Page 412 - Revista da Armada
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Conversa
Intre
Marinheiros
Ministério da Aeronáutica, a tratar de qualqut?r assunto,
um façanhudo almirante inglês, muito indignado, chamou-
-me à ordem porque eu trazia na farda botões estrangeiros.
Quando lhe disse que não era inglês, mas sim português,
achou graça e desfez-se em desculpas. ,
«É curioso que, por causa deste incidente, ficámos amigos
e convivemos muito.»
Já brevetado regressou a Portugal e, por motivos que
não vêm ao caso, deixou a A viação Naval e passou ... aos
submarinos, ou seja, das alturas para as profundidades.
Nestes navios foi tudo: oficial de guarnição, imediato,
comandante e comandante da esquadrilha.
Dos muitos episódios que lá viveu, recorda que certo dia
vários ministros foram assistir a Um exercício no seu
submarino - o «Foca». Entre eles, o escritor e jornalista
Desta feita, a conversa volta a ser com mais um mari- Ramada Curto, ministro do Trabalho.
O submarino imergiu ao largo de Cascais para a profun-
nheiro dos autênticos. Dos que vêm para «estas casas»
didade de dez metros. A pedido daquele ministro passou
muito novos e vão trepando devagarinho, e à custa de
a vinte ... depois a trinta ... depois ... bateu no fundo!
muitos trabalhos e canseiras. Dos que conhecem o sabor
da água salgada e os ventos de todos os quadrantes. Estabeleceu-se certo pânico entre os convidados e Ramada
Dos que. tratam por tu os navios e as ondas do mar. Curto perguntou se estavam em perigo. O comandante
Estamos a falar do almirante Nuno de Brion, oficial do navio disse que não, e que em caso de necessidade
podiam destacar o lastro e vir à superfície «como uma
distintíssimo, que já percorreu todo o caminho: aspirante
rolha».
de marinha aos dezanove anos, guarda-marinha aos vinte
e dois, tenente aos vinte e quatro, comandante aos Passados muitos anos, o almirante Brion foi à estreia de
trinta e oito, almirante aos cinquenta e oito, reserva uma peça daquele escritor ao Teatro Nacional e no final
da Armada aos sessenta e cinco e reforma aos setenta. foi aos bastidores felicitá-lo pelo êxito obtido.
Ramada Curto contou aos numerosos assistentes o epi-
Longa viagem, na verdade, que o almirante percorreu
sódio do «Foca», rematando assim: «Ó Brie)ll, o coman-
sem um desvio, sempre no rumo certo, deixando na esteira
muito prestígio e simpatia e grandes amizades. dante quando disse que se fosse preciso alijava carga,
Alto, magro, cabelos loiros e olhos azuis, o almirante referia-se a nós, ministros, não é verdade?! »
Brion parecia mesmo um oficial da Royal Navy. Até
usava, e ainda usa, o lenço de assoar metido na manga Em 1940 largou os submarinos e foi comandar o aviso
do casacol «Gonçalves Zarco», já com o posto de capitão-de-fragata.
A seu respeito poderemos dizer com toda a propriedade Andou por esses mares além, em várias comissões de
que é inglês só por fora. Por dentro, na alma e no coração, serviço, apanhou muito balanço e visitou muitas terras.
é português cem por cento. Até gosta do fadaI ... Sentia-se, como todo o bom marinheiro, no seu elemento ...
Mas, foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra e teve de
«Sim, realmente, sou todo português», diz-nos o almirante. desembarcar. Foi exercer o cargo de 2.0 comandante da
«Nasci em Lisboa no famoso e típico bairro da Madragoa, Escola Naval.
no dia 28 de Abril de 1895. Já lá vão 77 anos! O meu E vivia feliz e sossegado naquele lugar quando um dia foi
a
aspecto nórdico virá provàvelmente da minha ascendência avisado de que devia ir falar com Sua Ex. o ministro da
francesa. A propósito, vou-lhe contar um episódio passado Marinha, o seu condiscípulo da Escola Naval almirante
comigo em Londres. Américo Thomaz. O chefe de gabinete tinha-lhe dito que
«Era eu 2,o-tenente e fui com vários camaradas tirar o era por causa de umas válvulas para os submarinos,
curso de aviação em Inglaterra. Ao passar um dia pelo o que muito o intrigava ... Que teria ele a ver com isso!?
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