Page 15 - Revista da Armada
P. 15
Os marítimos na origem do culto
ao Espiito Santo
e ao Senhor Santo Cristo, nos Açores
o homem medieval. profundamente religioso. invocava san-
toS da SUl! devoção nos momentos anitivos. O marítimo, em cm-
b,trCaçÔC5 precárias c sujei to ao humor inconstante c imprevisí- •
vel do circunstancialismo meteorológico. exacerbou a fé c o ape-
lo ti santos protectores. O açoriano, perante duas calamidades
locais de amplitude desmedida. os sismos c os vulcócs, consa-
grou duas entidades que julgou mais eficazes. intcrcessoras pri-
vilegiadas junto dos poderes divinos: o Espírito Santo c o Se-
nhor Santo Cristo.
Não há cidade. vila ou bairro que não tenha ascu "Império ..
do Espírito Santo. Desconhece-se quem introduziu o culto, ad-
mitindo-se que lenha sido pelos primitivos povoadores conti-
nentais. Mas quais? Como? Vamos tentar demonstrar que fo-
ram os maritimos. integrados nas confrarias do Corpo Santo,
cujo culto andava aliado c confundido com o do Espirito Santo,
e quc ii devoção ao Senhor Santo Cristo se filia no culto ao Se-
nhor Bom Jesus (ou Santo Cristo) dos Marcantes, iniciado no
i\Oode 134em Bouças (Porto).
AS CONFRARIAS DO CORPO SANTO
Entrc os santos proteclOrcs dos marcantes sobressai S. Pedro
Gonçalvcs Telmo. popularizado como São Telmo (San teimo)
ou Corpo Santo, dominicano cspanhol que no século XIII viveu
nos conventos de Compostela. Tui c Amarante. A veneração
generaliZ:lda na costa ocidental da Península Ibérica deu ofigem "Implrio_ do EspirifO SDnlO.
11 expressão «fogo de Santelmo». designativa da chama azulada
que em noites de temporal a electricidade atmosférica provoca moto de 1755, a imagem de S. Pedro Gonçalves foi para a nova
no topo dos mastros. considerada acontecimento milagroso igreja dos dominicanos irlandeses, no Largo do Corpo Santo.
anunciador de bons augú rios. O vocábulo San teImo coincide fc- Alfama teve a confraria de Nossa Senhora dos Remédios, dos
nctic'lmentc com Sant'Elmo (Santo Erasmo). patrono dos ma· pescadores chincheiros, 5;ta na ermida dos Remédios. c a do Es-
reantes da zona mediterrânica. As palavras galega e portugesa pirito Santo, dos navegantcs e pescadores do alto. de anzol c
Corpo S,lnto derivam da italiana Corpisan! que significa cemité- rede. sita na igreja de S. Miguel. O compromisso da confraria
rio - como se tributllva culto sob essa dcnominação (Corpo do Espírito Santo, de 1606, que reformou o de 1428. é conside ra·
Santo).\ relíquias e corpos incorruptos. a luz nos mastros era en- do uma das «melhores jóias da iluminura portuguesa». Uni·
tendida como o fogo-fátuo dos mortos. Diz Camócs n 'Os Lusía- ram·se depois CIlJ 1651 ou 1652, na «irmandade de Nossa Se·
da.r(can!. V,es!. 18): nhora dos Rcmédios c 1I0spiwl do Divino Espírito Santo dos
Vi d{lrumellte I'isto o II/me vivo Pescadorcs e Navegantes de Alfama» ou «Irmandade do Espiri-
f{IIt'U marítimtl gt'llIe t/'m por S(ll/to to Santo dos Homens do Mar .. , sita na ermida dos Remédiosou
em tempo tle torme/lla f' vento esquil'o do Espírito Santo. Santo Espírito ou Santo Espr'ito. como era
til' tempestade {'.f(·1I rue triste I"al/to vulgHrmente designada. No século XVI os pescadores tinham
outra confraria na ermida de Nossa Senhora do Paraíso (actual
Nos principais porlOS da beira-mar fundaram·se confrarias Rua do Paraiso) - não lhe encontramos referências posterio·
ou irmilnd,.des. também denominadas Casas ou Confrarias do res, pcloque deve lambém ter sido integrada na do EspfriloSan·
('nrro S;mIIlIlU CllrllpTt\mi,~n'\ MaritimO'l. que tinham igrejil~. 10. Os seus hospitais remontam à primeira dinastia; tinham, pelo
capelas. albcrgOlrias c hospitais privativos. e ficaram na toponi· menos. dois, em 1434, o Corpo de Deus c o do Espirito Santo.
mia 10(.:,.1 cm ruas. bairros e largos. Ó rgãos reprcsentativos dos e mais quatro no século XVI: odo Corpo Santo (no actual Largo
marcantes que para elascontribuiam com uma parte variável do do Corpo San 10). o dc Cata-que-fa rás (no actual Cais do Sodré).
seu quinhão, exerciam acção tutelar cm todas asquestõesdecor· odos chincheirosou dos Remédios e oc,le Nossa Senhora do Pa·
rcntes da actividadc profissional c promoviam o amparo moral raiso(').
c matcrial nas privaçócs e nas doenças dos confrades, viúvas e O porto tevc três confrarias: a dc S. Pedro. erecta na igreja
órfãos.
O Corpo Santo de Lisboa tinha uma ermida no Largo do
Corpo San 10 - antes dedicada a Nossa Senhora da Graça cad· (') Enlr~ J59J ~ J6J J /odOl os p~:rcadort's do pars dtdicar/lm mt/adt
ministrada pela irmandade dos pescadores do alto, do Bairro da do prodtllo da faina aos domingos t dias samOl d calloniza(do de S. Pe·
Pampulha - c capelas e confrarias no convcnto de S. Domin· dm Gon(/lll·e.f Telmo. A ffligiosidll/re dOl mart/ltlles nllmifestorl-lf'
gos. nas igrejas paroquiais de S. Miguel e Santo Estêvão. de AI· lamblm nos tx·vO/o:r. painlil VO/iV01. gratulatóriol. qllt constitUem ora·
(;1m3. e na igreja das Chagas. Demolida a ermida após o tcrra· ções propriciu/Ória.l' ((01 janlOl.
13