam e aconchegavam-no por ironia ao leito de
era o mar), onde se ergui~ um farol, que je noite cinti- morte e pedra.
lava, sem cessar, planos de advertência para marinheiros As luzes altaneiras, todas acesas, garantiam a sobre-
e pescadores, para os homens do alto mar. vivência do espectáculo, indiferentes aos baques do casco
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